Thursday, December 31, 2009

Is it (so last year)?

Na mitologia, a maldição de Cassandra a fazia saber o futuro, mas ser incapaz de alterá-lo. Por não ter o dom da persuasão, Cassandra previu o que acontecia com Tróia, mas nada pôde fazer, senão assisti-lo.

Há alguns anos, perdi uma amiga querida por besteira. O fim de um relacionamento, uma pessoa carente que encontra abrigo no colo de outra, tão carente quanto. Eles eram só amigos, mas nós também já tínhamos sido assim uma vez. As coisas mudam, independentemente da nossa vontade. O que eu tinha pedido era só a verdade. Não tem nada, ok, mas então me conta o que está acontecendo. Prefiro saber por você do que por ele. Não contou e antes que aquilo que eu temia se consumasse, eu me afastei. Por mais que não tivéssemos mais nada, preferi não ser testemunha e não sofrer acompanhando os capítulos seguintes daquele reality show, do qual eu já previa o final, mas que todo mundo parecia querer me atualizar.

Na época, a besteira foi que, mesmo que não intencionalmente, havia alguém maquinando os fatos, forçando um ciúme. Mas pra quem não sabe sentir essas coisas, o efeito pode ser desastroso: o aparente orgulho esconde uma insegurança que quando vem à tona explode, com o efeito quase de uma bomba atômica.

Quatro anos mais tarde, mais ou menos na mesma época, o sentimento se repete. E daí, dá uma preguiça pensar em reviver tudo aquilo, se expor dessa forma e mostrar que de vez em quando até o touro mais forte sente dor. Dizer que está machucado é se abrir, é ser digna de compaixão e compaixão não combina com orgulho, mas acho que estou melhorando nesse quesito.

Voltamos ao começo do texto.

Hoje, mesmo com a incrível tecnologia, a sina de Cassandra continua. Persuasão à parte, há fatos que ninguém pode alterar. A gente pode prever um desastre e tentar evacuar uma cidade, mas não parar o terremoto. O melhor que se pode, sim, fazer é mudar é a nossa resposta aos problemas, criando novas rotas de fuga, melhorando o sistema de socorro e de comunicação em casos de emergência. E isso em nada tem a ver com prever o futuro, mas de aprender com o que foi feito no passado.

Enfim, tais quatro anos depois, finalmente tudo o que tinha de estranho na nossa relação a três parece ter ido embora. Não somos mais amigos, mas parece que não há motivo para que não fôssemos, se assim ainda quiséssemos. Um bom exemplo do passado mostra que mesmo as coisas mais complicadas podem dar certo no futuro.

Pra fechar Oceania, a cultura maori

Testas grudadas e narizes encostados. Os olhos de um, quando não estão voltados para baixo, em atitude reflexiva, miram fixamente os do outro. Uma pausa. Os dois, compenetrados, respiram ao mesmo tempo. Duas vezes. Esse é o tradicional cumprimento maori.

O significado? "Vamos respirar a essência da vida juntos".

Se eu já estava apaixonada pela cultura neozelandesa, naquele momento fiquei de quatro e sem perspectiva de levantar. Não é à toa que quatro meses depois de ter voltado ainda não tinha escrito esse texto. É tanta coisa que periga do texto ficar cansativo. Mas preciso terminar isso antes do fim do ano e nada mais parecido com clima de final de ano do que a espiritualidade maori (que eles pronunciam máori).

Quando saí do Brasil, a Nova Zelândia que eu conhecia era rugby e ponto. Quer dizer, também tinha o lance de esportes radicais – tanto que foi lá que fiz meu bungy jump - e de ser um país muito frio, mas era isso. Porém, conforme fui conhecendo mais gente, percebi que esse povo que se auto-intitula kiwis (em homenagem ao pássaro nacional, que também dá nome à fruta) são muito mais fascinantes do que eu jamais poderia imaginar.

Neozelandês é simpático, cordial, expansivo, adooora uma festa e adora beber, então não é muito difícil entender porque todo mundo gosta deles - deles e dos irlandeses, um bando de bêbados extremamente festivos, barulhentos e engraçados, bem ao estilo leprechau.

Meu primeiro contato com um kiwi foi com um terceira linha de um time local de rugby union (coisa rara na Western Australia, que ama Australian Football e o Rugby League). Grande, simpático e com um sotaque que me fazia perguntar “sorry” a cada duas frases, o rolinho não suportou os problemas de comunicação (aliás, aqui vai uma dica: sempre que falar com um neozelandês e não entender, troque o som de i pelo de e; depois que você aprender que esquerda é lift, pão é bríd e cama é bid tudo fica mais fácil), mas foi suficiente pra deixar uma boa impressão, confirmada com a minha tal fada madrinha e com uma amiga que conheci em Melbourne. Sem pestanejar, ela me passou o contato do namorado que morava em Welington e que, junto com seus amigos, foi o melhor guia turístico que alguém poderia desejar, pelo menos na capital neozelandesa, grande, desenvolvida e com uma vida noturna invejável.

Segundo todos com quem conversei, Welington é a melhor cidade da ilha norte para se conhecer. A 12 horas de ônibus dali, fica Auckland, a maior delas, mas essa não tem absolutamente nada de especial. É uma cidade grande como São Paulo. Com exceção da já citada capital e da histórica Rotorua, o melhor está no sul, onde a própria história é interessante.

Diz a lenda que os dois irmãos criadores do povo maori estavam pescando. Por algum motivo eles começaram a brigar e o negócio foi tão feio que tirou sangue do nariz do mais novo. Esse usou o sangue que escorria e limpou no anzol. Com uma isca tão diferente, o que ele pescou não foi um peixe qualquer, mas a própria ilha sul, onde estão todas aquelas paisagens maravilhosas promovidas em filmes e comerciais de TV, tais como a capital mundial dos esportes radicais Queenstown, o santuário de pingüins de olho amarelo e albatrozes Dunedin e a encantadora Christchurch.

Ao contrário da Austrália, que suprimiu seu povo nativo e os mantêm como marginais, na Nova Zelândia a história está viva, presente nas ruas. Há inúmeras escolas que se preocupam em passar adiante as características maoris de artesanato e tapeçaria. Não é à toa que mesmo não havendo mais um único maori puro vivo as tradições e lendas continuem presentes no dia a dia, por vezes em forma de amuletos.

O tal anzol, esculpido em jade ou em osso, representa um talismã para uma viagem segura. Além desse, existem os símbolos de um bom recomeço, proteção contra maus espíritos, amizade, entre outros. De todos, o que eu mais gosto é o Hei Tiki, uma espécie de bichinho esquisito, sempre com a língua pra fora, que representa a primeira mulher maori. Usado no pescoço, ele mostra um respeito a seus ancestrais, mas também pode ser um símbolo de fertilidade.

Com um respeito absurdo pela natureza, para os kiwis, o dente de baleia é mais “valioso do que ouro”. Os maoris consideram as baleias como um presente de Deus e por isso não há possibilidade de alguém matá-la. Se você tem um dente de baleia, como o namorado da minha amiga tinha, é porque encontrou na praia ou porque ganhou de alguém.

Apesar de todo esse clima de respeito, os maoris são guerreiros e já foram canibais. O haka, famoso no começo dos jogos de rugby, tem inúmeras funções, mas o cantado antes da guerra era uma maneira de amedrontar os oponentes e por vezes evitar uma luta.

E por falar em haka... por falta de companhia, já que não tinha nenhum jogo sensacional que coincidisse com meu roteiro maluco de sete cidades em nove dias, acabei indo sozinha ao estádio. Infelizmente, não estava nem perto de cheio, mas vi um bom jogo. O estranho era como era normal. Sentada ao lado e conversando com a família do recém-contratado primeiro centro, que por sinal jogou muito mal, coitado, vi velhinhos reclamando, xingando, como vi meu avô fazer tantas vezes nos jogos do Palmeiras. A diferença é que aquilo era rugby. Daí fechou. Não tinha como me sentir mais em casa.

Friday, October 09, 2009

Hurra Fiji

ou Uma Jones no país que não fabrica chocolate

Olhos bem amarelos e com uma catarata demarcada pela pupila cinza. O senhor que rezava ajoelhado de frente para a imagem da deusa-elefante me viu sozinha, passeando pelo templo e resolveu compartilhar a história da edifício. Extremamente colorido, o prédio demorou um ano para ficar pronto, já que todo o trabalho foi feito por apenas um homem, que veio da Índia especialmente pra isso.

Tão interessante quanto o próprio lugar, era aquele senhor, cuja idade eu não sei, o nome não consegui pronunciar, mas que vou lembrar pra sempre pela forma como andava devagar e pelas palavras que recitava baixinho enquanto não falava comigo. Perguntei se a oração hindu era parecida com a do budismo e ele confirmou - vai ver viciou em evocar mantras.

Para entrar no templo hindu de Nadi (se fala Nandi), em Fiji, o visitante precisa pagar uma pequena contribuição, de FJ$ 3,50, mas não é só. Na frente de cada imagem, tem uma caixinha de doações. "Aqui se paga para rezar. Olha só, esse é igual ao ministro da economia", brincou o homem, apontando para uma das imagens de metade bicho, metade mulher, com a caixinha de madeira ao lado.

Brincadeiras à parte, não é só para rezar que se paga em Fiji. A população parece menos pobre do que em Bali, mas os problemas, típicos de país que vive só de turismo, são parecidos. Na ilha em si não tem nada para se fazer, o centro é pequeno, os artesanatos e souvenirs não surpreendem e os preços não são baratos. Para piorar, o país tem sido vítima de uma imigração constante, de indianos ´principalmente. O povo vem, trabalha muito, ao contrário dos locais, faz dinheiro e toma conta da economia. Muita gente usou o fato de ser de Fiji e não indiano para que comprasse suas peças, mas diferente de Bali, aqui não é um paraíso de compras.

A única vez que comprei alguma coisa foi num mercadinho local, onde levei a réplica de uma máscara usada como escudo na época em que os fijianos eram canibais, o que não faz mais de 200 anos. Pra meu desconforto, todo souvenir que achava bonitinho já teve uma função medonha. Um era o escudo, o outro o quebra pescoços, também tinha o martelo pra quebrar crânios, a faca pra cortar carne humana e por fim, o garfo pra comer o cérebro. Nunca me arrependi tanto de ter perguntado se um artefato tinha história, mas depois de toda a boa vontade do vendedor, não dava pra voltar atrás. Aliás, gostei tanto dele que, quando o moço citou o rugby pra mostrar que ainda existiam fijianos grandes, quase o convidei pra ir no jogo do final de semana comigo, mas a lenda que ele contou a seguir, sobre o como é importante que o homem fijiano seja mais poderoso que a mulher, me fez mudar de idéia.

O templo e a feira de artesanato, mesmo que pequena, eram duas das poucas coisas boas pra se fazer na ilha principal de Fji. Lá, pela primeira vez, percebi como um turista deve se sentir no Brasil. A cor de pele já condena à segregação e à proteção forçada. Tudo bem que as melhores paisagens estão mesmo nas ilhas menores (ao todo Fiji tem 300 ilhas), mas eles podiam ter pelo menos me dito como chegar nas praias de Nadi, onde minha amiga morava. O problema é que as praias da ilha principal, além de não serem tão bonitas, são consideradas perigosas por serem de livre acesso aos locais. De nada adiantou dizer que era do Brasil, que conhecia esses problemas. Pra ver algo de realmente interessante in Fiji não basta só pegar o ônibus. É preciso pegar o barco e o passeio de ida e volta não custa menos de FJ$ 120. A hospedagem era barata e como passar a noite dava quase no mesmo preço de ir e voltar no mesmo dia, acabei decidindo trocar temporiamente a casa da minha amiga por uma dessas ilhas.

A idéia inicial era aproveitar a boa vida de Fiji e ainda conhecer a ilha de verdade, de vilas e gente simples, mas foi um pouco mais de realidade do que gostaria. Enquanto todos do barco iam prum albergue famoso, de uma rede internacional, eu era a única do local Joanas' backpacker.

A praia de Mana Island era realmente linda, com o mar de um azul que parece de mentira, como diria minha mãe. As casas de madeira acho que também eram igual pra todo mundo, mas a qualidade das instalações era bem diferente. A eletricidade vinda de gerador era das 18h às 23h e só, o suficiente pra colocar alguma coisa pra carregar. O banho, cuja água vinha de um caninho enferrujado num quartinho imundo, era frio, e a chama da vela, que queimava torta em cima da pia, mal ajudava a ver as poças no azulejo velho - e coitada da minha blusa que caiu no chão. A comida inclusa no pacote era rala em quantidade e nutrientes, mas como não tinha outra opção, acabei me rendendo a sopa de pepino e mandioca cozida. E por fim, ao contrário do que acontecia no albergue ao lado, no Joanna's não tinha mais quase hóspedes ou atividades de recreação.

Naquela noite, pela primeira vez, acordei feliz depois de sonhar que estava de volta ao Brasil.

Voltei pra Nadi no dia seguinte e - pra compensar a experiência ruim - no sábado fui para uma outra ilha, mas dessa vez com essa minha amiga e um casal conhecido. O moço trabalhava no navio de uma das inúmeras empresas internacionais que exploram o turismo do país e por isso fomos quase de graça. Em vez de pousada pequena, um resort internacional. Foi snorkling, canoagem, vôlei de praia, banho de sol, comida(boa) e bebida à vontade acompanhados de showzinhos de dança. Tudo bem tranquilo, à vezes até demais. Pra quem não está acostumado o tal Fiji Time chega a ser irritante, já que é mil vezes pior do que o jeito baiano de ser. Ali, dizem que quem anda muito rápido leva multa - e eu perdi a conta de quantas vezes ouvi isso.

Depois de um dia perfeito, dá até pra entender porque tanta gente fala do arquipélago como um lugar paradisíaco. Minha consciência bem que tentou reclamar - afinal, por seis meses estudei o quão ruim é preferir empresas de fora a locais em países em desenvolvimento - mas foi sufocada pelo cansaço depois de um dia inteiro fazendo nada.

O único problema realmente não resolvido é que como é muito pequeno, Fiji não tem produção de quase nada. Eles têm a água mineral de Fiji e a Fiji Beer, em duas versões, por sinal, a Gold, cerveja sem carboidratos - e a Bitter, versão mais pesada. Outro produto que eles adoram é a tal da mandioca, que eu nunca fui fã. De resto, tudo importado, e daí salgadinho é caro, bolacha é caro e, principalmente, chocolate é caro! Tudo porque têm que vir da Australia ou Nova Zelândia. E eu, que tinha decidido ficar sem chocolate até sair de Melbourne, tive que aguentar mais cinco dias até chegar em Auckland.

Saturday, October 03, 2009

Fechando o quebra-cabeça

Minha saída da Austrália tinha sido repentina. Depois de negociar com meus pais a data e ver o melhor preço, comprei a passagem pro dia 18 de agosto, treze meses e um dia depois de ter deixado o país. O quebra-cabeça parecia estar fechado, mas ainda faltavam umas pecinhas no meio. Meu vôo saía de Auckland, na Nova Zelândia, mas como e quando ia chegar lá só foi decidido em cima da hora.

A única certeza é que em 13 de julho, sábado, tinha uma passagem de Townsville pra Brisbane. Lá, encontraria com as meninas de Perth. Faríamos uma viagem de dez dias pela costa leste. No dia 21 elas voltariam pra Western Australia e só então eu iria decidir o que fazer da minha vida. O mais provável é que depois de passar, sozinha, uma temporada na casa de uma amiga em Melbourne, fose pra Fiji e Nova Zelândia, só pra cansar bastante e voltar sem deixar nenhum plano pra trás.

A passagem de Sydney pra Melbourne foi de trem, o que poderia ter sido bonito se não tivesse feito durante a noite. Cheguei em Melbourne à 8h da manhã e a cidade, como havia já esperava depois da aula de planejamento urbano, é maravilhosa.

Melbourne respira cultura, que vai desde os showzinhos de contra-baixo e violoncelo que acontecem em vielas no centro - onde as pessoas, muito bem vestidas, se sentam em caixotes de feira pra almoçar - até as inúmeras galerias de arte, biblioteca, teatros, e brechós espalhados pela cidade.

O sistema de transporte funciona e a cidade é toda desenhada para incentivar o uso da bicicleta em vez do carro. O problema, como também já esperava, era o frio. Melbourne, fica numa latitude menor do que a do sul do Brasil e, pra quem estava acostumada com o calor de Townsville, manter o bom humor em temperaturas com apenas um dígito é uma coisa complicada.

Emprego, ao contrário do que esperava, estava razoavelmente difícil e daí, em vez de continuargastando em uma mesma cidade, decidi usar meu dinheirinho em um lugar diferente e de cotação mais baixa; adiantei a saída da Austrália pra ficar dez dias na Nova Zelândia e cinco em Fiji, não necessariamente nessa ordem.

Pra NZ eu fiz toda a programação antes, afinal é um país grande pra tão pouco tempo. Pra ver tudo o que queria, ia fazer 7 cidades em 9 dias. Já pra Fiji, país pequeno, na hora a gente vê. O que a gente não lembra é que prum quebra-cabeça dar certo, todas as peças, mesmo as menorzinhas, devem estar no lugar.

Wednesday, September 23, 2009

Fada Madrinha

Certo dia, já em Melbourne, fiz um daqules testes (bobos, mas que eu adoro) do Facebook e uma das perguntas era se eu acreditava em fadas madrinhas. Pensei bem e não sei se respondendo como uma personagem de livro (objetivo do teste) ou como eu mesma não consegui achar outra resposta que nao "sim, elas existem".

Fada madrinhas são diferentes de anjos. Há muito tempo falo que o mundo está cheio de anjos. Anjos podem ser desde um cara que te ajudou a encontrar o caminho certo às 3h da manhã a alguém que, vendo a sua pressa, te deu uma carona em vez de simplesmente dizer onde era ponto de ônibus mais perto. Na Austrália, conheci vários anjos. Posso até mesmo dizer que a senhora com quem morava em Townsville era um anjo pra mim e talvez eu, um pra ela. Em resumo, anjos são pessoas normais que, por algum motivo ou outro, naquele momento te ajudaram, fizeram uma boa ação, às vezes mesmo que sem perceber. Já com a fada madrinha a história é diferente. Ela realmente se empenha pra te ajudar, essa é a missão dela dentro da história. E eis que, uma semana depois do tal teste, a minha fada madrinha, que já existia, tomou forma.

Fadas madrinhas não precisam ser baixinhas e gordinhas, mas a minha era. Elas não precisam, muito menos, ter cabelo branco, mas a minha tinha e isso só contrastava ainda mais com aquele batom vermelho que ela usava. Pra falar a verdade, ela parecia a feiticeira da Pequena Sereia. Mas como essa história é de Patty Marie, não de Ariel Jones, a minha feiticeira era realmente boazinha e, mesmo sem pegar minha linda voz como moeda de troca, me ajudou a realizar os meus desejos - o que, naquele momento, significava aproveitar da melhor forma os poucos dias que teria na Nova Zelândia antes de chegar em casa.

Conheci aquela senhora na rua, em frente à estação de trem de Melbourne, no momento em que cheguei de Sydney. Apesar de ter todas as indicações anotadas, resolvi perguntar, só pra ter certeza, onde ficava a tal William Street. Nos dez minutos entre uma estação de bonde e a outra, ela me contou que era da Nova Zelândia e eu contei que era para lá que estava viajando. Como ela nao ia a Auckland há muito tempo, na hora sacou o telefone de um amigo antigo, jornalista.

Alguns dias depois, me mandou um e-mail. O tal amigo estaria em Melbourne a trabalho e foi finalmente num café da manhã armado por ela que decidi meu roteiro. Duas horas de conversa sobre tudo o que existe nas ilhas norte e sul, além de algumas dicas sobre Fiji, onde ele também tinha morado, e meu roteiro estava feito.

Nós duas ainda nos vimos uma vez antes de partir. Foi num almoço, sempre às custas dela, como presente de despedida, e mesmo depois continuamos a nos falar por e-mail. A fada madrinha tem sonhos de viver na Espanha, curtindo um descanso merecido. "Se eu já morasse lá você poderia me visitar e fazer da minha casa a sua base para viajar pela Europa".

O problema é que pra isso ela diz precisar de muito dinheiro, o que pode ser um dos incentivos para a fezinha que faz de vez em quando. No mesmo dia em que nos encontramos, ela ganhou uma rifa de AUD$ 190. Pra mim, resultado da bondade e energia positiva que cultiva. Mas em contos de fadas, magia também é relativa. Enquanto eu falo da minha fada madrinha para os meus amigos, ela fala para os dela sobre lovely Brazilian girl que conheceu na estação de trem.

"Ter te conhecido foi uma das melhores coisas que me aconteceu ultimamente. Você me traz sorte!", disse ela, mas poderia ter dito eu.

Surfando no sofá

Três garrafas de vinho, uma de vodka, um monte de salgadinho. Drinking games, jogo da verdade. Como as meninas de Perth disseram no dia seguinte, "uma noite bem divertida" e o melhor de tudo, pelo menos pra mim, a constatação de que o esquema de acomodação gratuita realmente funciona.

Aquela era a minha primeira parada no roteiro a caminho de casa. Brisbane, capital de Queensland, pra onde fui de avião encontrar com as meninas de Perth. Os nossos companheiros eram um alemão, dono do apartamento, e um inglês, amigo dele.

Fui parar lá por insistência de uma outra amiga. Ainda em Townsville, só faltou ela ter ligado o meu computador e me cadastrado ela mesma, ali, na hora.

Acredita em mim - ela dizia -, eu não colocava muita fé, mas foi a melhor coisa, foi assim que consegui minha casa aqui e foi assim que fomos pra Magnetic Island. Você viu, né? Oito pessoas com acomodação gratuita. As pessoas são legais, todas com aquele espírito aventureiro e aquela vontade de conhecer gente nova. Vale muita a pena, acredita!

O discurso dela era tão enfático quanto o de um pastor fazendo pregação, mas o que a austríaca vendia não era a salvação da alma, mas um site de relacionamento mundial, onde as pessoas oferecem e buscam um sofá, uma cama sobrando ou mesmo um lugarzinho no chão para os viajantes deixarem seus sacos de dormir.

O nome dessa maravilha é couch surfing e foi assim que eu fiz a maior parte da minha viagem até chegar no Brasil.

No dia seguinte do cadastro, seguindo as instruções da tal amiga, mandei a mesma mensagem para várias pessoas procurando um sofá para mim e para as duas de Perth no dia em que estivéssemos em suas cidades. A viagem de Brisbane a Sydney ia servir como teste. Se tudo desse certo, repetiria a idéia na Nova Zelândia, quando minha viagem seria sozinha de tudo.

O negócio é que só fui avisar as meninas depois de entrar em contato com meus possíveis hospedeiros. A morena, quando soube, se segurou pra não surtar. Segundo ela, muito melhor pagar albergue do que correr o risco de ficar em casa de gente estranha, carente de companhia e que ia achar que nós tínhamos obrigação de andar com eles. Já a loira se matava se dar risada. Um porque achou o esquema de acomodação gratuita com o bônus de conhecer gente nova a minha cara. Dois porque tinha certeza da reação da terceira.

Conforme fui descobrir depois, couch surfing é sorte. Sorte de achar casas nas cidades pra onde você está indo, sorte das pessoas pra quem você mandou a mensagem te responderem e sorte delas serem legais.

Na viagem pela Austrália, tudo de bom. Depois de passarmos essa noite no quarto de hóspedes de M. em Brisbane e passar três dias em albergues em Gold Coast e Byron Bay, voltamos ao surfe no sofá. Dessa vez, por quatro noites seguidas, na casa de outro M., esse austríaco, e que junto com uns amigos nos apresentaram todos os pontos turísticos e baladas de Sydney.

Na Nova Zelândia, pra onde iria depois, entre os três ou quatro couch surfings, experiências boas e nem tanto, mas que valem como aprendizado para uma próxima viagem. Eu nunca tinha imaginado, mas sofás podem ser extremamente desconfortáveis, principalmente se ele for tão velho quanto a casa da tal república de estudantes. Outra coisa é que, por mais simpático que seja o casal, se a distância do terminal de ônibus até a casa custar 30 dólares de táxi, vale mais a pena um albergue. Por fim, tem gente que eu não sei porque decide hospedar os outros, mas se o quarto é bom, a economia de dinheiro compensa o mau humor.

Monday, August 17, 2009

O tal do cachecol

"Então, tá, não pode desistir. Essa é a meta do jogo. A gente tem que conhecer dois gatinhos e levar o cachecol pra casa, como recordação, fechado?"

Era uma sexta-feira de footy. Milhares de pessoas foram ao jogo ostentando camisetas, casacos e, principalmente, naquele frio de Melbourne, cachecóis de seus times. A ponte que liga o centro da cidade ao estádio estava linda, com aquela massa de pessoas todas fardadas, mas cada um por si. Aqui não tem torcida organizada. O mais perto que se chega disso são umas meninas sentadas nas arquibancadas atrás dos gols e levantavam e abaixavam umas plumas toda vez que o seu time pontuava. É bom que não dá briga, mas... ô meu Pai.... como é sem graça, viu?

Pra não dizer que nenhuma das duas entendia nada daquele esporte, eu sabia o básico, mas tive que aprender o resto. No Australian Footy vale jogar com o pé e com a mão, mas na maior parte do tempo eles passam chutando pra cima, bem alto. O campo é oval e não se faz try, se faz gol. São quatro postes. Se a bola entrar entre os do meio vale seis pontos. Se entrar entre os dos lados vale dois e se bater na trave, um (ahhh se isso fosse no basquete, meu ex-time tava feito!).

Perguntar sobre o jogo pode ser irritante para alguns, mas é sempre uma boa maneira de começar um papo. Por isso, a gente rodou bem aquele andar, mas não achou em todo o setor 3 de arquibancadas um único doador de cachecol compatível de quem pudéssemos sentar perto. Daí, na falta de algo mais interessante pra prestar atenção, resolvemos nos focar no jogo. A amiga carioca, esportista, mas de parede (não corre, escala), logo me deu o título de "a do estádio" e, como conseqüência, a responsabilidade de escolher os assentos.

No estádio do Dockers (com o nome de Etihad Stadium por causa do patrocínio da companhia aérea) cabem 55 mil torcedores, apesar do campo parecer bem menor do que um de futebol. Moderno, novinho, o Etihad tem quatro andares de arquibancadas e setor VIP. Ali não tem essa de distância segura separando torcida do campo. Pra quem tá no primeiro andar tudo acontece bem pertinho, quase como no jogo dos meninos na USP, mas, também, nem precisa. Os torcedores são fanáticos, mas a rivalidade não é suficiente nem pra demandar uma separação de torcidas. Os supporters de North Melbourne e Carlton, dois times locais, ficavam sentados lado a lado, em plena harmonia.

Quanto a nós - uma torcendo pelo N. Melbourne porque é bonitinho (azul e branco e com um canguru como mascote) e outra pelo Carlton, porque é preto e branco, assim como o Botafogo, acabamos ao lado de um grupinho de duas senhoras e um homem, todos acima dos 60. Quando já estava no meio, percebemos que Carlton na verdade era azul marinho e branco, e não preto, mas daí já era tarde.

A senhora do meu lado era Carlton e, apesar de ser toda simpática quando eu fazia perguntas sobre o jogo, acho que ficou meio irritada pelo meu suporte ao time adversário. Em certo momento, não se conteve e me disse, ainda que de uma forma muito educada, que eu não deveria torcer daquele jeito. Antes que eu pudesse ficar sem graça, fui socorrida pela moça da frente, mais nova, que, sorrindo muito, se meteu na conversa pra pedir, por favor, pra eu continuar, sim, torcendo, porque era divertido. Na dúvida, sorri pras duas, continuei gritando, mas parei de cantar, mesmo que baixinho, as músicas brasileiras de estádio.

Até mais ou menos o primeiro quarto de jogo, a gente não tinha idéia de quem estava ganhando. Os vários telões mostram o jogo ao vivo, o replay - já que o formato do campo nem sempre deixa visível o que acontece na lateral - e o placar, mas isso não é assim tão simples. Embaixo do nome de cada time tinha um número decimal e um entre parênteses, por exemplo: 6.4(40) ou 4.11(35). Conforme fui aprender depois, isso significa que o primeiro time fez 6 gols valendo 6 pontos e 4 pontuações (o que pode ser golzinhos ou chutes na traves), enquanto o segundo vez quatro gols valendo 6 pontos e 11 pontinhos. A soma de tudo isso, e o que realmente vale no final do jogo, é o número entre parênteses.

Agora, tudo parece simples, mas até a gente entender foram várias fotos e filminhos. Nessas, a gente conheceu os meninos de duas filas atrás, interessantes até, mas o papo não fluiu o suficiente, visto que tanto eles quanto a gente estávamos realmente concentrados na partida, que - infelizmente - teve vitória de Carlton.

Disputadíssimo o tempo todo, o jogo conseguiu quebrar a apatia da torcida, que já estava barulhenta como toda torcida deve ser. N.M. bem que fez mais gols, mas de um ponto só, o que me lembrou de novo o basquete casperiano - de que adianta jogar bem se perde de tanto errar lances livres? Saí do estádio tentando não ficar chateada. Era só um jogo de AFL e até três horas antes eu nem conhecia o time. Mesmo assim, virei N.M. de coração.

Quanto à minha amiga, bem... ela ganhou o tal cachecol. Não de um gatinho como ela queria, mas da mulher do meu lado, que, felicíssima com a vitória, deu o cachecol do Carlton para a nova companheira de time.

Os militares e a faxineira

No mesmo segundo em que a moça me perguntou se eu conseguia chegar numa boa no exército, me veio à cabeça o confessionário de Total Drama Island (o que traduzindo, é um banheiro de acampamento, aqueles de casinha de madeira, lotaaado de moscas, usado como confessionário e toilet pelos personagens desse fantástico desenho que tira uma onda de reality shows). Um instante depois, pensei no filme Tropa de Elite, que tinha visto de novo uma semana antes. Não foi uma imagem muito melhor.

A minha surpresa foi que os militares de Townsville em nada se parecem com os de filme (americanos ou brasileiros). Na Austrália, ser militar é um negócio altamente lucrativo e por vezes quase burocrático. Eles ganham e ganham bem para servir ao país. Vão à base de 2a à 6a e nem precisam voltar pro quartel. Quem quiser, aluga uma casa na cidade e vai e volta todo dia. Final de semana, o povo tá livre. É nessa horas que a maioria aproveita, alguns vão pra balada, bebem a rodo - já que têm dinheiro mais do que suficiente pra isso - e arranjam alguma encrenca. A má fama dos militares é bem conhecida na cidade. Afinal, como diz minha ex-land owner, eles são treinados pra brigar, essa é a única coisa que eles sabem fazer, mas isso nunca me afetou muito.

O trabalho no exército surgiu da mesma agência de empregos pela qual ia trabalhar como bartender em um determinado evento. Já tinha avisado que estava de férias, com tempo livre, mas trabalho de garçonete ou bartender não tinha. Quando perguntei de house keeping, ou cleanner, na hora ela me colocou no exército. Assim como atrás do balcão, o uniforme era também todo preto, mas em vez de regatinha, calça e sapato, tinha que usar camiseta, bermuda e tênis. O problema é... quem disse que eu tinha camiseta preta? Na falta de uma melhor, passei a usar uma da Jim Bean que, do lado do avesso, escondia o logo enorme e a inscrição de bar staff.

Na primeira semana, ainda tentava me acostumar com a mudança de ambiente. Quando cheguei na Austrália, me recusava a trabalhar como cleanner simplesmente porque não fiz quatro anos de faculdade pra limpar quarto e banheiro dos outros. Com o tempo, o orgulho some (já provei o que tinha que provar, posso simplesmente ganhar dinheiro), mas a adaptação ainda é difícil.

Pra quem está acostumada a servir as pessoas é esquisito entrar nas salas e interromper a rotina do povo ao trocar sacola de lixo ou passar paninho na mesa. Os banheiros era parte mais tranqüila. Como eram limpos sempre, nunca estavam sujos e esfregar espelhos virou terapia. Já as acomodações, tinha uma pior do que a outra, especialmente as das meninas, mas isso nunca chegou a ser um problema.

O tipo de trabalho eu já tinha superado, mas a rotina era punk. Me matava ter que acordar às 5h30 da manhã, pedalar meia hora pra depois ainda ralar de 7h a 9h/dia. Dizem que depois de um tempo acostuma, mas não fiquei o suficiente pra isso. Nas três semanas que fiz esse trabalho, antes de viajar com as meninas de Perth, conheci quase todas as áreas da base. A moça que fazia a escala me colocava cada dia num lugar diferente, um porque ela queria ser mesmo legal, dois porque minha função era ficar de regra 3. Nessas, passei por muitos prédios de escritórios, dormitórios (onde ficam os soldados que estão visitando a base, como os americanos que vieram prum workshop), acomodações (quartos-cozinhas super bonitinhos pro povo que está de vez por lá) e até mesmo lugares fora da base, como as casinhas dos guardinhas florestais ou os escritórios (e banheiros) do armazém de armamentos do exército, onde a vigilância é tão pesada que os celulares e câmeras são retidos na entrada.

Se o tempo no exército foi suficiente pra mudar o meu preconceito com relação ao trabalho de cleaner, o mesmo não aconteceu com a imagem passada pelos militares de lá. Mesmo entre eles, todos são mega simpáticos, nada de berros ou coisa parecida. Treinos físicos até se vê, mas nada pesado ao extremo. O tempo livre é tão grande que a base possui até um campo de golf, freqüentemente usado durante meu horário - ao contrário do de rugby, infelizmente.

Tudo bem que não era o meu país, mas aquilo de militar sem pressão não tava certo, e de tanto perguntar acabei achando duas explicações com certo sentido. A primeira é que o treinamento mais pesado deve acontecer em viagens de treinamento, não na base. A segunda é que existem várias bases na Austrália. A de Townsville era mais pro pessoal que já tinha voltado do Iraque ou Afeganistão, por isso talvez eles não precisassem mais de pressão ou tanto preparo físico, já tinham tido o suficiente e estavam só dando um tempo até serem mandados de novo.

Assim como os moços, eu também relaxei. À mesma medida em que ganhei passes semanais em vez de diários fui me sentindo mais em casa. Desisti da camiseta ao contrário e passei a usar a maior regata, mas, ainda assim, regata. Entrava nos escritórios falando bom dia, toda feliz, e nem mais fiquei com medo de brincar com a cracatua (soldado Albert II) de um dos regimentos - só parei quando o idiota do passarinho me bicou de dentro do viveiro e eu, distraída, dei um mega berro. Como reflexo, quase dei um tapa no bicho, mas se ele já costumava berrar normalmente, imagina se levasse um tapa. Além disso, se alguém viesse, eu era a cleanner, ele era o militar.

Festa pra (quem não quer ficar) solteiro

Quando olhei meu e-mail, quase um mês depois, vi que tinha recebido vários convites pra festas de solteiros. Até aí, normal. Desde o colegial que virou tradição entre meus diferentes grupos de amigas sairmos no dia 12 de junho. Enquanto todos os casais apaixonadíssimos comemoravam o dia dos namorados, a gente arranjava uma desculpa pra sair, o que podia ser desde um lanche no McDonalds a uma baladinha só pra gente desimpedida. Aliás, essa era a principal qualidade de se sair nessa época: entre os 365 dias do ano, o 12 de junho é definitivamente o mais improvável de se conhecer alguém comprometido. Isso porque 90% deles passam a noite com suas respectivas. Quem vai pra night é porque tá sozinho; por vezes, desesperado (será?).

A primeira parte da frase acima é minha mesma. A segunda, sobre o desespero, do povo com quem estava trabalhando. Coincidência ou não, no dia 13 junho, mesmo sem nenhuma relação com santo Antônio ou qualquer data especial, aconteceu no cassino de Townsville uma relativamente grande festa pra solteiros.

Como é padrão no Jupiters, a festa incluía boa comida, boa bebida e música animadíssima, que ia de flashback aos novos hits da rádio. A diferença só era perceptível por dois items: pilhas de bolachinhas de chopp espalhadas pela festa com os dizeres "call me" e um espaço pra completar com contato; e uma etiquetinha colada na roupa de cada um dos convidados, com o nome de algum personagem conhecido - mas essa parte da brincadeira eu demorei pra perceber. Foi só quando o amigo de Marco Antonio perguntou se meu nome não era Cleopatra é que caiu a ficha. Até então eu achava que a etiqueta mostrava o verdadeiro nome das pessoas, mas nem estava olhando muito. Se tivesse, provavelmente teria estranhado um cara chamar Sapo Krog ou outro chamar Helen (em homenagem à apresentadora americana de TV, assumidamente lésbica).

Australiano tem um jeito diferente de flertar, mais demorado, por assim dizer. Eles conversam, por vezes pedem o telefone, mas é tudo bem gradual. Por isso, o jeito mais comum pra eles começarem a namorar é mesmo pela internet (o que no Brasil poderia ser considerado muito mais desespero). Já australiana é bem diferente. De uma personalidade bem forte, por vezes são elas que dão o primeiro passo. Não só chamam pra sair e pedem telefone como também beijam meninas sem o menor pudor e dançam se esfregando em diferentes caras, tudo isso mesmo com o namorado do lado (o que às vezes causa confusão - entre os dois meninos, já que elas saem ilesas).

Na festa, diferentes gerações se encontraram. No começo, todo mundo se segurando, cada um num canto. Mas daí, a bebida servida a rodo vai fazendo efeito e o povo se solta, dando em cima não só dos convidados, mas também em parte do staff. Enquanto os homens pediam telefone ou simplesmente davam seus cartões, algumas mulheres conseguiram assustar os garçons de tanto que provocavam (e por vezes beslicavam) quando eles passavam do lado com a bandeja. Em um ou dois casos a mulher simplesmente avisou que iria embora com o garoto naquela noite. Não importava que dissesse ter namorada, ela iria embora com ele.

Apesar do (confirmado) desespero, o clima foi de uma descontração dificilmente vista nas functions. Em um momento de distração, um dos convidados agarrou minha bandeja e saiu oferecendo folhados de carne (chamados de beef weellingtons) pelo salão. Ótimo pra mim, que não agüentava mais carregar a bandeja de louça, enorme e pesadíssima, melhor ainda pra ele, que disse ter conhecido muita gente nos 5 minutos que eu fiquei papeando.

Como era de se esperar numa festa de faixas etárias tão diferentes, nem todo mundo voltou feliz pra casa, mas até que aparentemente um número bem considerável de pessoas conseguiu se arranjar - o que, ao contrário do Brasil, não significa agarração. Nos cantinhos, só um ou outro casal. A maioria ficou só conversando, sorrindo, num flerte gostoso que só. Um deles era o mais bonitinho, um par mais velho, tanto ele quanto ela com uns 50 anos pelo menos, simpaticíssimos e cabeça aberta o suficiente pra pagarem $75 numa festa sem ter idéia do que iriam encontrar.

A única chata de trabalhar nesse tipo de festa é que não se sabe o que acontece depois. Garçons, garçonetes e bartenders participam do começo, por vezes dando uma de cupido com o drink no lugar da flecha. Agora se dá certo ou não, vai saber. Anjo só dá o empurrão inicial. Pra finalizar, a conversa é com o santo.

Saturday, August 15, 2009

Encarando a vida de um jeito mais fácil - 5 passos

Nos últimos tempos tenho sofrido muito com os homens... Mentira, não vou ser injusta. Tenho sofrido muito com um homem.
E numa das milhares de conversas-desabafo, dessa vez com Patty Mary Jones, recebi um conselho que decidi seguir: Encarar a vida de um jeito mais fácil.
Um ótimo conselho, mas como fazer????
Decidi preparar um guia para mim mesma, tornar essa coisa do sentimento um ciência exata... É claro que as coisas não funcionam assim, mas como não têm funcionado de nenhum outro jeito, não custa tentar, hehe.

1 - Não coloque o dedo na ferida, mesmo que ele tenha sido lavado com álcool em gel. Mesmo que você não pegue uma infecção, isso não ajuda em nada na cicatrização.
Como fazer isso? Pare de pensar no que te faz mal, pare de tentar buscar informações por vias telefonianas ou internetianas. Pensar sobre é ruim por isso sempre tenha à mão um amigo que vai te fazer rir, ou uma lembrança feliz daquele golaço que garantiu a vitória do seu time naquele jogo nervoso.

2 - Nenhum atleta compete doente. Então se fortaleça antes de enfrentar o adversário. Mesmo as pessoas que querem nosso bem podem nos magoar muito com algumas verdades. Que são verdades, ninguém tem dúvida, mas existem momentos e momentos em que elas devem ser ditas. Se você está enfraquecido emocionalmente, pra que ser colocado a prova?

3 - Não faça nada que você vá se envergonhar no futuro. Controle a matraca. Para pessoas como eu, que gostam muito de falar, e que tem um raciocínio que muitas vezes é mais rápido do que deveria, a boca se torna uma inimiga. Quando somos colocados em situações de stress extremo, muitas vezes falamos coisa mais rápido do que a censura cerebral é capaz de bloquear. Elas podem cair como bombas, que só pioram tudo. Além disso, as discussões de relacionamento, quando não têm chance de terminar num make up sex, são infinitas e doloridamente destruidoras. Quanto mais se conversa, mais difícil se é chegar a um entendimento... E daí voltamos ao primeiro mandamento.

4 - Válvula de escape. Se não tiver, explodimos. Algumas pessoas gostam de cozinhar, outras de cantar e dançar bem alto, há aquelas que liberam os momentos de stress com a famosa cangibrina. Eu prefiro levar meu corpo ao limite físico. Poderia ser com qualquer esporte, mas como é difícil ter esportes coletivos depois que você termina a faculdade, tenho corrido muito. Corro até não aguentar mais. E daí estou tão exausta que as coisas têm outro efeito sobre mim, um efeito muito menor.

5 - Não sinta pena de você mesma. Já sofri muito com um fim de um relacionamento. É difícil, é dolorido, mas essa coisa de ficar jogada em uma cama, curtindo uma fossa, é coisa de adolescente. Não to falando que quando a gente fica adulta a gente não sofre igual. Pelo contrário. Sofre muito. Mas a gente tem mais o que fazer. A vida não pára pra nos recuperarmos. E a gente não pode querer que ela páre.

É isso...
Espero que me ajude, hehe.

Thursday, July 23, 2009

Sorte que stripper não tem bolso

Santa fe e Bully's ocupam os dois primeiros andares de um pequeno prédio antigo na última esquina da Flinders street, a Vila Olimpia de Townsville. O edifício é de estilo colonial, com pé direito alto e varandinha, que foi fechada com vidro pra virar recepção da balada de cima.

A entrada do Bully's é uma porta grande no meio da rua. A do Santa Fé, uma porta pequena nessa esquina. Aqui não tem a desculpa de que 'tava na frente e resolvi entrar'. O SF é a última balada da rua. Depois só tem o aquário da cidade. Se, à noite, você andou os 20 metros depois do Bully's, só tinha um lugar onde pudesse querer ir.

Nos dois lugares, a identidade é checada pelo segurança da porta, que aproveita e já barra os mais bêbados. Austrália não é um país fácil pra encher a cara - mas a galera consegue.

Passou o segurança, a única opção é subir uma escadinha também antiga, estreita, de madeira e em formato de U. Na parede, também de madeira, um pôster de mulher de biquini com o logo "Santa Fe" dá uma idéia do que o visitante vai encontrar. Mesmo assim, tem casos de pessoas, casais, por exemplo, que, novos na cidade, receberam um flyer no meio da rua e foram conferir. Chegaram até a recepção, no alto dessa escada, ainda desavisados sobre o estilo da casa e foram embora putos ao saber que entravam numa balada de strip.

Sentadinha atrás de uma mesinha de recepção, a hostess tem como responsabilidades básicas explicar o funcionamento da casa pros mais novos, cobrar a entrada (homens pagam $12, mulheres, $10 e o pessoal que já pagou a balada de baixo, $6) e tentar vender o tal Santafe Money, um dinheiro de brinquedo, parecido com o Banco Imobiliário, mas que tem o desenho de uma mulher pelada no lugar do brasão e serve para comprar o show das meninas. O trabalho é maçante, já que por vezes não tem nada pra fazer além de ficar paradinha, esperando as pessoas chegarem. No meio tempo, deve-se limpar as marcas de dedo da porta de vidro e preencher alguma pesquisa de satisfação baseada no que os clientes dizem ao deixar a casa. Quando as pessoas chegam, geralmente é em bando e precisa ser muito metódica para pegar o dinheiro, carimbar o braço e distribuir o flyer sem esquecer de anotar o número de pessoas que entrou e quanto cada um pagou. Não precisa nem dizer que eu e esse serviço não combinávamos.

Finalmente, pagou a entrada, passou a porta de vidro, chega-se ao Santafé propriamente dito, uma decepção para quem esperava música alta, showzinhos e locutor. Segundo uma pesquisa que eu mesma fui obrigada a fazer quando estava de hostess, 90% dos frequentadores vai (ou, pelo menos, diz ir) à casa simplesmente para tomar um drink e relaxar. Lógico que muitos falam isso da boca pra fora, mas conhecendo os outros bares de Townsville, em que falta um barzinho tipicamente happy hour, nem é difícil acreditar que algum dos clientes esteja falando a verdade.

O ambiente, por sinal, ajuda nessa versão. O lugar em si é bem pequeno. Da entrada, já dá pra ver o bar, no fundo do salão. Do lado esquerdo tem um palco bem pequenininho, com duas barras verticais para as meninas dançarem. A extensão entre o palco e o bar tem uma área avançada, uma parede que delimita uma espécie de cozinha, onde fica a geladeira e o microondas para o staff. No resto da área livre ficam mesinhas, poltronas, mesas mais altas e banquihos. É aí que as pessoas ficam a maior parte do tempo. O palco a princípio permanece vazio e a música em um volume aceitável. Ao contrário de outros lugares onde trabalhei, não lembro de alguém tendo que gritar pra que eu entendesse o pedido.

Enquanto os caras bebem nas mesinhas ou no balcão, as meninas desfilam por entre as mesas, usando vestidos-micro ou lingeries transparentes. Encostam nos grupinhos ou nos caras sozinhos, sorriem, conversam, por vezes arrancam uma bebida de graça, em outras até usam a sua própria cota de drinks gratuitos pra paparicar o possível cliente. Por fim, conseguem vender o show. O preço é apenas 20 dólares, que pode ser pago tanto com Santafé Money, quanto com o "dinheiro de verdade". As notas vão pro pé, o que me fez entender o motivo de toda vez elas me pedirem alguns elásticos do caixa.

A menina, então, sobe no palquinho e tira a roupa. Tira tudo? Sim, tudo. Se a bartender consegue ver elas fazendo strip? Mais ou menos. Como o palco fica meio escondido, atrás da parede da cozinha, não dá pra ver muito não. Só quando estava vazio e ficava do lado oposto do palco, polindo copos que dava pra ver um pouco, o suficiente pra matar a curiosidade. Foi numa dessas vezes que percebi que aquela história de non-contact house não era tão sem contato assim. O cara (ou os caras, quando era um grupo que pagava) tinha que ficar ali sentadinho, na beira do palco, mas a menina, se quisesse, podia diminuir a distância. Em uma ocasião, a dançarina ficou de joelhos no palco e praticamente esfregava o tórax nu no rosto do moço. Por sorte, a meia-luz constante e o meu alto grau de astigmatismo não me deram mais detalhes do que os de quem está lendo o texto. A cena parecia tão distante que nem eu quisesse dava pra me sentir incomodada com aquilo.

A falta de efeitos de iluminação, por sinal, só não era maior do que a de preocupação com a música. Não tem dj no SF. A trilha é escolhida pelo mesmo gerente do bar e fica tocando de forma aleatória a noite toda. Se a stripper realmente quiser pode até pedir uma coisa especial, mas normalmente elas tanto dançam sob "I touch myself" (música símbolo do lugar) quanto sob "dancing in the moon light", música sem gracinha, que só meu manager e a amiga loira de Perth parecem gostar.

O cara que quiser algo mais reservado, sem todo mundo vendo o que só ele pagou, pode optar por um showzinho particular, num segundo ambiente, uns cinco degraus abaixo e à direita do salão. Lá só entra quem pagou pelo show e só fica durante o strip. O preço é um pouco mais salgado: 50 dólares. Essa é a maior fonte de renda das meninas. Foi graças a esses private shows que a hong konguiana (seja lá como se escreve ou diz isso) que conhecemos no primeiro fim de semana em Perth disse que conseguia tirar até $700 por noite - um absurdo pra quem tinha acabado de chegar ao país e estava procurando emprego.

Em Perth, a menina se gabava por que, ao contrário do que acontecia na casa concorrente, onde ela trabalhava não era obrigatório abrir as pernas durante a dança. Já em Townsville, as garotas dão duro pra conseguir os tais $50. Para cada sofazinho tinha uma mesinha. Enquanto os caras ficavam sentados no sofá, as meninas faziam strip na mesinha, o que incluía alongamentos absurdos com a perna. Outra vez, vi uma das meninas batendo altos papos com o cara. Ele sentadinho no sofá e ela, nua, deitada de bruços no chão, em cima daquele carpete provavelmente imundo. O andar de baixo ainda tem chuveiro dentro de um box transparente, mas ninguém usa. O show na ducha foi cancelado e riscado dos flyers antigos antes de eu começar a trabalhar lá.

Num ambiente tão diferente, a surpresa é que os caras respeitem tanto quem está no bar. Como hostess é diferente. Ouve-se gracinhas, perguntam que horas que vai ser a sua vez de dançar e coisas do tipo. Já como bartender, o máximo que rola são umas conversinhas bobas, um pedido de telefone, mas tudo dentro do normal, nada conectado a uma casa de stripper. E daí vem o lado bom. Se dizem que toda mulher tem a fantasia de saber como seria a vida de uma garota de programa, eu cheguei perto e trabalhei num strip club, mesmo sem nunca ter tirado uma peça de roupa. Quase um exercício de jornalismo, e ainda com ótimas gorjetas. Se as meninas ficavam com as notas, eu recebia cerca de 60 dólares por noite só em tips, a maior parte em moedas. Afinal, como diria meu gerente, "elas não têm bolso".

O novo emprego e os antigos tabus

Como é possível falar normalmente de uma coisa que no mínimo não é tão normal assim? Essa foi a a dificuldade que encontrei para falar do meu novo trabalho. Afinal, se Ariel, que me conhece há tanto tempo, já tinha ficado meio hororizada, o que diriam as outras pessoas?

Por isso, a cada vez que contava para alguém era uma tática diferente, para falar com jeito, sem assustar. O mais normal era dizer que trabalhava numa balada da Flinders, o Santafé/Bully's, juntando o nome da balada de cima, de strip-tease, com a de baixo, famosinha na night de Townsville.

Quem fazia isso é a própria dona dos estabelecimentos, ou pelo menos uma das donas, uma senhora de uns 60 anos, loira, peruíssima, de batom vermelho e que coincidentemente também é a responsável do Rotary pelos intercâmbios de high school na cidade.

No fim, não era mentira. Apesar de não ter trabalhado no Bully's, já tinha sido informada da possibilidade de fazer alguns shifts no andar de baixo. Mas o principal motivo é que normalmente as pessoas só prestam atenção no segundo nome. Fazem um "ah, tá" e morre o assunto. Já para os mais chegados, eu explicava que trabalhava mesmo no Santafé, o gentle's room (ou a balada de strip) em cima do Bully's, o que sempre gerava um ar espantado ou uma carinha de interesse por parte do ouvinte, por vezes mesmo depois de eu explicar que o meu trabalho era só de bartender - e vestida! pra ter certeza que não ficou nenhuma dúvida.

A própria senhora quando me ligou, me chamando para uma entrevista - não para a balada de baixo, pra que eu tinha mandado o tal 'resume' (versão aussie para currículo), mas para a de cima - me explicou que o lugar era bem frequentado, pagava para entrar, os caras não podiam tocar nas meninas e tinha um monte de segurança por perto, caso eu precisasse. Era tanta explicação que eu até desconfiei e perguntei se me trabalho seria realmente só servir bebidas. Ela riu, para em seguida dizer que, sim, eu poderia continuar vestida. Minha vez de dar risada. Se era assim, então estava ótimo. Fiz o teste na 5a, na 3a estava trabalhando. Daí, o negócio era contar pros outros.

Ao contrário do que possa parecer, contar pros meus pais não foi tão difícil. Eles sabiam que emprego estava complicado e que eu não ficaria tranquila sem ter dinheiro pra viajar. Se esse era o único ("não tem mesmo outro lugar?"), fazer o quê? A dificuldade foi falar pra senhorinha com quem morava. Quando fui contratada ela estava viajando e quando voltou eu já estava com shifts constantes.

Apesar de não lhe dever explicação alguma, eu e minha land owner mantínhamos uma relação de carinho e respeito mútuo, o que me deixava apreensiva ao pensar como daria a notícia.

Por fim, o choque maior foi o meu, já que, exceto por uma leve feição de espanto, ela encarou com a maior naturalidade e, ao ouvir a descrição do lugar, terminou o assunto dizendo que eu não sou mais uma menininha de 18 anos pra ficar assustada com essas coisas. A modernidade dessa senhora de 71 anos sempre me surpreende.

Depois disso, tudo meio que mudou. Se ela levou meu emprego uma boa, percebi que não tinha mesmo porque esconder, especialmente na Astrália. Passei a falar com naturalidade. As pessoas, por sua vez, se interessavam e faziam perguntas sobre o cotidiano do lugar. Nesse momento, a dificuldade era como não falar de forma normal sobre uma coisa que pra mim já tinha deixado de ser diferente.

Monday, July 20, 2009

A vida sempre pregando peças

"Quando estou longe, quero estar perto. E quando estou perto, quero estar mais perto ainda".


Acho que sou uma pessoa premiada... E isso não necessariamente quer dizer que é uma coisa boa. Porque tudo o que de mais bizarro pode acontecer com o ser humano, acontece comigo.


Agora o mundo deu voltas e o que deveria ser a minha vingança se tornou minha aflição. E que aflição. Como diz minha irmã, tanta racionalidade pra acabar assim.


Pois a tal da racionalidade é só uma casca grossa, por dentro sou um coração mole, muuuuuuito mole.


O choro, os olhos nos olhos, a mão suando, o pedido de perdão, a declaração de amor... Tudo soa tão real, mas tenho medo de que seja só o conto do vigário. Será realmente que uma pessoa é capaz de se redimir, se arrepender, ou, passando a paixão momentânea, a aventura continuará?


Pelo menos não nego, ele mexe muito comigo. Mas isso já não basta mais. Penso em tudo o que meus amigos fizeram pra me ajudar esquecê-lo. E penso que, se mais uma vez ele for FDP, outra vez eles estarão lá, mas eu não terei mais coragem de procurá-los. Com razão, dirão que me avisaram, e que não quis ouví-los. 


Tremi diante da declaração de amor aí em cima... 

Monday, July 06, 2009

Os outros

Dois grupos de brasileiros se encontram no Strand, a espécie de calçadão de Townsville. O assunto era homestay. Eles ainda naquela fase de "pra onde e com quem você vai sair? que horas você volta?". A gente, morando sozinhos. Casa com cerveja na geladeira, cada um com seu quarto, suas coisas, ninguém pra ter que dar satisfacao exceto nós mesmos.

De repente, alguém pergunta se todos morávamos juntos. Não, meu amigo disse. Eu moro com elas duas; ele e ela são casados, moram em outra casa. Uma discreta arregalada de olhos por parte dos nossos novos conhecidos. Por mais que até então a gente pudesse parecer uma idade parecida, a simples palavra casamento deu o indício que nem tudo era tão igual.

Os problemas e dramas de quem vem pra fora do país fazer curso de inglês, faculdade ou pós já foram mais do que relatados. É procura por emprego, casa, dificuldade nos cursos, que têm que justificar o investimento. Acontece que tem um outro tipo de gente que até então não tinha sido citado, mesmo porque até então não tinha conhecido. É esse povinho que larga a escola no meio e vem passar seis meses ou um ano fora, estudando em escola normal, tendo que usar uniforme e seguindo estritamente as regras de uma nova família.

Assim como "Os Outros" de Lost, esse pessoal levava a vida deles paralela à nossa em Townsville; cerca de 10 brasileiros que ninguém do nosso grupo conhecia, até que um deles foi com o cartão do pai até o Fish and Chips em que minha amiga trabalha.

Eles são o tal povo da high school. Alguns tem 10 anos a menos do que eu, 12 a menos do que o casal, mas de vez em quando até dá pra esquecer isso.

O lado bom de ter 16 anos é que não se tem aquela preocupação absurda com dinheiro, já que ainda se é 100% dependentes dos pais. Em compensação, também não têm essa de escolher casa, morar com amigos, fazer o próprio horário. Quem define a sua casa é a escola, dentre as várias famílias que se candidatam pra receber estudantes.

Antes de ser aceita no sistema de homestay, minha espécie de host sister em Perth recebeu em casa uns funcionários da agência responsável pra ver se ela realmente tinha condições de hospedar um estudante. Depois de feita a análise, eles tentam encaixar o perfil do aluno com o do dono do lugar: como na minha carta de apresentação eu disse que não queria um lugar que me prendesse, a única satisfação que tinha que dar era se ia ou não comer em casa pra ela não fazer comida a mais, o que em 90% do tempo significava macarrão, por vez miojo, ou arroz com legumes e salsicha.

Mas ok, ela recebia alunos da faculdade. Com a galera mais nova a responsabilidade é maior e, dependendo da escola, o esquema pode ser sufocante. Um exemplo são as viagens: não importa que os pais no Brasil tenham autorizado, pra passar a noite fora é preciso estar acompanhado por algum maior de 25 anos que viaje junto e se responsabilize pelo estudante, o que, pra nossa recém-conhecida, parecia quase impossível de acontecer.

"Não... OLHA SÓ PRA MINHA CARA! Quando que eu, AQUI, vou conhecer alguém com mais de 25 anos?"

Tal como um monstro que fingindo ser bonzinho mostra sua verdadeira face, eu disse na maiorcalma do mundo: "acabou de conhecer! eu tenho mais de 25. vinte e seis, na verdade".

O choque foi instantâneo.

A roda toda olhou pra mim ao mesmo tempo. A metade deles com uma cara de "nossa!". A minha metade - que incluía alguns ainda mais velhos que eu - com um sorriso de 'ah, é!". Meio segundo depois, ambos os grupos caíram juntos na gargalhada.

A fusão tinha começado.

Um aniversário diferente

Todo ano, à meia-noite do dia 4 pro dia 5 de maio, meu pai vinha me dar um beijo de feliz aniversário, estivesse eu dormindo ou não. Nesse ano, primeiro longe de casa, calhou da minha landowner viajar na mesma época. A única que poderia me dar parabéns à meia-noite ou no outro dia cedo seria a gata, mas por mais que de vez em quando ela aparecesse no meu quarto, eu e Missy não éramos de muita conversa.

Por isso, quando soube que ficaria sozinha, até cheguei a cogitar que aquilo fosse destino. Já tinha passado a meia-noite do Natal dentro do trem, a meia-noite do ano novo servindo tequila, vai ver era parte das novas experiências passar o aniversário by myself. Mas o pensamento não durou mais de um momento. Aproveitando que o marido da minha amiga tinha ido por uma semana pro Brasil, resolvi ignorar a ordem natural das coisas e dormir alguns dias na casa dela - sempre voltando de manhã e à noite para alimentar a tal da gata.

A véspera do dia 5 foi quase como uma festa de pijama. Eu, ela e minha atual roommate, também brasileira. Fizemos bolo e brigadeiro pro dia seguinte, que ainda ia ter pão de queijo e bolinho de chuva. À meia-noite ganhei meus parabéns, ao vivo e pela internet, já que passei a noite acordada, estudando. No dia seguinte, quando todo mundo foi pra aula, eu voltei pra casa pra dar comida pra gata que, como previa, não me deu os parabéns.

Superstição ou não, parece que as mudanças estão sempre relacionadas a épocas ou datas específicas e, por isso, eu já esperava que as coisas começassem a dar certo depois do aniversário, em especial com relação a trabalho, o que realmente aconteceu. Porém, a mudança de fuso horário deve ter deixado as minhas energias de aniversário tão perdidas quanto meus amigos. Recebi parabéns por até uns três dias depois, mesmo período em que foi vítima de uma sucessão de trapalhadas.

1) O emprego: a vaga foi anunciada no domingo. Bartender pruma balada super movimentada. Tinha que ligar na 3a-feira, dia 5, ou mandar currículo. Eu enviei o e-mail no final de semana e ia ligar na 3a. Esse era certeza que ia conseguir. Não é qualquer um que dá conta de balada busy e eu já tinha boa experiência nisso. Antes que ligasse, a gerente me ligou. Consegui um teste pra dali a dois dias e em seguida fui contratada. Único problema, não explicitado no anúncio: a vaga era prum strip-club.

2) O bolo: eu e a cozinha nunca fomos muito próximas, exceto por um item: bolo de chocolate, coisa que faço desde meus 10 anos, quando - criança gordinha - minha aptidão culinária era movida principalmente pela possibilidade de raspar o resto da massa. No dia 4, o bolo ficou gostoso, mas era pequeno demais. No dia seguinte, comprei um fermento novo e fiz uma nova receita. Na hora de colocar o fermento, em vez de usar a colher, resolvi dar uma batidinha no pote, o que me fez derrubar metade do pozinho branco em cima da massa. Dessa vez, o bolo ficou lindo, mas com tanto gosto de bicarbonato de sódio que foi pro lixo antes mesmo de esfriar. E faltava só uma hora pro povo chegar.

3) A bike, o telefone, o carro e o pneu: já aceitando que aquele não era um bom dia pra cozinhar, resolvi parar de ser cabeça dura e comprar o bolo. Peguei a bike nova e saí. Minha amiga me liga com problemas sentimentais. O menino que se mostrava super a fim estava na verdade a usando pra aprender como lidar com mulheres, segundo uma amiga dos dois. Eu pedalava e escutava o caso complexo quando encontrei um amigo e também atual roommate vindo na direção contrária. Pra não perder tempo, passei a falar com ele, gesticulando do outro lado da rua, ouvir minha amiga no telefone e andar de bicicleta, tudo ao mesmo tempo. Fui parar na contra-mão, mas por sorte o sinal estava fechado. Ele, preocupado de que minha imprudência não me deixasse completar outro aniversário, foi na minha frente até o supermercado. De repente, olhou pra trás e me viu parada no meio da avenida, lá atrás, dando risada. Enquanto pedalava e falava no celular, ouvi um estouro e a parte de trás da bicicleta desceu. Conforme fui descobrir depois, uma pequena chave em L entrou no pneu da minha bike fazendo um rombo tão grande que nem o kit de borracheiro pôde reparar. Melhor rir do que chorar, ainda mais porque no dia seguinte acabaria voltando 11km a pé, empurrando a outra bike até em casa, depois de ignorar os conselhos desse tal amigo que era melhor não sair com a bike, porque ela não estava em condições (como meu pai diz... se você não vai ouvir, por que pede opinião?).

Na festinha, só o povo de sempre, os brasileiros e a alemã. Muita, mas muita comida e vinho, em vez de cerveja. Prova de amadurecimento ou simples economia, já que a caixa com dois litros de vinho custa 11 dólares, enquanto o pack com seis stubies (a nossa long neck) de cerveja não é menos de $14 e acaba muito mais rápido. Ô saudade de engradado de 600 ml.

Se no Brasil o problema do dia 5 de maio era ser entre o feriado do dia 1o e o dia das mães, na Austrália esse é justamente o mês de mais trabalhos da faculdade, o que deixou as comemorações ainda mais difíceis. De festa, com bolo e velinhas, foi só isso. Três dias depois, quando, por conta da diferença de horário com o Brasil, os desejos de feliz aniversário pararam de chegar, a minha vida voltava ao normal, o pneu da bike estava trocado e eu já nem lembrava que a data era recente. Em compensação, a mudança de casa, 20 dias depois, eliminou a necessidade do aniversário como uma desculpa para reunir amigos. Entre os acessíveis, a maioria ficou ali, a um quarto de distância, e os outros são visita constante.

Thursday, June 18, 2009

Odisséia em duas rodas

A primeira idéia ao chegar em Townsville era comprar um carro ou uma moto. Não vou mais reclamar do sistema de transporte público daqui, mas preciso enfatizar que arranjar um emprego de madrugada sem 'own transportation' era praticamente impossível. Mas daí, fui morar perto da cidade, tudo ficou lindo. Se a pé eu demorava 25 minutos, de bicicleta não ia demorar muito mais do que dez.

Daí, chegou a hora de comprar a bike. 90% dos estudantes acabam comprando bicicleta de segunda mão, o que é uma atividade altamente sustentável: tem benefícios econômicos porque se paga bem menos; ecologicamente correta porque diminui a produção de bens e a geração de lixo e social porque ajuda as pessoas a se conhecerem. Mas é lógico que ninguém pensa nisso e simplesmente compra de second hand porque é mais barato.

Um dos meus amigos chegou a me oferecer a bike dele, com alguns problemas, mas que daria conta, afinal, eu só queria pra ir até a city. Não ia querer ir até a facul pedalando, ia? Até aquele momento eu não ia, mas quando ele me fez essa pergunta, um bichinho me mordeu e eu pensei "ah, mas por que não?". Daí f***.

Só pra variar um pouco, a história com a bicicleta também tem sido intensa. Em quatro meses andei em mais bicicletas do que em toda minha vida. Mas também, que graça teria comprar uma bicicleta nova, chegando em Townsville, andar com ela pra cima e pra baixo sem nada de diferente pra contar? Lógico que não precisa ser tanto, o texto fica longo, Lana reclama, mas mesmo assim.

Como eu nunca fui lá muito amiga das duas rodas, preferi não arriscar e pegar uma bike melhorzinha - o que por sinal foi muito sábio, já que um mês depois a roda que estava solta quase caiu com meu amigo andando.

A primeira bike que comprei, por 30 dólares, incluía capacete e uma corrente amarela que servia de decoração, já que não tinha chave e não dava pra abrir. Mesmo depois de trocar a borrachinha de lado, o freio não funcionava e tinha alguma coisa de errada com a correia, já que ela fazia altos barulhos quando pedalava. Apesar de tudo, ela me foi muito útil - durante quase um mês.

Logo que peguei a bike, quase morri de cansaço. Estava voltando pra faculdade pedalando com a amiga alemã, que encontrei na volta da casa da moça, mas o sol, o peso da mochila, o tênis e a bermuda apertada me fizeram me jogar na grama antes de passar o portão. Naquele dia, precisei tomar algumas cervejas na faculdade e uma casquinha do Mac no meio do caminho pra conseguir chegar em casa, já de noite.

No final de duas semanas, em vez de simplesmente de diminuir o tempo em que eu gastava pra chegar nos lugares, eu aumentei meu raio de atuação, e desde então conseguia andar por Townsville inteira mesmo com as restrições de ônibus. Em resumo: voltei a abraçar o mundo.

No último dia em que vi a bike prateada, fui até o shopping perto da faculdade, deixei-a acorrentada e voltei pra casa. O casal de brasileiros foi me pegar, fomos prum churrasco num bairro afastado. A idéia era sair de lá às 3h, pegar uma carona até a cidade, de lá pegar um ônibus até o tal shopping e ir de bike até o estádio de rugby, mega longe de tudo, onde ia trabalhar.

Mas aquele dia era feriado na Austrália, o chamado Anzac Day, em homenagem aos mortos em guerra, o que significa que os únicos ônibus pro estádio seriam fretados e em horário especial, muito mais tarde do que eu precisava. O plano complexo que arranjei era a minha melhor e talvez única opção. Mas, por sorte, ou azar, ganhei uma carona até perto do estádio. No fim do jogo, peguei outra carona direto pra cidade e só fui pegar minha bike no dia seguinte. A senhora com quem vivia me levou até o shopping com medo de que a bichinha não estivesse lá. Eu desci do carro, disse que estava tudo bem, ela foi embora pra em seguida eu perceber que a bicicleta parecia maior do que eu lembrava, o capacete era de outra cor e o cadeado era diferente. É, não era a minha bike, só a cor era igual, e eu acabei voltando de ônibus.

(Em Townsville, os únicos roubos que acontecem são de bicicleta. Em Perth ainda se roubava GPS, mas parece que aqui nem isso. Segundo o professor australino de um amigo, quem rouba é ou pra comprar droga ou porque não tá a fim de andar e resolve pegar a primeira bike que vê pela frente, que vai ser largada alguns quilômetros adiante. O meu cadeado, de numerozinho, é um dos mais fáceis de arrombar, mas como tenho certeza que se tivesse chave ia perder, fazer o quê?)

No começo, achei que o roubo da bike era coisa de inferno astral. Com tanta bike boa, nunca que achava que alguém ia querer a minha, mas em feriado em Townsville, talvez ela fosse a única disponível. Isso aliás, serve de esperança pra muita gente desiludida, achando que nunca vai encontrar o homem dos sonhos, o emprego perfeito... dependendo da situação, o inesperado, sim, acontece.

Já eu fiquei a pé de novo e só de despeito, como bem disse minha tia, mal perdi uma, comprei outra. Essa, bem boa, verde e roxa, com o freio funcionando perfeitamente, mas se duvidar ainda menor que a antiga. Só que como eu fui andando até a casa da mulher, a 7km da faculdade, nem cogitei desistir e voltar andando ou de ônibus.

Tava quase acostumando com o tamanho dela, quando o pneu estourou enquanto ia comprar um bolo - no episódio épico do meu aniversário, onde tudo parece que resolveu dar errado. Voltei do mercado na bike de um amigo e ele com a minha nas costas.

No dia seguinte, peguei a bike do brasileiro casado só pra ir pra faculdade, mas ela tava tão ruim que a correia quebrou, a roda girava em falso, tipo bicicleta ergométrica (o que me fez demorar duas horas pra fazer um percurso de 40 minutos), e o pedal caiu. Tudo no mesmo dia.

Outro detalhe é que os freios aqui são ao contrário do que no Brasil. O direito é o da frente e o esquerdo o de trás. Não que eu soubesse dessa diferença até vir pra cá, mas o tombo da minha roommate acabou me ensinando. Depois de eu tentar remendar o pneu com kit de borracheiro e tudo - mas acabar comprando outra câmara porque o furo era maior do que patch kit suportava - foi a vez dessa minha amiga levar um susto com a bike.

Ela, usando minha possante, viu um carro e freou. Na sua ex-bike, que foi roubada (mas sem estar acorrentada) na porta de casa, o freio não funcionava. Então ela apertou ao máximo - o da direita, já que segurava o celular na esquerda. A bike parou, mas foi tão rápido que a roda de trás levantou, bicicleta e ciclista viraram de ponta-cabeça. Graças ao capacete, que aqui é realmente obrigatório, nada de mais sério aconteceu no rosto. Já joelhos e mãos, principalmente, ficaram bem ruins. No dia seguinte, ao ver o câmbio destruído, banco entortado e luzinha quebrada só ficava com mais pena do que aconteceu.

Já eu, devo dizer que até semana passada, por mais incrível que pareça, ainda estava ilesa! Mas eis que depois de um ano sem me machucar, foram três vezes na mesma semana - o que é bom, já que significa que minha perna tá tão boa que já voltei a fazer as mesmas asneiras de sempre.

Da primeira vez que me machuquei, saí correndo de casa pra ir pra prova. Esqueci de colocar o shorts debaixo da saia mas tava atrasada demais pra voltar. Quando cheguei, a tempo, tinha muita gente no estacionamento de bicicletas. Deitei a bicicleta pra tentar levantar a perna o menos possível. Não deu certo, desequilibrei, caíram a bike e eu, por cima dela, no chão. Ralei o joelho, estanquei o sangue com papel higiênico e fiz a prova. Se o povo viu o tombo? Não tenho a menor idéia. Mas como o machucado foi pequenininho, fiz um upgrade nele no domingo, quando, durante uma partida inétida de vôlei de praia (é, aqui tá quente) ralei o mesmo lugar de novo - o bom de areia é que estanca o sangue rápido.

Por fim, há dois dias, quando falava no celular, andava de bicicleta e descia uma ponte em declibe e curva, tudo ao mesmo tempo, caí de novo. Tinha tentado frear com o esquerdo e não deu. Acabei freando com a direita como última chance de não me estourar na parede. Na hora em que a roda de trás levantava eu só pensei "ah, de novo não". Joguei a bike e caí no chão. Dessa vez, machuquei bonito o joelho (o mesmo, lógico) e fiz um calombo roxo enorme na perna. Levantei, passou a dor, cheguei onde precisava, voltei pra casa. Pedalando, lógico.

Tuesday, June 16, 2009

Asas pra quem não tem cabeça

Na mesma semana em que comecei a tomar os tais Vs (post abaixo), uma mulher morreu por overdose de Redbull.

Tá, eu tô simplificando, não foi bem assim. Mas uma garota de 28 anos, não sei se australiana ou não, porque só ouvi a notícia e os debates no rádio, morreu depois se alimentar durante oito meses só de RedBull e Honey Puffs, uma marca de cereal pra criança.

A mulher, que sofria de obesidade, descobriu que RedBull tirava apetite. Graças à essa dieta maluca de cerca de 14 latinhas por dia (!) ela perdeu 60 quilos (!) nesses oito meses, mas acabou morrendo de ataque cardíaco. Coitada, não vou nem julgar porque isso é doença, mas o mais engraçado é que ninguém percebeu o que ela tava fazendo até ela ter sido levada pro hospital a primeira vez.

O perigo não era novo. Pela minha caixa de mensagens já tinham passado alguns e-mails sobre "o verdadeiro drink do inferno", a respeito dos malefícios de RedBull e cia, mas eu não me incomodava porque não tomava. Em Perth, mesmo detestando o gosto, bebia por motivos práticos. Quando trabalhava na balada, meu chefe me oferecia 5 minutos de intervalo pra tomar um RedBull. Nesse tempo exato de tomar a latinha eu podia ficar do lado de fora, respirar e descansar um pouco os ouvidos. Se não quisesse beber, não tinha desculpa pra sair. Como depois disso eu ainda trabalhava mais umas quatro horas e voltava a pé pa casa antes de dormir, só fui perceber o efeito do negócio quando realmente precisei das tais asas prometidas pelo comercial.

Daí, como alternativa à taurine e por influência dos meus roommates - uma de SC e outro que adora café - virei fã de chimarrão e até passei a colocar uma colher de sopa de café no meu copo de leite com Nesquick. O meu corpo que estava acostumado só com chocolate respondeu na mesma hora, o que me fez pensar em concordar com nossa querida eterna-loira-quase-Jones, que me comparava ao tal esquilinho de "Os Sem Floresta". Segundo o raciocínio dela, tanto eu quanto o esquilo não podíamos tomar café nem energético por que éramos agitados naturalmente. Até então eu rejeitava enfaticamente a teoria porque, além de nunca ter sentido nada com energético, conforme fui descobrir depois, o esquilinho é muito, mas muito idiota.

Mas eis que naquele último dia, antes da prova, possivelmente sem precisar, eu voltei ao energético. Estudei tudo o que precisava e quatro horas depois resolvi dormir. O problema e que só eu resolvi. A minha cabeça, não. Fiquei na cama, tentando relaxar por mais de meia-hora, o que parece pouco, mas consumiu 1/8 do meu sono daquela noite.

No fim, pode-se dizer que aprendi uma lição: passarinho voa e esquilo engorda. De nada adianta dar nozes a quem não tem dentes ou asas pra quem não tem cabeça.

Quanto a mim, melhor voltar ao chocolate.

Pior que vilão em filme de terror

Nunca achei que fazer a tal da pós seria fácil, ainda mais uma voltada pra Ciências e em inglês. Antes de vir pra Austrália o moço da primeira agência já tinha me dito que possivelmente nem conseguiria trabalhar, mas se eu trabalhava e estudava no Brasil, aqui não seria desculpa.

Na verdade, acho que normalmente nem é mesmo tão difícil. O problema é que eu aparentemente tive o dom de escolher justo as matérias com mais trabalhos em tooooda a faculdade. Nenhum dos meus amigos teve tanto. Em seis meses, foram 16 assignments, apresentações e essays, cada um com não menos do que 2500 palavras, o que dá umas 8, 9 páginas em letra 12 mais as malditas referências, que até hoje eu não sei fazer - "é fácil ser jornalista né? Você só rouba a idéia e não dá crédito pra ninguém", alfinetou um dos professores.

Já sobre a quantidade, diferença está possivelmente no tamanho da turma. As minhas aulas não tinham mais do que 50 alunos. Algumas disciplinas, em especial as de 1º ano, têm bem mais de cem. Por isso, o tempo que esses professores e assistentes demoram pra corrigir um trabalho, os meus corrigem 2, 3 ou mesmo 4. Mas foi tanto trabalho que em uma das matérias o professor esqueceu da última parte e deu a nota sem pegar o relatório da apresentação, que aparentemente foi feito à toa.

Por tudo isso, desde o meu aniversário, quando os dead-lines começaram a acumular, eu estava numa loucura sem tamanho. Pra completar, tinha arranjado um trabalho, numa balada, das 8h da noite às 3h, 4h, 5h da manhã de 3a, 5a e sábado. Na semana do dia 25 de maio, quando mudei de casa pra morar com dois amigos brasileiros, mal experimentei minha nova cama. Meus companheiros de madrugada eram o computador e alguns V, uma marca de RedBull que mistura a tal da Taurine, base do energético, com guaraná - o negócio é tão empolgado que eles colocaram um "Uhuuuuu" em vermelho ao lado do Guaraná, na tabela de nutrientes.

Se é pelo guaraná ou não, eu não sei, mas o negócio bem que funciona. Quatro latinhas, uma semana e só 20 horas de sono depois, terminei meus trabalhos. Em compensação, até chegar nesse ponto, meu cabelo caía mais do que o normal, meu olho estava fundo, sem brilho e eu quase não me reconhecia no espelho. Por mais que tentasse ficar acordada, dormia no meio da aula, o que me deixava morrendo de vergonha. Quando tudo foi entregue, me dei uma semana de descanso e começaram as provas. As minhas, por sorte (sem ironia dessa vez, já que não via agora de terminar tudo de uma vez), foram uma em seguida da outra. Na véspera do último exame, contrariando minha decisão de não tomar mais energético, voltei ao V.

O motivo pra ter apelado foi simples: um dia antes recebi um e-mail do professor dessa matéria dizendo que precisava vê-lo pra discutir meu trabalho entregue na semana anterior. A primeira pergunta, sobre qual era o meu background, já mostrou que as coisas não iam muito bem. Ao ouvir que era jornalismo, quase deu pra ver a luz iluminando a cabeça do meu querido pesquisador de savanas (já que apesar do esteriótipo ele detesta florestas tropicais).

"Tá tão ruim assim?" "É, não está muito bom, não."

Já que ia ter que refazer todo o trabalho, era melhor ir muito bem na prova. Cheguei em casa desiludida. Há meses contava os dias pra acabar tudo e se já não bastasse a DP do semestre anterior agora ainda tinha esse mega trabalho pra refazer inteiro. O nick, no msn, foi esse de "pior do que vilão em filme de terror", em relação aos estudos, que por mais que você ache que terminaram, eles sempre acabam voltando; até acabar de vez com ele e descobrir a identidade do assassino demoooora e eu já não aguentava mais.

Já meu adorável roommate, que desde que a gente mudou me chama carinhosamente de "a decoração da sala" devido à minha presença constante estudando no sofá, achou outra interpretação pro mesmo nick. Aos risos, me dizia que eu era o vilão do filme de terror, porque no final o vilão só se fode.

E eu, irremediável rugbeer, mesmo sem querer acabo dando apoio à teoria e depois de um ano sem machucar, sangrei meu joelho três vezes em uma semana (duas caindo de bike por motivos idiotas e outra, já com ele zuado, me jogando na areia durante o vôlei de praia). Realmente, vilão só se fode, mas pelo menos não só estuda.

Thursday, April 09, 2009

Vida de estudante

Por que o peru entrou na sala de aula?
Porque a porta estava aberta
(E porque tem muitos perus na faculdade)

James Cook University não é uma das maiores faculdades do mundo. A USP, por exemplo, deve ser umas dez vezes maior. Mesmo assim, ela é importante, reconhecida internacionalmente como uma das melhores em biologia marinha e conservação ambiental.

Apesar disso, confesso que ela não era minha primeira escolha. Antes de decidir me mudar pra Townville, preenchi e paguei application forms in outras duas universidades: Griffith e University of Queensland - ambas também muito boas e baseadas em Brisbane. O problema é que é normal das instituições demorarem muito pra dar resposta e eu tinha prazo pra resolver meu visto. Então, quinze dias antes dele expirar, procurei uma última opção antes de desistir e voltar pro Brasil. Achei a JCU, em Townsville, cidade pequena, com 160 mil habitantes, e a mais de 1500 km da capital. Mesmo assim, era em Queensland, o estado mais bem conceituado em ambientalismo. Resposta foi rápida, aqui estou.

Bicho grilo assumida, sempre tive na Cidade Universitária, em São Paulo, o meu ideal de faculdade. Tudo o que eu queria era ter aquelas arvorezinhas pra ficar encostada, tomando sol, entre uma aula e outra. Por melhor que seja em jornalismo, a Cásper, naquele bloco de concreto antíquissimo no meio da movimentada, barulhenta e sensacional Av. Paulista, deixou esse vazio, agora preenchido.

Logo no primeiro dia de JCU, fiquei fascinada. Um monte de área verde e passarinhos pra tudo quanto é lado. Na primeira aula, de Gestão de Recursos Terrestriais, pensava na diferenças entre uma faculdade e outra - coincidentemente, foi nesse exato momento que o tal peru entrou na sala.

Por mais que a maioria dos jornalistas se vista informalmente, durante os quatro anos, só uma vez tinha visto um professor entrar na sala usando camisa estilo havaino, bermudas e papetes. Aqui, todos os meus professores, sem exceção, se vestem desse jeito. Nos mais velhos, a barba e o cabelo branco completam o estilo de pesquisador de Mata Atlântica. Outro deles, mais novo, simplesmente desistiu do sapato e freqüentemente dá aulas descalço. Tudo bem natural.

Nos trabalhos, a história é ainda mais interessante. Numa das viagens de campo, a diversão foi passar três dias acampados em um parque nacional, medindo circunferência de troncos, distância entre árvores e cortando grama com faca - nem sempre afiada. O objetivo? Descobrir quanto de carbono está estocado naquela área - programa de índio, mas muito chique né?

Como era de se esperar, os alunos também são diferentes (de Perth e de São Paulo). Aproveitando o fato de que TSV é muito quente, é difícil encontrar alguém usando calça comprida. Todos estão sempre de shorts ou bermudas. Vestidos e saia tem até menina que usa, mas também não é tão comum quanto era em Perth, já que o pessoal daqui é mais despojado do que o da Western Australia.

Além disso, como nunca vai estar muito frio pra sair na rua, bicicleta é um dos meios de transporte mais comuns. Mesmo quem tem carro usa bike freqüentemente, mas essa parte da história vai ficar pra depois.

Wednesday, April 01, 2009

Quando o peixe foge da água

Não tinha mistério nenhum. Depois de preencher a ficha, a moça só pediu pra voltar e fazer duas horas de teste. E de todos os trocentos bares que já trabalhei aquele era de longe o mais simples. Pra exemplificar, dizia que era como um daqueles botecos do Brasil (coisa que há muito tempo aqui não via), mas hoje achei uma comparação ainda melhor. O nome do lugar terminava como centro social esportivo e recreativo. Um grêmio, bem daqueles que meu pai adora nas cidades vizinhas a São Paulo. O público, por sinal, lembra um pouco aqueles velhos senhores, de jeito simples, sotaque forte e aparência descuidada. Fidelidade e presença diária são recompensadas pelos atendentes, que conhecem todos pelo nome e nem esperam o pedido pra pegar o copo do tamanho preferido e a bebida de sempre.

Assim que entrei, mais da metade dos 20 homens que ocupavam o bar parou pra olhar, mas isso eu já esperava. Não deve ser comum mulher desacompanhda entrar ali. O que eu não esperava é que fosse ver de novo aquele estilo de garçonete. Loira, cabelo comprido até a cintura, nada na parte de cima e só uma pequena tanga na parte de baixo. Mas, dessa vez, não era um aniversário em festa fechada, era num bar, e ela não servia bebida, vendia rifas. Pra quê? Pra carne! O sortudo que fosse sorteado levava pra casa uma bandeja com vários e diferenciados pedaços de carne! Mais ogro, só se eles comessem ali, cru, na hora.

Cheguei e fiquei meio sem graça. O ambiente era ruim, mas ninguém nunca morreu por trabalhar em lugar esquisito, então comecei a fazer o que sei de melhor (pelo menos aqui na Austrália): servir bebidas. Depois da primeira cerveja, já me senti mais em casa. No segundo pedido, entendi o cara queria, abaixei, peguei o copo, fui até a caixa de isopor (!!!) onde eles deixavam o gelo, coloquei no copo, servi a dose de rum e peguei a latinha de coca, já que nem refrigerante de máquina pra misturar com destilado eles tinham. Quando me viro, vejo uma bolinha de papel passando entre o meu quadril e a lata de lixo. Em seguida, o gerente, que nem tinha se apresentado, vem na minha direção e fala sério "fecha o teu zíper, que está aberto!"

O zíper que fica na parte de trás da minha saia estava quebrado e inteiro aberto, deixando à mostra um pedação da minha calcinha. Pra piorar, o balcão ficava no meio do bar, num ambiente mais ou menos parecido com o bar de "O Cheiro do ralo" (a semelhança também está no fato de que, assim como acontecia com a personagem do filme, chamada simplesmente de "a bunda", muitos clientes não entendiam de jeito nenhum meu nome, por mais que eu forçasse o sotaque). Naquele momento fiquei com medo de que a tal bolinha de papel não estivesse direcionada para a lata de lixo. Menos mal que não entrou, nem na lata, nem na saia.

Por mais que eu tentasse, não conseguia fechar. Depois de cinco minutos checando a cada vez que abaixava e tentando cobrir o rombo com a blusa que graça aos céus era semi-comprida, fui até o banheiro e consegui dar um jeito com um elástico de dinheiro que achei dentro do caixa.

Por mais constrangedor que fosse, não vou dizer que não combinava. O bar já tinha os clientes esquisitos, uma mesa pra apostas em corrida de cavalo, o balcão mais grudento que vi na minha vida, uma atendente feia, uma mulher de peitos de fora vendendo rifas, poças d'água dentro do freezer, um isopor pra guardar gelo, garrafas de suco e leite reutilizadas guardando a água que seria dada aos clientes e dois cachorros dormindo na porta. A outra atendente com a saia aberta era a única coisa que faltava naquela cena.

Ficou faltando. Mesmo assim, fui contratada. Por uma semana, até que fiquei amiga dos clientes e briguei com o dono. Daí, não mais.

A ameaça vem do ar (e pelo mar)

Amanheeece na cidaaaade de Toooownsville...

O sol apareceu nesse pedacinho do assim chamado Sunshine State, trazendo mais um dia de calor absurdo. Às 8h da manhã já fazia mais de 20 graus, os passarinhos cantavam e havia em média de uma lagartixa por metro quadrado, como acontece sempre.

Entretanto, nem tudo era estava tão calmo quanto parecia. A notícia divulgada na noite anterior de que Queensland estava na rota de um recém-detectado ciclone tropical deixou a população um pouco apreensiva.

Ciclones e furacões são fenômenos atmosféricos causados pela diferença de pressão em alto mar - num esquema e com algumas diferenças que eu tentei entender mais ou menos pra explicar aqui, mas não deu muito certo. Na prática, ambos são compostos por ventos circulares e chuvas muito fortes. Um ciclone tropical categoria 5 (a mais alta delas) pode ter ventos com velocidade acima de 249 km/h. O menor dos ciclones, de categoria 1, tem ventos de 118 a 152 km/h.

No Brasil, de vez em quando acontece uma tragédia ou outra, tipo as tempestades no sul, os alagamentos em São Paulo e em outras grandes cidades, mas nada assim. Foi por isso que eu arregalei o olho e comecei a dar risada de nervoso quando o moço da faculdade me falava, na maior naturalidade, que logo iam começar as novas temporadas de bush fires (os incêndios florestais, que há cerca de um mês mataram mais de 150 pessoas no sul do país) e de ciclones.

Os bush fires eu não sei, mesmo porque ainda não chegou a hora, mas duas semanas depois do moço ter me falado dos ciclones o primeiro apareceu. Por sorte, nessa época já tinha arranjado um lugar pra ficar e não estava mais em albergue. Daí fiquei mais tranqüila, já que a dona da minha casa, agora com 71 anos, já estava mais do que acostumada, depois de passar por muitos e muitos ciclones nessa vida.

Ela, assim como ele, na maior tranqüilidade do mundo, veio me explicar que os ciclones acontecem direto. Por sorte, já faz algumas décadas que Townsville não era atingida seriamente. "O que acontece são chuvas fortes, ventos, nada demais. Quer dizer, de vez em quando você vê umas telhas, umas árvores voando, sim, mas isso é porque com as chuvas a terra fica enxarcada, deixa as raízes expostas e daí fica mais fácil do vento arrancar as árvores do chão". Enquanto ela explicava eu só me imaginava andando na rua nesse mesmo momento. Com chuva ou sem chuva, se o vento era capaz de arrancar uma árvore do chão, as chances de eu sair voando feito Mary Popins sem guarda-chuva (já que os guarda-chuvas comprados em supermercado quebram em cinco minutos) eram muito grandes. Mas ela continuou e explicou que para evitar esse problema, os moradores quando vêem uma árvore já meio morta ligam pra prefeitura que faz a retirada, evitando que ela seja levada com o vento. Antes de ciclones, eles também revisam telhados e tiram as telhas velhas antes que a Natureza o faça, daquele jeito bem de mãe mesmo, que faz, a contragosto e reclama (ou cobra as conseqüências) depois.

O mocinho da faculdade também tinha me aconselhado a "seguir os locais". Enquanto o povo daqui não estivesse preocupado, eu não tinha porque me preocupar. Mesmo assim, o noticiário continuava alertando e pedindo pras pessoas começarem ou manterem os preparativos pré-ciclone. O problema é que "quais eram essas medidas" nunca estava na mesma reportagem, o que ratifica a minha versão de que, depois do tal incêndio em Victoria, quando as autoridades foram acusadas de demorar demais em dar o aviso, todo mundo entrou na onda do prevenir é melhor do que remediar e mesmo sem acreditar que o tal ciclone Hamish fosse atingir o litoral da cidade eles preferiram dizer que mandaram a população tomar providências. Mas não adiantou muito. A dona daqui foi uma das que perdeu a fé em ciclones. Por anos ela se preparou para cada um deles e nada acontecia, o que fez com que nesse ela ficasse bem displicente.

Enquanto eu tentava levar minha vida normal (já que a dona da minha casa garantiu que ninguém ia me deixar na rua sozinha em meio a um ciclone), o tal do Hamish, que começou com categoria 1, passou pra 2, 3, 4 e chegou a 5! Mas ele estava longe, indo pro sul e sempre na mesma distância da costa.

No sábado à noite, vi umas velas e um isqueiro no meu quarto. Só precaução, caso o ciclone resolvesse mudar de rota e a gente ficasse sem energia. Eu estava pronta, de micro vestido e maquiada, mas até pensei em desistir de sair. Isso até ouvir o conselho de minha experiente sharemate, segundo a qual se isso realmente acontecesse eles iriam fechar o bar e eu iria me divertir muito mais com todo mundo lá dentro do que sozinha em casa, o que fez sentido.

Mal sabíamos nós que naquela hora ele há tinha passado. Depois da garoa e dos ventos dos últimos dois dias, domingo amanheceu belo novamente. Segundo a senhora daqui de casa, Townsville é protegida por morros, o que segundo meu amigo oceonógrafo não faz sentido, já que o ciclone vem do mar. Por isso, vamos deixar as teorias de lado.

O importante é que no final, com ou sem a ajuda das meninas suuuper poderoosas, a paz voltou à cidaaaade de Towwwwnsssville. Mas, assim como acontece sempre em desenhos animados, nem todo mundo ficou 100% feliz com o final dessa história. "Um ciclone enorme passando aqui do lado, ventos de mais de 200km/h e o máximo que a gente tem essa chuvinha. Me senti deixada de fora", reclamou, dando risada, a senhora do quarto ao lado.

Saturday, March 28, 2009

O quarto e o dormitório

Não lembro ao certo quando isso começou, mas depois de um tempo começou a ficar mais constante e eu há muito perdi as contas de quantas vezes minha mãe me perguntou "você acha que essa casa é um albergue, né?". Bom, eu já não achava. Agora, com conhecimento de causa, posso dizer, a casa dos meus pais não é um albergue!

Por sorte, alguns meses antes de sair de Perth, conheci um mochileiro, irlandês. Daí, depois de quase ter caído sem querer na casa de um monte de indianos (já que Joyndintra, pra mim tava mais pra nome de mulher africana), decidi parar de procurar meu novo sharemate pela internet, ficar uma semana em um albergue e só quando chegasse em Townsville procurar um lugar pra ficar. Pra isso, pedi algumas dicas pro tal amigo.

A parte boa é que a maior parte dos hostels australianos tem website, o que deixou tudo mais fácil; eu procurei os de Townsville, fiquei entre dois. Um com dormitório feminino e outro com quarto individual. Assim como Ariel, eu também fui uma boa menina e fiquei com um quarto só pra mim - mas tive que pagar por isso.

A princípio devia ficar lá só uma semana, mas por mais que procurasse não achei nada que valesse a pena a troca. As casas daqui são no estilo queenslander, em homenagem ao nome do estado Queensland. Isso significa que elas ficam todas a cerca de um metro e meio de altura, sustentadas por umas vigas de madeira. Nesse espaço vazio entre o piso e a terra às vezes tem um varal, oficina, às vezes é espaço vazio mesmo, mas serve pra casa, elevada, aproveitar melhor a brisa e não pegar o calor do solo, já que aqui é muito quente. As casas são de madeira, o que seria bonitinho se fossem bem cuidadas. Porém, nessa minha semana vi uma caindo aos pedaços mais do que a outra, tábuas sem pintura, árvores com teias de aranha. Preocupação com arquitetura, só nos bairros mais novos e distantes. Em muitas ruas não existe calçada, só grama alta, por causa da preocupação ecológica ou por desleixo mesmo. Além disso, há o problema em achar república, ainda mais no começo do ano. A maior parte dos anúncios era pra morar em casa de família. Daí entra a questão das pessoas de Townsville que, apesar de muito simpáticas, nem sempre são daquele tipo que você vê todo dia.

Um exemplo foi um homem de uns 40, 50 anos, bem capeãozão, que me recebeu descalço, de pé bem sujo. A casa, enorme, no alto de um morro, era a mais descuidada de todas e possivelmente ia cair antes mesmo que a de palha, ao primeiro sopro do lobo mau. O cara era simpático, inteligente, mas parecia muito ter saído de um dos livros de Monteiro Lobato. Em outra, essa realmente bem cuidada, cheia de estampa de florzinhas, como casa de vovó, os donos eram a la filme de terror: a mulher, mais velha, toda magrinha, cansada, metódica, ruiva meio desbotada, com a aliança do marido morto pendurada no pescoço, falava baixinho e devagar; o marido (o novo), um velhinho meio curvado, careca, barrigão e com cara de psico, daqueles que olha meio com o olho virado quando fala contigo (a piscina, porém, era maravilhosa, mas só pensei "de que adianta essa piscina se nunca vou ter coragem de entrar com esse homem aqui?").

Em uma das várias casas que fui até a porta mas desencanei de ver, o cara tinha patos como animais de estimação, o que nem seria problema, se a casa não ornasse tanto com o estilo família buscapé. No fim, depois de ter passado por uma espécie de asilo, sete quartos, um de frente pro outro, e muitas senhoras de idade pra usar o mesmo banheiro (uma delas tinha o cabelo roxo e uma considerável barba feita de uns 30 pelinhos brancos, todos com cerca de um centímetro de comprimetro), quase aluguei um quarto numa casa ruim, só porque simpatizei com a dona - carência é foda, como diz minha amiga carioca, e eu estava carente de pessoas ditas normais.

O lado bom de se morar num albergue é que se conhece um monte de gente, mas isso se você mora em dormitório. Como eu estava morando num quarto sozinha, acabei conhecendo um ou outro, só. A maioria, australiano, mas também tem bastante de fora. Graças ao convênio que a Austrália tem com alguns países, muitos europeus (da Irlanda em especial) vêm pra cá trabalhar e viajar. É o work & holliday visa, que serve por um ano e pode ser renovado por mais um desde que se passe três ou quatro meses trabalhando nas fazendas, onde o país precisa de empregados. Graças a essa necessidade de mão de obra, os chamados backpackers (mochileiros) passam um mês num lugar, dois meses em outro, trabalhando em construções, hotéis, restaurantes e morando por um bom tempo nos tais hostels ou backpackers (nesse caso, albergues).

O meu backpacker, por sinal, era uma graça. Dois andares de apartamentos, todos com varandinha. Nos dois andares, dois banheiros enormes, um masculino e um feminino, e uma lavanderia, que funcionava por moeda. No térreo, cozinha e salão de jogos. Os quartos tinham uma cama, uma mesinha, um refrigerador, às vezes um armário. No último andar tinha até uma piscina. Porém, como a piscna ficava de frente para um prédio em construção, cuja grande parte dos pedreiros morava no próprio hostel, eu acabei me decidindo pela praia.

Outra coisa boa de se morar lá é que você paga a semana. Não tem depósito (o tal do bond), não tem gasto com conta de luz ou água. Também não tem que comprar pratos, talheres ou panelas. Pode pegar tudo emprestado do próprio lugar, por mais nojento que isso às vezes seja. A comodidade é tanta que o quarto vira a casa das pessoas, ainda mas se você veio com amigos. Nas janelas têm bandeiras e placas gruadas, os quartos têm TVs, rádios e a geladeira lotada de cerveja (na sua maioria XXXX - se pronuncia 'four éx' -, a marca aqui de Queensland, bem ruizinha por sinal).

Com o tempo, a gente se acostuma. O meu quarto da segunda semana tinha armário e um colchão decente, o que me fez pensar em ficar lá de vez. O único problema é que, por ser a priori uma estadia de curta temporada e grande rotatividade, o preço por um dormitório individual sai mais caro do que o aluguel de um quarto em casa de família. Pensando nisso, continuei a busca por mais uma semana até que achei o que procurava. Menos de um mês depois da mudança, já me senti em casa e voltei à rotina de por vezes acordar, sair, passar o dia e a noite na rua - chegar em casa só pra dormir. A definição parece a de um albergue, mas não é.

A mobília, a estrutura, pode até ser a mesma. Um quarto, uma cama, um armário, uma mesa. Televisão, criados-mudos e sofá vieram de brinde, que nem precisava tanto. Já a liberdade de poder ficar com a porta do quarto aberta e usar as áreas comuns (vulgo sala, cozinha e banheiro) sem ter que se preocupar com o tamanho do shorts ou da camisola que está vestindo e a confiança de ter alguém com quem se pode contar não são.

Esses poucos, mas importantes elementos é que fazem a diferença entre uma cela e um quarto; um albergue e uma casa.