Monday, July 06, 2009

Os outros

Dois grupos de brasileiros se encontram no Strand, a espécie de calçadão de Townsville. O assunto era homestay. Eles ainda naquela fase de "pra onde e com quem você vai sair? que horas você volta?". A gente, morando sozinhos. Casa com cerveja na geladeira, cada um com seu quarto, suas coisas, ninguém pra ter que dar satisfacao exceto nós mesmos.

De repente, alguém pergunta se todos morávamos juntos. Não, meu amigo disse. Eu moro com elas duas; ele e ela são casados, moram em outra casa. Uma discreta arregalada de olhos por parte dos nossos novos conhecidos. Por mais que até então a gente pudesse parecer uma idade parecida, a simples palavra casamento deu o indício que nem tudo era tão igual.

Os problemas e dramas de quem vem pra fora do país fazer curso de inglês, faculdade ou pós já foram mais do que relatados. É procura por emprego, casa, dificuldade nos cursos, que têm que justificar o investimento. Acontece que tem um outro tipo de gente que até então não tinha sido citado, mesmo porque até então não tinha conhecido. É esse povinho que larga a escola no meio e vem passar seis meses ou um ano fora, estudando em escola normal, tendo que usar uniforme e seguindo estritamente as regras de uma nova família.

Assim como "Os Outros" de Lost, esse pessoal levava a vida deles paralela à nossa em Townsville; cerca de 10 brasileiros que ninguém do nosso grupo conhecia, até que um deles foi com o cartão do pai até o Fish and Chips em que minha amiga trabalha.

Eles são o tal povo da high school. Alguns tem 10 anos a menos do que eu, 12 a menos do que o casal, mas de vez em quando até dá pra esquecer isso.

O lado bom de ter 16 anos é que não se tem aquela preocupação absurda com dinheiro, já que ainda se é 100% dependentes dos pais. Em compensação, também não têm essa de escolher casa, morar com amigos, fazer o próprio horário. Quem define a sua casa é a escola, dentre as várias famílias que se candidatam pra receber estudantes.

Antes de ser aceita no sistema de homestay, minha espécie de host sister em Perth recebeu em casa uns funcionários da agência responsável pra ver se ela realmente tinha condições de hospedar um estudante. Depois de feita a análise, eles tentam encaixar o perfil do aluno com o do dono do lugar: como na minha carta de apresentação eu disse que não queria um lugar que me prendesse, a única satisfação que tinha que dar era se ia ou não comer em casa pra ela não fazer comida a mais, o que em 90% do tempo significava macarrão, por vez miojo, ou arroz com legumes e salsicha.

Mas ok, ela recebia alunos da faculdade. Com a galera mais nova a responsabilidade é maior e, dependendo da escola, o esquema pode ser sufocante. Um exemplo são as viagens: não importa que os pais no Brasil tenham autorizado, pra passar a noite fora é preciso estar acompanhado por algum maior de 25 anos que viaje junto e se responsabilize pelo estudante, o que, pra nossa recém-conhecida, parecia quase impossível de acontecer.

"Não... OLHA SÓ PRA MINHA CARA! Quando que eu, AQUI, vou conhecer alguém com mais de 25 anos?"

Tal como um monstro que fingindo ser bonzinho mostra sua verdadeira face, eu disse na maiorcalma do mundo: "acabou de conhecer! eu tenho mais de 25. vinte e seis, na verdade".

O choque foi instantâneo.

A roda toda olhou pra mim ao mesmo tempo. A metade deles com uma cara de "nossa!". A minha metade - que incluía alguns ainda mais velhos que eu - com um sorriso de 'ah, é!". Meio segundo depois, ambos os grupos caíram juntos na gargalhada.

A fusão tinha começado.

1 comment:

Mari said...

Oi, Bruninha! Adorei o texto e, apesar de já estar com 30, me identifiquei com "Os Outros". Meu intercâmbio, aos 17 anos de idade, foi assim: uma prisão. Tanto que não aguentei ficar até o final.
Parabéns pelo blog ;)
beijos
Mari Leite