Thursday, July 23, 2009

O novo emprego e os antigos tabus

Como é possível falar normalmente de uma coisa que no mínimo não é tão normal assim? Essa foi a a dificuldade que encontrei para falar do meu novo trabalho. Afinal, se Ariel, que me conhece há tanto tempo, já tinha ficado meio hororizada, o que diriam as outras pessoas?

Por isso, a cada vez que contava para alguém era uma tática diferente, para falar com jeito, sem assustar. O mais normal era dizer que trabalhava numa balada da Flinders, o Santafé/Bully's, juntando o nome da balada de cima, de strip-tease, com a de baixo, famosinha na night de Townsville.

Quem fazia isso é a própria dona dos estabelecimentos, ou pelo menos uma das donas, uma senhora de uns 60 anos, loira, peruíssima, de batom vermelho e que coincidentemente também é a responsável do Rotary pelos intercâmbios de high school na cidade.

No fim, não era mentira. Apesar de não ter trabalhado no Bully's, já tinha sido informada da possibilidade de fazer alguns shifts no andar de baixo. Mas o principal motivo é que normalmente as pessoas só prestam atenção no segundo nome. Fazem um "ah, tá" e morre o assunto. Já para os mais chegados, eu explicava que trabalhava mesmo no Santafé, o gentle's room (ou a balada de strip) em cima do Bully's, o que sempre gerava um ar espantado ou uma carinha de interesse por parte do ouvinte, por vezes mesmo depois de eu explicar que o meu trabalho era só de bartender - e vestida! pra ter certeza que não ficou nenhuma dúvida.

A própria senhora quando me ligou, me chamando para uma entrevista - não para a balada de baixo, pra que eu tinha mandado o tal 'resume' (versão aussie para currículo), mas para a de cima - me explicou que o lugar era bem frequentado, pagava para entrar, os caras não podiam tocar nas meninas e tinha um monte de segurança por perto, caso eu precisasse. Era tanta explicação que eu até desconfiei e perguntei se me trabalho seria realmente só servir bebidas. Ela riu, para em seguida dizer que, sim, eu poderia continuar vestida. Minha vez de dar risada. Se era assim, então estava ótimo. Fiz o teste na 5a, na 3a estava trabalhando. Daí, o negócio era contar pros outros.

Ao contrário do que possa parecer, contar pros meus pais não foi tão difícil. Eles sabiam que emprego estava complicado e que eu não ficaria tranquila sem ter dinheiro pra viajar. Se esse era o único ("não tem mesmo outro lugar?"), fazer o quê? A dificuldade foi falar pra senhorinha com quem morava. Quando fui contratada ela estava viajando e quando voltou eu já estava com shifts constantes.

Apesar de não lhe dever explicação alguma, eu e minha land owner mantínhamos uma relação de carinho e respeito mútuo, o que me deixava apreensiva ao pensar como daria a notícia.

Por fim, o choque maior foi o meu, já que, exceto por uma leve feição de espanto, ela encarou com a maior naturalidade e, ao ouvir a descrição do lugar, terminou o assunto dizendo que eu não sou mais uma menininha de 18 anos pra ficar assustada com essas coisas. A modernidade dessa senhora de 71 anos sempre me surpreende.

Depois disso, tudo meio que mudou. Se ela levou meu emprego uma boa, percebi que não tinha mesmo porque esconder, especialmente na Astrália. Passei a falar com naturalidade. As pessoas, por sua vez, se interessavam e faziam perguntas sobre o cotidiano do lugar. Nesse momento, a dificuldade era como não falar de forma normal sobre uma coisa que pra mim já tinha deixado de ser diferente.

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