Thursday, December 31, 2009

Pra fechar Oceania, a cultura maori

Testas grudadas e narizes encostados. Os olhos de um, quando não estão voltados para baixo, em atitude reflexiva, miram fixamente os do outro. Uma pausa. Os dois, compenetrados, respiram ao mesmo tempo. Duas vezes. Esse é o tradicional cumprimento maori.

O significado? "Vamos respirar a essência da vida juntos".

Se eu já estava apaixonada pela cultura neozelandesa, naquele momento fiquei de quatro e sem perspectiva de levantar. Não é à toa que quatro meses depois de ter voltado ainda não tinha escrito esse texto. É tanta coisa que periga do texto ficar cansativo. Mas preciso terminar isso antes do fim do ano e nada mais parecido com clima de final de ano do que a espiritualidade maori (que eles pronunciam máori).

Quando saí do Brasil, a Nova Zelândia que eu conhecia era rugby e ponto. Quer dizer, também tinha o lance de esportes radicais – tanto que foi lá que fiz meu bungy jump - e de ser um país muito frio, mas era isso. Porém, conforme fui conhecendo mais gente, percebi que esse povo que se auto-intitula kiwis (em homenagem ao pássaro nacional, que também dá nome à fruta) são muito mais fascinantes do que eu jamais poderia imaginar.

Neozelandês é simpático, cordial, expansivo, adooora uma festa e adora beber, então não é muito difícil entender porque todo mundo gosta deles - deles e dos irlandeses, um bando de bêbados extremamente festivos, barulhentos e engraçados, bem ao estilo leprechau.

Meu primeiro contato com um kiwi foi com um terceira linha de um time local de rugby union (coisa rara na Western Australia, que ama Australian Football e o Rugby League). Grande, simpático e com um sotaque que me fazia perguntar “sorry” a cada duas frases, o rolinho não suportou os problemas de comunicação (aliás, aqui vai uma dica: sempre que falar com um neozelandês e não entender, troque o som de i pelo de e; depois que você aprender que esquerda é lift, pão é bríd e cama é bid tudo fica mais fácil), mas foi suficiente pra deixar uma boa impressão, confirmada com a minha tal fada madrinha e com uma amiga que conheci em Melbourne. Sem pestanejar, ela me passou o contato do namorado que morava em Welington e que, junto com seus amigos, foi o melhor guia turístico que alguém poderia desejar, pelo menos na capital neozelandesa, grande, desenvolvida e com uma vida noturna invejável.

Segundo todos com quem conversei, Welington é a melhor cidade da ilha norte para se conhecer. A 12 horas de ônibus dali, fica Auckland, a maior delas, mas essa não tem absolutamente nada de especial. É uma cidade grande como São Paulo. Com exceção da já citada capital e da histórica Rotorua, o melhor está no sul, onde a própria história é interessante.

Diz a lenda que os dois irmãos criadores do povo maori estavam pescando. Por algum motivo eles começaram a brigar e o negócio foi tão feio que tirou sangue do nariz do mais novo. Esse usou o sangue que escorria e limpou no anzol. Com uma isca tão diferente, o que ele pescou não foi um peixe qualquer, mas a própria ilha sul, onde estão todas aquelas paisagens maravilhosas promovidas em filmes e comerciais de TV, tais como a capital mundial dos esportes radicais Queenstown, o santuário de pingüins de olho amarelo e albatrozes Dunedin e a encantadora Christchurch.

Ao contrário da Austrália, que suprimiu seu povo nativo e os mantêm como marginais, na Nova Zelândia a história está viva, presente nas ruas. Há inúmeras escolas que se preocupam em passar adiante as características maoris de artesanato e tapeçaria. Não é à toa que mesmo não havendo mais um único maori puro vivo as tradições e lendas continuem presentes no dia a dia, por vezes em forma de amuletos.

O tal anzol, esculpido em jade ou em osso, representa um talismã para uma viagem segura. Além desse, existem os símbolos de um bom recomeço, proteção contra maus espíritos, amizade, entre outros. De todos, o que eu mais gosto é o Hei Tiki, uma espécie de bichinho esquisito, sempre com a língua pra fora, que representa a primeira mulher maori. Usado no pescoço, ele mostra um respeito a seus ancestrais, mas também pode ser um símbolo de fertilidade.

Com um respeito absurdo pela natureza, para os kiwis, o dente de baleia é mais “valioso do que ouro”. Os maoris consideram as baleias como um presente de Deus e por isso não há possibilidade de alguém matá-la. Se você tem um dente de baleia, como o namorado da minha amiga tinha, é porque encontrou na praia ou porque ganhou de alguém.

Apesar de todo esse clima de respeito, os maoris são guerreiros e já foram canibais. O haka, famoso no começo dos jogos de rugby, tem inúmeras funções, mas o cantado antes da guerra era uma maneira de amedrontar os oponentes e por vezes evitar uma luta.

E por falar em haka... por falta de companhia, já que não tinha nenhum jogo sensacional que coincidisse com meu roteiro maluco de sete cidades em nove dias, acabei indo sozinha ao estádio. Infelizmente, não estava nem perto de cheio, mas vi um bom jogo. O estranho era como era normal. Sentada ao lado e conversando com a família do recém-contratado primeiro centro, que por sinal jogou muito mal, coitado, vi velhinhos reclamando, xingando, como vi meu avô fazer tantas vezes nos jogos do Palmeiras. A diferença é que aquilo era rugby. Daí fechou. Não tinha como me sentir mais em casa.

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