Tuesday, July 17, 2007

A viagem, o arraial e o final de semana

Em "As Crônicas de Nárnia" (filme, já que ando bem relapsa) não importa o tempo que você fique dentro do guarda-roupas, tudo continua da mesma forma do lado de fora. Tão inacreditável quanto um reino de faunos e leões falantes são algumas viagens em grupos grandes, rápidas, intensas e bem difíceis de organizar.

Por mais que se queira acreditar que é verdade e que vai acontecer, por todo momento duvidamos que aquela zona vai dar certo. E, para que isso aconteça, as pessoas se transformam, no melhor estilo "O que acontece no arraial fica no arraial". Quem sempre reclama para acordar antes das 9 horas nos sábados pula da cama quando ainda está escuro. Pessoas que se dizem sérias supreendem a todos numa versão bem mais relaxada. Sete horas da manhã, tendo ou não dormido, todos estão na estrada. Cantando, brincando.

Alguns levam a incorporação ao extremo. Lucy, talvez influenciada pelas chiquinhas, parecia uma criança com meio corpo para fora do carro, no meio da estrada, só para conseguir fotos "de todos os carrinhos, um atrás do outro. Olha que fofo!" Para isso, quanto maior a curva melhor e a serra, com árvores dos dois lados e pista única foi o cenário perfeito.

Na chegada, as bandeirinhas rapidamente colocadas na churrasqueira deram o clima julhino. Logo depois, todos alojados, o modelito São Paulo foi trocado pelo biquini. Mesmo que não tivesse, todos (e todas) cairiam na água do mesmo jeito. Churrasco pouca gente viu. A cerveja, ao contrário, quase não teve tempo de gelar.

Um altar feito na varanda homegeava o novo ídolo pagão: Crigor, do Exalta Samba, (ou ex-Exalta Samba... vai saber. Aliás, era Exalta Samba?). Menos de 48 horas depois ele honraria a devoção dos adoradores de São Francisco (a cachaça), realizando o primeiro milagre: fazer uma criança parar de chorar só com sua imagem.

O primeiro dia causou pequenos estragos. Alguns passaram mal, outros quatro desmaiaram na piscina e muitos precisaram de comprimidos contra dor de cabeça, causada, logicamente, pelo excesso de sol - e só por isso.

À noite, a seção lúdica aumenta. Nova troca de figurino. Dessa vez, roupa de gala caipira. Era dia de casamento. A brincadeira foi crescendo a tal ponto que foi criada toda uma trama complexa. Meio a la Shakespeare Apaixonado, onde nem sempre homens representam personagens masculinos e vice-versa, minha filha, Lucy, se engraçava com um velho endinheirado, representado espetacularmente por Lana Banger. O pai, recém-chegado, estava bravo porque a menina não sabe escolher catchup e encorajava o romance. Já o par de Lana, apesar de ser do gênero masculino, encarnou uma velha senhora que dava mais medo do que Maria Bonita, mulher de Lampião.

Apesar de - até onde se sabe - ninguém do grupo ser afeito a relações homossexuais, os noivos também não eram o que se pode se chamar de um casal tradicional. A dona das bodas, que se trocou sozinha, mas que teve toda a ajuda das amigas na hora da maquiagem, é o segunda linha do time masculino. A união, consagrada com um beijo cuja veracidade deixou muita gente desconfiada, foi com um possível companheiro de posição, mas que jogava em outro time.

Quadrilha, roda de samba em volta da fogueira, funk, falshback, volta olímpica com uma tocha improvisada - em homenagem ao Pan recém-começado. O grupo de 17 pessoas demorou pra cansar. Quando isso aconteceu, colchonetes, edredons e cadeiras. Tudo isso para tornar a espera pelo nascer do dia - que ninguém chegou a ver - o mais confortável possível.

Algumas horas de sono somente. Ao acordar, resta somente pouco tempo de universo paralelo (num plágio explícito ao tão sonhado reveillón de Lana). Para um melhor aproveitamento, os grupos se desfazem, caronas mudam de carros.

Metade do grupo foi embora cedo. O outro preferiu adiar um pouco mais a volta à realidade. Afinal, como disseram muitos, "fazer o que em São Paulo?".

Depois de jogos de truco, buraco e futebol (esse último só pela TV), rumamos de volta. Essa rejeição à rotina fez com que algumas mães se desesperassem, ligando pras amigas das rebentas. Em um ato extremo, um celular atravessa as janelas, de um carro a outro, em plena Dutra. Na devolução, o receio de quebrar o brinquedo alheio promoveu uma parada estratégica na mesma rodovia. Vale ressaltar que no momento não havia nem sombra de carro ou caminhão a caminho. "É, você é louca, não burra".

Ao voltar para a casa e perceber que o quarto continua desarrumado da mesma forma que você deixou, vem aquele sentimento de que a viagem não passou de um sonho. A certeza de que aconteceu vem em difentes momentos: ao receber as fotos, ouvir os relatos (incluindo os de acontecimentos que, por algum motivo, você esqueceu ou não viu) e, no pior deles, arrumar o despertador para o dia seguinte. Diferentemente do filme, só parece que o tempo não passou.