Saturday, November 08, 2008

Sábado animado

Até começar a escrever esse texto eu tinha certeza: indiano em espanhol é índio. Mas daí minha amiga leu e me deixou na dúvida. Em todo caso, pelo menos naqueles textos traduzidos do italiano pro espanhol, da agência em que trabalhava, vira e mexe aparecia um primer ministro indio, que na verdade era indiano. Erro dos tradutores ou não, a verdade é que se eu e as meninas já pegávamos carona nos programas de índio, o que dira nos da Índia.

A prova é que no sábado à noite lá estávamos nós, todas arrumadinhas, maquiadas, apostando ao máximo na tal festa de aniversário de um dos guardinhas australianos do trem de Perth. Quem chamou pra celebração foi o tal indiano, que conhecemos na volta do Halloween. Desde sexta passada ele tem sido presença e assunto constante de uma das meninas, por quem ele aparentemente se apaixonou. Nesse sábado, ele passou no trabalho de uma, depois na casa das outras e fomos todos pra Penguin Island, uma praia bonitinha, que pra chegar tem que ir de balsa ou se aventurar atravessando a pé, quando a maré tá baixa.

O passeio ainda incluiu um tour de barco pela ilha de leões marinhos. A moça que vendeu o ticket já tinha dito que nem sempre dá pra ver os tais sea lions, mas a gente deu sorte e viu... um dos bichos. Ele tava ali, estirado na areia, de barriga pra cima tomando sol. Nem respirar ele respirava direito. Até fiquei com medo que estivesse morto, mas daí ele piscou e, bem indolente, abanou a cauda, pra em seguida voltar a dormir.

Como todo bom romântico, o menino levou vinho pra praia. Deixou na água do mar por um tempo até gelar. Bebemos, tomamos sol, pegamos a balsa e o carro de volta pra Perth. Em casa, a gente se revezava entre dormir, tomar banho, fazer comida e drinks pra já chegar na festa feliz.

Durante toda a tarde, fiquei alguns momentos sozinha com o indiano enquanto as outras duas botavam o papo em dia. Por mais incrível que pareça, demorou até que conseguisse estabelecer uma conversa. Não sabia porque, mas desde a semana passada, quando ele foi conosco pruma exposição na City, eu não me sentia bem com ele. As meninas cogitaram uma possível TPM de minha parte, mas não era. Era uma semi-antipatia gratuita e recíproca. Eu não detestava ele, simplesmente não adorei o cara. E isso é tão difícil de acontecer que fiquei até me sentindo mal. Agora, analisando, talvez fosse orgulho, afinal depois do primeiro dia, no trem, ele não ligava a mínima pra conversar comigo e eu não tô muito acostumada com isso. O pensamento dele orbitava em torno de uma coisa somente: Big Boss! Apelido que a gente deu, brincando, pra outra menina e que ele aderiu completamente. Durante toda a semana, ele ligou pra ela algumas dezenas de vezes (em um único dia foram 21!), saiu de casa e ficou esperando por horas na porta do trabalho dela pra levá-la pra casa, ofereceu dinheiro pra ajudar a resolver o visto, comprar passagem e carro, além de tê-la pedido em namoro e casamento!!! E isso que nem date eles tiveram.

No dia da praia, depois de muito esforço, ele pareceu gostar de conversar e começou a contar sobre a vida, histórias e tradições da Índia, em particular de Punjab, de onde ele veio.

Punjab é uma região imensamente rica perto da Caxemira, como a gente pôde entender pelo mapa que ele tatuou no braço e mostra toda vez que fala de seu país. O idioma que eles falam tem o mesmo nome do estado. Segundo ele, na Índia se falam mais de 300 dialetos. O mais famoso deles é o Indi, mas nem todo mundo fala Indi. Por isso, a língua universal acaba sendo mesmo o inglês. "The Punjab Boys" são conhecidos em toda a Índia como um povo guerreiro e respeitado. O orgulho da terra natal ele ostenta por onde passa, com símbolos adesivados no carro, tatuados no braço e pendurados na enorme corrente de ouro que ele usa no pescoço.

Minha amiga acho que ainda não se decidiu se gosta dele ou não. Ele é dedicado, atencioso (até um pouco demais) e bonito (baixinho, meio bombadinho, cabelo raspado). Mas leva tudo a ferro e fogo. Se está apaixonado, só pensa na pessoa. Eu até tentei me segurar pra perguntar que ele dia ele faz aniversário. Essa história de taurina e pisciano há muito já perdeu a graça, mas ela também ficou curiosa. Resposta: 29 de fevereiro. Cansou, né?

A festa começava às 8h30. Saímos de casa às 10h, o que é um bom horário. A gente chegou e o moço ligou pro amigo policial dele, que já estava no lugar. O cara veio receber a gente na porta. Na frente da casa, um monte de carros estacionados, o que dava a impressão de que a festa estaria boa, quem sabe até com as 200 pessoas prometidas. Entramos e a primeira constatação foi "nossa, só tem homem aqui". Mas a gente logo viu que não tinha só homem. Duas mulheres de salto alto, tanguinha azul ou roxa e preta como tapa sexo, cabelo muito comprido, solto e peitos à mostra desfilavam pela sala. Como a gente foi descobrir depois, essas eram as garçonetes. "What can I do? This is an australian party, man", me explicou o amigo que trouxe a gente pra lá.

Conheci uma outra menina, essa convidada, vestida. Tinha mais umas três na casa. Ficamos um pouco na varanda, sentadas, até começar a tocar "Seigh is King" - uma música sobre Punjab que a gente já tinha quase decorado de tanto ouvir no carro. Fomos dançar todas empolgadas, entretanto meio distante do monte de indianos do lugar, que pulavam e usavam o taco de bilhar em suas coreografias.

Por três vezes eu pedi pro amigo me ensinar a dançar indian music, mas ele estava muito bêbado pra manter o mesmo pensamento por dois segundos na cabeça.

Jogamos bilhar, eu e as meninas, de três mesmo, sem muitas regras. Então, o resto da casa compensou a falta de atenção. Quando acabaram as bolinhas, fiz dupla com um indiano de meia idade, que me cansou em menos de uma partida. Pela primeira vez em muito tempo, pedi pra ir embora. As meninas gostaram da idéia, mas tínhamos que falar com nosso amigo.

Enquanto a gente não se resolvia, pedi pro dono da casa pra tirarmos uma foto com as garçonetes, que poucos segundos antes dançavam no colo de um dos convidados, imenso de tão gordo.

Elas estavam no quarto, se trocando. As duas eram simpaticíssimas e mesmo quando estavam servindo, pareciam mega à vontade sem roupa. Com frio, como constatou minha amiga, mas à vontade.

O aniversariante explicou que a gente era do Brasil e que por isso queria uma foto de recordação. Uma delas se desculpou e disse que não tirava fotos. A outra, mesmo já de calça jeans, aceitou na hora e ainda perguntou se a gente não queria fazer topless com ela. O "oh, no!!! I am fine" nunca foi espontâneo. Tiramos a foto as quatro, de pé em cima da cama do cara. Saímos do quarto, jogamos mais uma partida, dessa vez com o único loiro da casa, e então fomos embora.

Nosso amigo, de tão bêbado, nem conseguia ficar parado. Juntou uma trupe de uns cinco, seis guardinhas pra convencê-lo de que ele não poderia dirigir. Eu estava achando toda a festa muito louca e já me divertia, conversando com os moços. O amigo policial, muito, mas muito gente boa, ia nos levar pra casa. Entramos as três meninas no banco de trás do carro e o amigo ficava do lado de fora, se recusando a entregar a chave dele. Eu estava do lado da janela e perguntei pro motorista de podia roubar as tais chaves. Ele deixou. Eu abri o vidro e, toda feliz, arranquei o chaveiro da mão do indiano. Na pressa, quase arranco junto o fone do iPod.

Como não tinha mais como lutar, ele entrou no carro, veio nos deixar e voltou pra festa. Ainda ligou depois, queria dormir aqui, mas minha roommate, saturada, cortou qualquer possibilidade. No dia seguinte, uma mensagem no celular da outra, oferecendo carona pra casa dela. Quando as meninas olharam pela janela, foi aquele susto! O carro dele parado, ali na frente. Não ia nem dar pra fugir. Mas não era o carro dele. Era parecido, mas sem o enorme adesivo branco de uma frase em Punjab junto com o rosto de Singh (o herói deles que matou um general britânico depois de tê-lo caçado por 18 anos). Então não era o carro.

Ainda meio com sono, mas sem ressaca, eu fui descarregar as fotos da terceira máquina no computador. 805! Lógico que não era tudo de ontem, mas é mais fácil do que selecionar uma a uma. Pra dar bom exemplo, mostrei pras meninas que é bom apagar as fotos depois de descarregar e deletei todo o arquivo de ontem da minha máquina. Dois segundos depois lembrei que não tinha passado as fotos da festa, só as da praia. Idiota, mas, segundo opinião de todas, talvez tenha sido até melhor manter as imagens dessa festa só na nossa cabeça.

Sunday, November 02, 2008

Com ou sem festa, it is halloween

A tradição mesmo vem dos Estados Unidos. Quer dizer, eu acho, já que nunca vi nenhum filme de crianças londrinas brincando de trick ou threat. Mesmo assim, halloween já virou coisa comum no Brasil. É lógico que tem a galera contra e que, pra fortalecer a cultura brasileira, resolveu fazer do dia 31 de outubro o Dia do Saci. Eu, na melhor atitude antropofágica, não teria o menor problema em celebrar os ícones nacionais, mas como ainda não inventaram nenhuma atração extramemente divertida, como futebol pulando de uma perna só ou festas com pessoas vestidas de saci ou curupira, continuo indo a comemorações ao Dia das Bruxas.

E se eu fazia isso no Brasil, na Austrália não ia ser diferente. Infelizmente, não tenho a desculpa de estar no Hemisfério Norte, já que continuo abaixo da linha do Equador, mas eles falam inglês, então deve ter alguma coisa a ver.

Procurei mais ou menos, mas nenhum club grande de Perth fez propaganda de noite à fantasia - ao contrário dos de São Paulo, que me mandaram mil e-mails. As melhores festas eram as particulares e a gente acabou confirmando presença na dos meninos de Fremantle. Como acontece na maioria das vezes, sobre a festa mesmo, não tem muito o que contar. O melhor é a preparação.

Apesar de adorar bruxas, só fui vestida assim uma ou duas vezes. Sempre acho sem cratividade. Mas em outro país, halloween, resolvi arriscar. Comprei um chapéu laranja numa lojinha tipo Armarinhos Fernando que tem aqui. Paguei 3 dólares, mas não tava feliz. Num dia em que terminamos a aula mais cedo, fomos eu e minha roommate pra Second Hand shop - meu lugar favorito pra fazer compras. Levei entre outras coisas um vestido verde água mega curto de 12,50 (que pretendia usar pra ir de fadinha) e um chapéu preto, diferente, que não tinha o menor porque além de ficar legal com meu cabelo novo, acima do ombro.

Chegando em casa, depois de muito pensar, deu um clique e resolvi ir de leprechaun, em homenagem à loira irlandesa. Na verdade, percebi que era uma leprechaun e não sabia. Tinha todas as coisas que precisava, mesmo sem ter trazido nada de especial do Brasil. Peguei minha camisa branca, decotada e de babado, minha saia pregueada, o casaco verda compridinho, um cinto preto usado do lado contrário, a meia verde limão até o joelho que ganhei de uma amiga dois meses antes e que nunca tinha usado, meu chapéu novo customizado com um trevo de quatro folhas e um quadradinho laranja recortados do EVA que sobrou do meu mural e meu sapato de trabalho.

Um dia antes da festa, guardei tudo na bolsa, já que iria direto do trabalho pra lá.

No próprio 31 de outubro, parecia realmente que a bruxa estava solta. Quebrei o negocinho de dosar bebidas quando queria trocar a garrafa de Canadian Club, fiz confusão com os números do restaurante e ainda quebrei dois pratos quando fiz uma pilha maior do que deveria em cima da mesa. Meu novo chefe, um japonês estressado gerente de uma taverna na City, disse que se eu quebrasse mais alguma coisa ele me mandava pra casa. Eu cheguei a cogitar que talvez fosse melhor mesmo. Além do que, se fosse, conseguiria ir com as meninas pra festa, em vez de sozinha. Mas, depois do meu break, tudo melhorou e quando ele me perguntou se eu tinha quebrado mais alguma coisa eu respondi toda orgulhosa "não!!! Nem mais um único copo!!!". No final do dia quebrei mais um copo, mas foi quase dentro da lava louças, então ele não viu e nem eu me senti culpada.

Aquele dia o bar ficou vazio na hora do almoço, cheio no happy hour e vazio de repente. Melhor pra mim, que fui dispensada às 9h e consegui ir pra casa pra me trocar e ir com as meninas - minha sharemate, vestida de vampira, e a amiga dela de Fiji, se fantasia - pra estação de trem. Já na ida pra casa, fiquei feliz ao ver umas pessoas fantasiadas. Tem gente que pareceu que nasceu pra Halloween, como um casal que parece ter vindo do mesmo lugar que os caras do Manifesto, inclusive a mesma idade (uns 15, 17 anos), e que estavam todos de preto, maquiagem perfeita. A bolsa da menina era um caixão com corrente de prata e eles ainda levavam uma aranha de pelúcia como marionete.

As nossas fantasias, por sua vez, não chamavam menos a atenção e a gente ainda contribuiu tirando mil fotos dentro da estação. Um velhinho, sentado na cadeirinha da plataforma, disse ter adorado as nossas roupas e perguntou se a gente era turista, já que só foi lembrar ue era halloween uns 15 minutos depois. O cara nasceu no Canadá. Quando tinha os seus 20 e tantos anos resolveu fazer um tour pela Europa. Acabou o dinheiro, ele não queria voltar pra casa, comprou a passagem mais barata que tinha e que era pra Perth, Australia, um lugar onde nem café café decente tinha. Isso foi há mais de 30 anos. Desde então ele fica um pouco em cada lugar. Já morou em vários estados da Austrália, Europa, Ásia. Ultimamente, vive em uma casa paga pela Seguridade Social australiana. Casa boa, comida, tudo pago pelo governo, mas o lugar é tranqüilo demais, segundo ele. Dois australianos e um aborígene também vieram puxar assunto. Todo mundo adorando os lookings.

Encontramos a outra amiga na estação de Perth, demos meu chapéu laranja pra ela e rumamos pra Fremantle.

Em dias normais em Fremantle você já conseguiria ver pessoas fantasiadas. Ela é uma cidade pequeninha, cheia de europeus - ao contrário de Perth, que tem muito mais asiático - e, por causa disso, com muito mais gente louca. Quando íamos da estação pra lá, vimos uma festa de Halloween num club famoso e conhecemos algumas pessoas no meio da rua. Um menina, bem gordinha e vestida de fada, viu a gente de longe, veio correndo, parou na noss frente e, extremamente feliz, gritou "happppyyyyy hallooooweeeeeeeennnnnn", a quem eu correspondi com o mesmo entusiasmo. Uma outra apontou pra mim e disse, toda meiga, "look... a leprecoun", o que me deixou felícissima, afinal, minha fantasia tinha sido reconhecida.

Na festa mesmo, ficamos uma hora. Pouco antes da gente chegar, alguém derramou cerveja no computador do dono da casa. Isso junto com um desentendimento com outros brasileiros fez com que o clima não estivesse dos melhores. Os únicos que não deram o menor sinal de estresse eram os árabes, amigos deles, que não desempolgam por nada desse mundo e se divertiam absurdos colocando e dançando aquelas músicas esquisitas deles.
Na verdade, se a gente não tivesse chegado tão tarde, a festa estaria perfeita. Mas como à meia-noite nós éramos umas das únicas sóbrias do lugar, preferimos voltar à 1h30, pegar o último trem e voltar de táxi de Perth, o que daria $12 em vez de $50, $60.

Na volta, perdemos uma das meninas, que acabou não pegando o trem depois de demorar demais no Hungry Jacks. No caminho de volta, conhecemos o guardinha do trem, indiano, com quem conversamos o caminho todo e que nos deu uma carona pra casa. Economia de 4 dólares e mais um motivo pra adorar festas à fantasia.

Slipknot

Saindo da estação de trem eu percebi que estava vestida com a minha combinação de sempre pra shows de rock: calça comprida, blusa preta, tênis. A diferença é que dessa vez eu estaria do outro lado do balcão, vendendo as cervejas em vez de comprando.

Apesar de ser a cidade mais isolada dentro do continente mais afastado, Perth recebe uma quantidade considerável de shows. Parece que só este anos já estiveram por aqui Bon Jovi, Alanis Morissete, Celine Dion, Eros Ramazoti, The Police, Alicia Keys e, o mais recente deles, Slikpnot.

Até semana passada eu não sabia da existência desse show. Fui descobrir depois de um desses acessos de 'preciso arranjar outro emprego'. Tenho uma coisa dessas mais ou menos uma vez por mês, às vezes mais freqüente. Fui até o seek, site de emprego mais famoso daqui, e fiz uma busca pelas vagas no ramo hospitaleiro (que inclui bar service) e marketing (onde também entra a parte de promoção). Fui preenchendo ofertas até chegar nas de 15 dias antes. No meio do caminho encontrei essa empresa de shows e eventos. Fiz o cadastro, consegui um login pro site deles e me ofereci pra trabalhar no show, que seria em menos de uma semana.

Três dias depois me ligam. Estava no show! Não tanto por mérito meu. Apesar de já ter uma experiência considerável em serviço de bar, aqui faltam empregados, então se você tiver o tal RSA (Responsible Service of Alcohol, um curso obrigatório pra quem lida com bebida) já é meio caminho andado.

Diferentemente do que acontece no centro de convenções do cassino, onde o bar fica do lado de fora do lugar do show (como a bilheteria e o telão do cinema), em Showgrounds o bar fica dentro do próprio pavilhão, bem na entrada, mais ou menos como acontece no Brasil. São vários guiches e todos atendem em duplas. O cliente faz o pedido pro caixa, que tem um bar runner do lado. Enquanto o caixa cobra o valor, o bar runner pega o seu drink e abre a latinha. Todas as bebidas são em latinha, com exceção da água em garrafa ou copo de plástico (a primeira é vendida, a segunda, de graça).

A Austrália tem diversas leis pra inibir o consumo excessivo de álcool. Uma delas é essa do RSA, um curso que explica o valor alcóolico de cada bebida, dá dicas de como identificar se uma pessoa está bêbada e te avisa que se você vender álcool pra alguém bêbado ou menor de idade e ele aprontar, você pode vai ser indiciado também. Mesmo que a pessoa não faça nenhuma besteira, você e o bar serão multados em no mínimo mil e no máximo 10 ou 50 mil dólares.

Outra medida que eles usam é a de dar água de graça. Pra isso, além das garrafinhas, que custam $3,50, todos os bares, mesmo esses de shows ou feiras, distribuem copinhos com água corrente pra quem pede.

No show do Slikpnot, eu fui bar runner e passei cerca de 4 horas abrindo latinhas com a ajuda de uma colher de chá - meu chefe tinha pedido pra trazer uma de casa, mas como não tinha entendido a finalidade, trouxe só um abridor de tampa de garrafa, que acabei não tirando da bolsa.

Escolhi ficar como bar runner porque achava que assim ia dar pra conversar mais com os clientes e, portanto, seria mais divertido. Não é novidade pra ninguém que adoro gente bêbada. Acontece que eu não sabia desse esquema de ter que ficar atrás de uma caixa. No final, ela é quem conversa mais com as pessoas. Eu converso também, mesmo porque com essa altura pequeninha nem que eu quisesse ia conseguir me esconder atrás da loirinha. Além disso, os bêbados também gostam de mim.

No fim, bar runner é realmente mais cool. E isso nos dois sentidos da palavra. É mais legal porque é bem mais legal ficar correndo pra pegar e abrir quatro latinhas correndo do que simplesmente apertar quatro botõezinhos, mas também é mais cool porque durante vários momentos eu praticamente parei de sentir a minha mão de tanto que enfiava ela na água extremamente gelada pra tirar as latinhas.

Mais ou menos às 9 e meia da noite, alguém lá de cima resolveu fechar o bar. A platéia já estava ficando alterada, 'causando', na melhor gíria brasileira, então fecharam todos os caixas. Fiquei um tempinho enrolando e então fui ajudar o resto do povo a entregar água pras pessoas. 90% delas reclamaram que a não estávamos mais vendendo cerveja, mas, como não tinha outra coisa, vai água mesmo. Um, dois, três copos um seguida do outro e por fim outro jogado na cabeça. Alguns ensaiaram aquela zona de jogar água uns nos outros, mas não extrapolaram muito.

A água serviu mais pra acalmar os ânimos pela falta de cerveja, mas, segundo aprendi no meu RSA, de nada adianta beber água depois de ficar bêbado. Ela é boa antes, pra ocupar o espaço que seria destinado ao álcool e te fazer beber menos. Depois, com água ou sem água o tempo pra ficar sóbrio vai ser o mesmo.

Mesmo com a latinha de Tooheys Extra Dry custando $7 e o Bourbon and Coke a $9,50, o povo bebeu bastante e ficou revoltado com o fechamento antecipado do bar. Um deles vai ficar marcado como o meu primeiro cliente problemático.

O cara é grande, gordo, careca e com barba. A fisionomia lembraria o ferreiro (ou prefeito?) das histórias do Asterix. Também pode lembrar um pilar, de rugby, mas faz tanto tempo que não jogo que me sinto até mal de usar essas referências. Ele pediu cerveja, eu disse que não tinha mais e ofereci água, ele reclamou, como todo mundo, mas não quis a água e nem foi embora. Ficou falando meio sozinho, meio com o amigo, meio com a outra menina que tava trabalhando do meu lado, também ditribuindo água. Depois de um tempo, ela chamou os seguranças que só pediram pro cara ir embora e ele ficou mais irritado, mas foi. Eu tinha quase ficado com pena dele, achando exagero dela. Depois de cinco minutos, ele volta. Me pediu cerveja. Eu disse que não tinha. Ele então pegou um copo de plástico com água que estava no balcão e bateu na mesa. "Não, não, cerveja, não!". No momento em que o copo bateu na mesa, a água saltou do copo. Eu tranqüilamente dei um passo pra trás, mas só por dar, já que não ia ficar muito mais encharcada do que já estava, de tanto mexer com gelo e água.

Na hora me veio a imagem do gigante do 'João e o pé de feijão' batendo o pé fazendo riminhas pra dizer que "mim sente cheiro de humano". O cara e o amigo magrinho dele fizeram isso mais umas três vezes até que os seguranças vieram, conversaram e acho que os fizeram irem embora vencendo pelo cansaço, já que ninguém fez a menor menção de encostar no pequeno monstro.

Um pouco antes das dez e meia, meu chefe veio com o papel e a caneta pra eu assinar o ponto e ir embora. Saí da área restrita, fiquei mais cinco minutos, ouvi a última música enquanto conversava com um dos meus clientes da água (com esses sim, consegui bater o maior papo). Acabou o show, voltei pra casa de trem, como a maioria dos fãs do Slipknot. Na estação, uma menina me perguntou se eu tinha acabado com toda a água. Achei o máximo a simpatia dela e continuei conversando. Umas três frases depois, percebi que ela não era cliente. Tinha trabalhado comigo no final da noite. Mas australiana é tudo parecida. Das cerca de 20 meninas, só 4 (eu incluída) eram morenas. E entre as loiras a maioria tem o mesmo corte de cabelo, aquele todo, mas todo repicado. A tentativa é de deixar diferente, já que todas elas tem o cabelo lisinho e fininho. Como resultado, o cabelo fica com volume e com uma cara de desarrumado - o que não podia ter mais a ver com anos 80 e com esses shows em que me enfio.