Monday, August 17, 2009

Os militares e a faxineira

No mesmo segundo em que a moça me perguntou se eu conseguia chegar numa boa no exército, me veio à cabeça o confessionário de Total Drama Island (o que traduzindo, é um banheiro de acampamento, aqueles de casinha de madeira, lotaaado de moscas, usado como confessionário e toilet pelos personagens desse fantástico desenho que tira uma onda de reality shows). Um instante depois, pensei no filme Tropa de Elite, que tinha visto de novo uma semana antes. Não foi uma imagem muito melhor.

A minha surpresa foi que os militares de Townsville em nada se parecem com os de filme (americanos ou brasileiros). Na Austrália, ser militar é um negócio altamente lucrativo e por vezes quase burocrático. Eles ganham e ganham bem para servir ao país. Vão à base de 2a à 6a e nem precisam voltar pro quartel. Quem quiser, aluga uma casa na cidade e vai e volta todo dia. Final de semana, o povo tá livre. É nessa horas que a maioria aproveita, alguns vão pra balada, bebem a rodo - já que têm dinheiro mais do que suficiente pra isso - e arranjam alguma encrenca. A má fama dos militares é bem conhecida na cidade. Afinal, como diz minha ex-land owner, eles são treinados pra brigar, essa é a única coisa que eles sabem fazer, mas isso nunca me afetou muito.

O trabalho no exército surgiu da mesma agência de empregos pela qual ia trabalhar como bartender em um determinado evento. Já tinha avisado que estava de férias, com tempo livre, mas trabalho de garçonete ou bartender não tinha. Quando perguntei de house keeping, ou cleanner, na hora ela me colocou no exército. Assim como atrás do balcão, o uniforme era também todo preto, mas em vez de regatinha, calça e sapato, tinha que usar camiseta, bermuda e tênis. O problema é... quem disse que eu tinha camiseta preta? Na falta de uma melhor, passei a usar uma da Jim Bean que, do lado do avesso, escondia o logo enorme e a inscrição de bar staff.

Na primeira semana, ainda tentava me acostumar com a mudança de ambiente. Quando cheguei na Austrália, me recusava a trabalhar como cleanner simplesmente porque não fiz quatro anos de faculdade pra limpar quarto e banheiro dos outros. Com o tempo, o orgulho some (já provei o que tinha que provar, posso simplesmente ganhar dinheiro), mas a adaptação ainda é difícil.

Pra quem está acostumada a servir as pessoas é esquisito entrar nas salas e interromper a rotina do povo ao trocar sacola de lixo ou passar paninho na mesa. Os banheiros era parte mais tranqüila. Como eram limpos sempre, nunca estavam sujos e esfregar espelhos virou terapia. Já as acomodações, tinha uma pior do que a outra, especialmente as das meninas, mas isso nunca chegou a ser um problema.

O tipo de trabalho eu já tinha superado, mas a rotina era punk. Me matava ter que acordar às 5h30 da manhã, pedalar meia hora pra depois ainda ralar de 7h a 9h/dia. Dizem que depois de um tempo acostuma, mas não fiquei o suficiente pra isso. Nas três semanas que fiz esse trabalho, antes de viajar com as meninas de Perth, conheci quase todas as áreas da base. A moça que fazia a escala me colocava cada dia num lugar diferente, um porque ela queria ser mesmo legal, dois porque minha função era ficar de regra 3. Nessas, passei por muitos prédios de escritórios, dormitórios (onde ficam os soldados que estão visitando a base, como os americanos que vieram prum workshop), acomodações (quartos-cozinhas super bonitinhos pro povo que está de vez por lá) e até mesmo lugares fora da base, como as casinhas dos guardinhas florestais ou os escritórios (e banheiros) do armazém de armamentos do exército, onde a vigilância é tão pesada que os celulares e câmeras são retidos na entrada.

Se o tempo no exército foi suficiente pra mudar o meu preconceito com relação ao trabalho de cleaner, o mesmo não aconteceu com a imagem passada pelos militares de lá. Mesmo entre eles, todos são mega simpáticos, nada de berros ou coisa parecida. Treinos físicos até se vê, mas nada pesado ao extremo. O tempo livre é tão grande que a base possui até um campo de golf, freqüentemente usado durante meu horário - ao contrário do de rugby, infelizmente.

Tudo bem que não era o meu país, mas aquilo de militar sem pressão não tava certo, e de tanto perguntar acabei achando duas explicações com certo sentido. A primeira é que o treinamento mais pesado deve acontecer em viagens de treinamento, não na base. A segunda é que existem várias bases na Austrália. A de Townsville era mais pro pessoal que já tinha voltado do Iraque ou Afeganistão, por isso talvez eles não precisassem mais de pressão ou tanto preparo físico, já tinham tido o suficiente e estavam só dando um tempo até serem mandados de novo.

Assim como os moços, eu também relaxei. À mesma medida em que ganhei passes semanais em vez de diários fui me sentindo mais em casa. Desisti da camiseta ao contrário e passei a usar a maior regata, mas, ainda assim, regata. Entrava nos escritórios falando bom dia, toda feliz, e nem mais fiquei com medo de brincar com a cracatua (soldado Albert II) de um dos regimentos - só parei quando o idiota do passarinho me bicou de dentro do viveiro e eu, distraída, dei um mega berro. Como reflexo, quase dei um tapa no bicho, mas se ele já costumava berrar normalmente, imagina se levasse um tapa. Além disso, se alguém viesse, eu era a cleanner, ele era o militar.

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