Saturday, March 28, 2009

O quarto e o dormitório

Não lembro ao certo quando isso começou, mas depois de um tempo começou a ficar mais constante e eu há muito perdi as contas de quantas vezes minha mãe me perguntou "você acha que essa casa é um albergue, né?". Bom, eu já não achava. Agora, com conhecimento de causa, posso dizer, a casa dos meus pais não é um albergue!

Por sorte, alguns meses antes de sair de Perth, conheci um mochileiro, irlandês. Daí, depois de quase ter caído sem querer na casa de um monte de indianos (já que Joyndintra, pra mim tava mais pra nome de mulher africana), decidi parar de procurar meu novo sharemate pela internet, ficar uma semana em um albergue e só quando chegasse em Townsville procurar um lugar pra ficar. Pra isso, pedi algumas dicas pro tal amigo.

A parte boa é que a maior parte dos hostels australianos tem website, o que deixou tudo mais fácil; eu procurei os de Townsville, fiquei entre dois. Um com dormitório feminino e outro com quarto individual. Assim como Ariel, eu também fui uma boa menina e fiquei com um quarto só pra mim - mas tive que pagar por isso.

A princípio devia ficar lá só uma semana, mas por mais que procurasse não achei nada que valesse a pena a troca. As casas daqui são no estilo queenslander, em homenagem ao nome do estado Queensland. Isso significa que elas ficam todas a cerca de um metro e meio de altura, sustentadas por umas vigas de madeira. Nesse espaço vazio entre o piso e a terra às vezes tem um varal, oficina, às vezes é espaço vazio mesmo, mas serve pra casa, elevada, aproveitar melhor a brisa e não pegar o calor do solo, já que aqui é muito quente. As casas são de madeira, o que seria bonitinho se fossem bem cuidadas. Porém, nessa minha semana vi uma caindo aos pedaços mais do que a outra, tábuas sem pintura, árvores com teias de aranha. Preocupação com arquitetura, só nos bairros mais novos e distantes. Em muitas ruas não existe calçada, só grama alta, por causa da preocupação ecológica ou por desleixo mesmo. Além disso, há o problema em achar república, ainda mais no começo do ano. A maior parte dos anúncios era pra morar em casa de família. Daí entra a questão das pessoas de Townsville que, apesar de muito simpáticas, nem sempre são daquele tipo que você vê todo dia.

Um exemplo foi um homem de uns 40, 50 anos, bem capeãozão, que me recebeu descalço, de pé bem sujo. A casa, enorme, no alto de um morro, era a mais descuidada de todas e possivelmente ia cair antes mesmo que a de palha, ao primeiro sopro do lobo mau. O cara era simpático, inteligente, mas parecia muito ter saído de um dos livros de Monteiro Lobato. Em outra, essa realmente bem cuidada, cheia de estampa de florzinhas, como casa de vovó, os donos eram a la filme de terror: a mulher, mais velha, toda magrinha, cansada, metódica, ruiva meio desbotada, com a aliança do marido morto pendurada no pescoço, falava baixinho e devagar; o marido (o novo), um velhinho meio curvado, careca, barrigão e com cara de psico, daqueles que olha meio com o olho virado quando fala contigo (a piscina, porém, era maravilhosa, mas só pensei "de que adianta essa piscina se nunca vou ter coragem de entrar com esse homem aqui?").

Em uma das várias casas que fui até a porta mas desencanei de ver, o cara tinha patos como animais de estimação, o que nem seria problema, se a casa não ornasse tanto com o estilo família buscapé. No fim, depois de ter passado por uma espécie de asilo, sete quartos, um de frente pro outro, e muitas senhoras de idade pra usar o mesmo banheiro (uma delas tinha o cabelo roxo e uma considerável barba feita de uns 30 pelinhos brancos, todos com cerca de um centímetro de comprimetro), quase aluguei um quarto numa casa ruim, só porque simpatizei com a dona - carência é foda, como diz minha amiga carioca, e eu estava carente de pessoas ditas normais.

O lado bom de se morar num albergue é que se conhece um monte de gente, mas isso se você mora em dormitório. Como eu estava morando num quarto sozinha, acabei conhecendo um ou outro, só. A maioria, australiano, mas também tem bastante de fora. Graças ao convênio que a Austrália tem com alguns países, muitos europeus (da Irlanda em especial) vêm pra cá trabalhar e viajar. É o work & holliday visa, que serve por um ano e pode ser renovado por mais um desde que se passe três ou quatro meses trabalhando nas fazendas, onde o país precisa de empregados. Graças a essa necessidade de mão de obra, os chamados backpackers (mochileiros) passam um mês num lugar, dois meses em outro, trabalhando em construções, hotéis, restaurantes e morando por um bom tempo nos tais hostels ou backpackers (nesse caso, albergues).

O meu backpacker, por sinal, era uma graça. Dois andares de apartamentos, todos com varandinha. Nos dois andares, dois banheiros enormes, um masculino e um feminino, e uma lavanderia, que funcionava por moeda. No térreo, cozinha e salão de jogos. Os quartos tinham uma cama, uma mesinha, um refrigerador, às vezes um armário. No último andar tinha até uma piscina. Porém, como a piscna ficava de frente para um prédio em construção, cuja grande parte dos pedreiros morava no próprio hostel, eu acabei me decidindo pela praia.

Outra coisa boa de se morar lá é que você paga a semana. Não tem depósito (o tal do bond), não tem gasto com conta de luz ou água. Também não tem que comprar pratos, talheres ou panelas. Pode pegar tudo emprestado do próprio lugar, por mais nojento que isso às vezes seja. A comodidade é tanta que o quarto vira a casa das pessoas, ainda mas se você veio com amigos. Nas janelas têm bandeiras e placas gruadas, os quartos têm TVs, rádios e a geladeira lotada de cerveja (na sua maioria XXXX - se pronuncia 'four éx' -, a marca aqui de Queensland, bem ruizinha por sinal).

Com o tempo, a gente se acostuma. O meu quarto da segunda semana tinha armário e um colchão decente, o que me fez pensar em ficar lá de vez. O único problema é que, por ser a priori uma estadia de curta temporada e grande rotatividade, o preço por um dormitório individual sai mais caro do que o aluguel de um quarto em casa de família. Pensando nisso, continuei a busca por mais uma semana até que achei o que procurava. Menos de um mês depois da mudança, já me senti em casa e voltei à rotina de por vezes acordar, sair, passar o dia e a noite na rua - chegar em casa só pra dormir. A definição parece a de um albergue, mas não é.

A mobília, a estrutura, pode até ser a mesma. Um quarto, uma cama, um armário, uma mesa. Televisão, criados-mudos e sofá vieram de brinde, que nem precisava tanto. Já a liberdade de poder ficar com a porta do quarto aberta e usar as áreas comuns (vulgo sala, cozinha e banheiro) sem ter que se preocupar com o tamanho do shorts ou da camisola que está vestindo e a confiança de ter alguém com quem se pode contar não são.

Esses poucos, mas importantes elementos é que fazem a diferença entre uma cela e um quarto; um albergue e uma casa.

Sunday, March 15, 2009

Excesso de bagagem

Último dia de viagem. Como fui uma boa menina e fiz tudo direitinho, ganhei um quarto só pra mim no Hostel. Que bom, se não fosse isso, meus momentos finais poderiam ter sido ainda piores do que foram.
Já passava das duas quando fui dormir, depois de reorganizar duas malas enormes, só com coisas da minha irmã. É, em pouco mais de meio ano, ela comprou meia Alemanha. E pior, não tem a menor vocação pra arrumar a mala.
Antes das três, o telefone tocou:
- To desesperada, não consigo arrumar a mala. Vem pra cá agora.
- Mas que horas são, não tem transporte.
- Então vem às cinco, quando abrir.
- Ok.
Poucos minutos depois, quando comecei a ter de volta a minha consciência, o sono já havia ido pro saco, percebi que não fazia sentido invadir a casa das pessoas, sem avisar, às 5 da manhã. Eles iam achar que eu tinha dormido escondido lá. Dessa vez, quem ligou fui eu.
- Alô, não vou entrar mais não. Guarda tudo o que conseguir na mala, o que sobrar coloca em sacola de compras e eu passo aí e trago pro hostel.
- Mas não vai caber, precisamos comprar uma mala nova.
- Não dá ... Já temos quatro malas de rodinhas e duas mochilas.... Não temos mais mão pra carregar.
- Ta bom.
40 minutos, dois trens e um longa caminhada subindo a montanha, cheguei à casa dela. Era mala e sacola que não acabava mais. Sai correndo, empurrando tudo pra não perder um ônibus. Linha única, subia e descia o bairro. Se o perdesse, tinha de esperar 40 minutos até ele completar outra volta.
Depois o trem, e outro trem. Tinha baldeação no hostel também. Descia até o terceiro andar, percorria um longo corredor, e pegava outro elevador, desta vez até o sexto.
Joguei tudo lá, e parti outra vez para o bairro... Dessa vez, além da bagagem, ela veio junto. Chegamos ao hostel por volta das 07:30. Às 8, ela tinha de estar no aeroporto. Impossível. Abri correndo a mala de mão e tentei reorganizar e encaixar o que pude. Ela levou as malas que já havia arrumado durante a noite, e também essa da bagagem de mão. Fui com ela até a estação central, pra ajudar a carregar a carga, e voltei correndo até o hostel. Meu vôo só saia às 15 horas, mas tinha de fazer check out até 10 da manhã... E já passava das 9 e meia quando cheguei de volta.
O quarto estava de cabeça pra baixo. A quantidade de roupas e lembranças era absurda pra uma única pessoa. As malas já estavam superlotadas, e superpesadas, porque também tinham livros de moda e afins... Aqueles bem grossos, de capa dura.
Guardei tudo o que pude nas malas, na mochila e na minha bolsa e, todos os presentes, coisas quebráveis, etc, foram pra um sacão enorme de pano (estilo sacoleiro mesmo), daqueles pra por roupa pra lavar. Todo colorido, cheio de palavras como laundry, clothes. Um mico. Pra completar, ainda tinham dois casacos enormes e, pasmem, um guarda-chuva que minha irmã me implorou pra levar.
Tentei sair do quarto mas demorei 5 minutos pra conseguir fazer as malas se mexerem. Fiz check out com meia hora de atraso e, transpirando mesmo de camiseta, em um frio de 3 graus.
Fiquei com os dois joelhos roxos de empurrar uma das malas com eles, a porta do trem fechou em cima de mim e prendeu a minha mão e, claro, quebrei alguns dos presentes da sacola. Perdi as contas de quantas vezes prometi matar a minha irmã.
Depois que consegui despachar as bagagens e fiquei só com a bolsa de sacoleiro (superpesada), a mochila, a minha bolsa e dois casacos... Ah, e o guarda-chuva.