Monday, August 18, 2008

À procura da casa perfeita

O trato desde o começo era "nós vamos morar juntas. De preferência, nós três, mas, mesmo que não dê certo, pelo menos nós duas vamos ter a nossa casa". Então, por mais que eu gostasse da minha homestay, do seu namorado (quase meu host cunhado) e de seu cachorro, no meio da minha segunda semana aqui comecei a procurar uma casa.

Achar sharehouses (repúblicas) é fácil. Uma caixa inteira, nem tanto. Na verdade, todo mundo dizia que era tão difícil, mas tão difícil que preferi pecar pelo excesso. Um dia depois de ter resolvido minha vida em relação ao curso (agora, depois ter pago o curso de Public Relations, ter tido que transferir no último minuto para Writen and Spoken English e ter feito um outro curso de inglês por engano durante dez dias, estou fazendo Management), ficamos - eu e minha amiga - procurando casas ou apartamentos, que são poucos, em prédios bem baixos, sem zelador, mas que, ao contrário do que eu pensava, existem aqui em Perth.

Começamos devagar, juntas no computador da biblioteca, com a lista de sites indicada pela moça da escola. Algumas coisas boas, perto do centro, mais ou menos o preço de uma homestay, mas um quarto só, pras duas. Anotamos os telefones, mandamos alguns e-mails.

Vagou o computador ao lado, começamos buscas separadas. Quando vi estava, como de costume, com mais de dez abas do internet explorer abertas, olhando descrição, preço e jogando no google maps pra ver se era ou não viável. Passamos a manhã e a tarde inteira assim. Por dois dias. Quinta e sexta. Na verdade, na própria sexta de manhã, fomos ver as primeiras casas.

Ao contrário do que acontece no Brasil, onde você procura um apartamento, liga pra imobiliária e ela faz quase todo o trabalho, aqui os imóveis estão listados na internet. Gostou? Ótimo! Espere até o dia da visita, porque ninguém vai te levar pra ver o apartamento só porque você quer. Eles têm dias pré-determinados para conhecer a casa e todos os interessados aparecem juntos, por quinze minutos. Se é isso mesmo o que você estava procurando, preenche o formulário e torce muito para que a agência escolha você em vez de qualquer um dos outros interessados. Uma brasileira que a gente conheceu no trem disse que demorou um mês até ser aceita em dos lugares. Daí fez sentido. Por que casa a gente viu que tem, a dificuldade então está em parecer confiável pra agência, o que, para duas garotas que haviam chegado há menos de duas semanas no país, não tinham emprego e muito menos referências, além das respectivas homestays, não ia lá ser muito fácil.

Bom... o normal agora seria contar essa história relatando os mil problemas que a gente encontrou, o número de vezes que fomos rejeitadas pelas agências e os inferninhos em que fomos parar. Mas, infelizmente pra história, felizmente pra mim e pra minha amiga, não teve nada disso. O único quase problema foi o contato com dois vigaristas. Um homem e uma mulher. Ambos colocaram mil anúncios desesperados nos sites de imóveis. Como a gente tava mandando e-mail pra todo mundo, mandamos pra eles também.

As histórias eram parecidas. Ele foi morar no Reino Unido com a família. Ela perdeu o marido e voltou com a filha pro Texas, nos Estados Unidos, onde deve se casar de novo em breve. Os dois estão com seus apartamentos mobiliados aqui, tentando desesperadamente alugar por um preço fantástico. Pra isso, eles te mandam as fotos. Você gosta, manda seus dados, eles preparam os documentos. Os dois assinam. Você faz um depósito sem nunca ter entrado no lugar. Eles mandam as chaves pelo correio. Simples, né? E tá cheio de espertinho desse jeito por aqui, pelo menos na internet. A gente ainda deu corda pro cara, falei por gtalk com ele, mas depois esqueci o assunto, ele também não insistiu.

Por baixo, devo ter mandado uns 30, 40 e-mails para donos e imobiliárias. Mas conhecer mesmo, só quatro casas, duas no sábado e duas no domingo. A primeira era num dos bairros mais queridos tanto por brasileiros quanto por australianos. Subiaco, lugar que dá nome a um estádio de football. O bairro é realmente uma graça. O apartamento, até hoje eu não sei. O lugar lembrava de longe um complexo habitacional, com um monte de casas geminadas, uma em cima da outra. Dois ou três andares, com escadas do lado de fora. Logo que chegamos, um dos nossos possíveis vizinhos, meio indonésio, olhava bem desconfiado. Em seguida, passamos por um velhinho totalmente trêbado. Por fim, o apartamento. Trancado e com uma porta tão suja quanto os outros. Fomos para o segundo do dia. Um estúdio, perto da escola, não tão perto do trem. Mobiliado, mas com só uma cama. Como móveis de segunda mão são baratos, a gente podia comprar outra. O problema era a total ausência de paredes. Nem a maior das amizades sobreviveria a isso. Então, fomos embora.

Se o sábado foi corrido, domingo deveria ser um pouco mais. Tínhamos decidido ver três casas. Uma às 10h30, outra às 13h30 e uma terceira às 16h. A primeira foi cortada de cara. Apartamento de um quarto pelo valor de dois. E sem mobília. Não valia a pena acordar cedo. A segunda casa era meio longe, mas tinha um preço bom, dois quartos e pertinho da estação. Por dentro, eu não tenho idéia de como é. Cheguei meia hora depois do combinado. Fui de trem. não sabia que precisava fazer baldeação, tive que voltar. Desci, fui pegar o trem certo e era o errado. Voltei mais uma vez. Minha amiga estava lá no horário certo, mas não conseguiu achar o endereço. Perguntou pra todo mundo, olhou no mapa e nada. Quando achou que ia ganhar uma informação relevante, recebeu foi um número de telefone, pro caso de um dia ela querer companhia pra sair. Quando finalmente achamos o lugar (por sinal muito perto da estação), só deu pra espiar pela janela. Nem sombra do pessoal da imobiliária. Na volta, conheci o tal cara do telefone, que refez o convite, dessa vez pras duas, de um dia jantarmos ou mesmo irmos a um pub.

A última casa era mais perto da cidade. A dona foi uma das primeiras a responder meu e-mail e inclusive mandou fotos. Casa de dois quartos, bonitinha, mas sem mobília nenhuma. Dessa vez, chegamos no horário, depois de almoçar cochinhas de frango frito dentro própria da estação. A dona veio com o marido e uma amiga. Mostrou a casa, que a gente já conhecia por fotos. Dois quartos bons, um banheiro meio feio, valor do aluguel dentro do aceitável. O único problema era a mobília. Era. Ela respondeu que tinha alguns móveis guardados e que poderia emprestá-los. Ia mandar um e-mail dizendo quais móveis eram esses e quanto iria aumentar no valor do aluguel por isso.

Segunda-feira, quatro dias depois de começarmos nossa busca, estávamos com todos os documentos assinados. Como o negócio foi feito direto com o proprietário, não precisou da tal burocracia de formulários. Bond pago, já tínhamos a nossa casa.

*Bond é uma exigência da lei australiana. Sempre que você aluga um imóvel tem que deixar o valor de quatro semanas em uma conta conjunta entre proprietário e inquilino. Ao fim do contrato, se nada estiver danificado, inquilino recebe todo o valor de volta. Se algo tiver que ser consertado, debita-se do bond. Só se pode tirar o dinheiro com a assinatura de todos os envolvidos no negócio.

Sunday, August 10, 2008

Impotência

Eu não deixo de viajar por conta disso, mas tenho que admitir que não sou a pessoa que mais adora aviões nesse mundo. Concordo que a chance de um avião cair é não sei quantas mil vezes menor do que eu bater um carro. Só que a batida de carro faz menos estrago.

Por tudo isso, pelo medo de pensar que vou ficar tanto tempo sem ver pessoas de que tanto gosto e até por rejeitar a idéia que talvez nunca mais veja alguma delas, demorou pra me emocionar por conta da viagem.

Tinha certeza que ia começar a chorar no arraial, quando estivesse reunida com todo mundo, amigos e família, pela última vez em quase dois anos. Mas acontece que a festa julina passou a ser só para alguns, meus pais não foram e eu queimei minha perna. Acontecimentos que anularam qualquer possibilidade de introspecção. Na verdade, acho que até parei de pensar nela com medo de que o médico vetasse os planos. A preocupação era só em ficar boa logo.

Mesmo aqui, o trauma não foi tão grande. Vim viajar com duas amigas, quase que irmãs, então aquela saudade absurda de carinho, de família, foi meio que suprida. Até nos piores dias aqui, aqueles em que tudo dá errado e a única coisa que você quer é um colo, a gente encontra paz só de ver um rosto querido e poder falar português. O meu problema, então, não é o presente, mas o futuro.

Ainda no Brasil, fui sentir o primeiro aperto mesmo quando me despedi da minha cachorra, bem velhinha já. Diabética, ceguinha e tomando um monte de remédios neurológicos, dá medo pensar no que pode acontecer em um ano e meio. Com o resto dos amigos, é simples. Por tudo isso é que fiquei tão chocada com o que aconteceu.

A mãe da minha amiga disse pra minha mãe que, pelo meu e-mail, parecia que eu estava com medo e acho que estava mesmo. Menos de um mês depois de eu ter queimado minha perna, meu irmão quebra duas vértebras do pescoço. Como o médico tem feito questão de relembrar, ele podia ter morrido, ter ficado paralítico, mas por sorte foi muito menos do que isso. Já fez uma operação, em breve fará a segunda, só pra ajeitar os pinos que seguram os pedaços de osso do quadril implantados na coluna.

Era de noite, ele estava no sítio, pulou na piscina, bateu a cabeça. Dormiu lá fora porque não conseguia andar. No dia seguinte, um pouco melhor, foi levado pro hospital e da lá, de ambulância, até São Paulo.

Não é à toa que fiquei assustada. Quando deixei o Brasil estava com medo de tudo o que poderia acontecer em um ano e meio. Meus pais, minha avó, minha cachorra, até mesmo eu, em meio àquela turbulência horrível entre São Paulo e Joanesburgo. Meu irmão, meus amigos, jovens, fortes, a gente nunca pensa.