Wednesday, September 24, 2008

Surpresa!!!

Chega uma época na vida de todo mundo que a moda é festa surpresa. Muito mais fácil pro aniversariante e quase uma mostra de amizade de quem organiza. Essa quase não foi a tempo, já que eu e minha roommate já tínhamos combinado de fazer uma festa pra comemorar o aniversário dela. Mas daí a terceira amiga me veio com a idéia de festa surpresa - pra minha roommate e pra dela, que fazia aniversário dois dias antes (coincidência: uma taurina e uma virginiana em cada casa; a do dia 4 de maio com uma do dia 20 de setembro e a de 5 de maio com a de 22 de setembro). Eu concordei com a surpresa e a partir daquele momento, ajudada pelo fato de que ela não queria pensar em ficar mais velha, parei de falar abertamente do aniversário.

A festa ia ser no domingo. Meio da semana e nada estava pronto ainda. A virginiana da minha amiga já ia dar duas festas - às quais não pude comparecer porque estava trabalhando -, então ia ser complicado fazer seus amigos irem a mais uma comemoração. A festa virou só da minha, mas não ficou menos difícil por isso.

Eu e a loira (a daqui, não Lucy), passamos da fase de irmãs e viramos praticamente gêmeas siamesas. A gente mora juntas e estuda na mesma escola, por vezes no mesmo horário. Como não temos carro, sempre vamos ao supermercado as duas pra conseguir carregar as compras. Pra completar, ela trabalha no café da manhã, o que significa que só está fora de casa num horário em que nada está aberto.

Comprar as coisas escondido era praticamente impossível, então a gente teve que improvisar. A outra amiga aproveitou um dia que estavam as duas juntas e resolveu passar no mercado e compras coisas teoricamente pra casa dela. Depois, pediu pra deixar as sacolas em casa, já que ela ainda teria que ir pro trabalho. Comprou muita coisa e fez a coitada da futura aniversariante voltar carregada e sozinha.

As coisas pro bolo eu incluí nas compras da semana, o que deu uma ajuda. Mesmo assim, ainda faltou coisa, mas o acaso colaborou e no dia em que eu trouxe as bebidas pra casa ela estava dormindo à tarde. Tudo o que precisava ficar na geladeira eu fui enfiando dentro das sacolas da outra amiga, que ficaram mais de uma semana em casa na esperança de que ela viesse buscar. O resto, tudo pro meu quarto, no chão mesmo, debaixo de cobertores ou roupas pretensamente sujas. Um dia cheguei com uma caixa enorme debaixo do braço, mas joguei o casaco por cima e ela nao percebeu o presente. Já o rolo de papel de presente, deixei do lado de fora da casa até que ela fosse pro quarto e eu pudesse atravessar a casa sem perigo. Tudo estava dando mais ou menos certo.

Pro dia da festa, a outra amiga chamou nós duas prum almoço com uma brasileira recém-chegada, que fazia aniversário no dia 19 e que tem o mesmo nome da minha roommate (muita coincidência pruma história só). Eu inventei uma reunião de grupo como desculpa pra arrumar a festa. Tudo sozinha, já que a gente não arranjou outro jeito de tirar a moça de casa sem envolver uma de nós. Na verdade, a amiga que chamou pro almoço já não iria pro almoço. Ela tinha sido escalada pra trabalhar, mas só ia contar isso em cima da hora, quando as duas com o mesmo nome já estivessem esperando.

O almoço era às duas. Eu chamei as pessoas pra casa às quatro. Contando que ela saíria uns 40 minutos mais cedo, dava tempo. No domingo cedo dei uma pequena arrumada na sala, fiz meu trabalho de escola (que realmente existia, apesar de não ter reunião) e, fingindo que já estava indo pra reunião, fui comprar pães pros brasileiríssimos sanduíches de metro. Quando voltei, vi a cortina da sala aberta, o que só acontece quando tem gente. Liguei, perguntei se ela ainda estava em casa. Sim, ela estava. Perguntei se minha usb ainda estava no computador. Não estava, eu sabia. "Nossa eu não tô ach... AAAAI, ACHEI!!! Nossa, que bom, tava aqui jogada na minha bolsa, mas eu não tava achando. Só isso, beijinhos".

Liguei pra outra. "Oi, então... eu tô aqui na esquiiina de casa, sentada com a sacola de pães. Não... ela ainda não saiu de casa aiiiinda. Isso porque vocêee disse pra ela que era pra ela ir pro almoço de vocês, mas já almoçada, por que não era bem um almoço. Além disso, ela tinha que lavar a roupa justo hooooje, porque senão não ia dar tempo". Apesar dela ter pedido, eu não podia ligar de volta pra outra e mandar ela tomar nisso ou naquilo. Ela é que tinha que ligar, dizer que estava atrasada e que ela precisava sair correndo pra fazer companhia pra menina, que era nova na cidade.

Deu certo, mas eu não sei quanto tempo depois, já que não podia ficar olhando de tão perto. Meia hora depois de ter desligado, cheguei perto e pedi prum cara que tava passando bater na porta pra mim. Entrei e a casa ainda estava cheia de fumaça, o que significa que ela tinha fritado um hamburger antes de sair. Fechei a cortina, que ela esqueceu de fechar, coloquei a música no note e comecei a arrumação. Primeiro o bolo. Enquanto ele assava, fiz os sanduíches. Lavar alfaces, cortar. Depois tomates. Lavar, cortar. Toca o telefone. A indiana pedindo a 3a ajuda pro mesmo trabalho. Disse que estava ocupada, mas enquanto tentava entender o que ela falava, cortei meu dedo. Fiquei brava, cortei também a conversa. Sanduíches prontos, tirei o bolo. Muito baixo. Tinha que fazer outro. Mas a casa tava uma zona. Fui pra arrumação. Um jeito na sala e tudo o que era complicado pra dentro dos armários, inclusive as calcinhas do banheiro. Mudei uns móveis de lugar. Chegou o venezuelano. Já eram quase 4h. Botei o menino pra encher bexigas, ou melhor, globos, já que tento falar em espanhol com ele. Fui fazer o bolo. Chegou a menina de Fiji. Apresentei os dois e pedi em inglês pra ela ajudá-lo com the balloons. Dez minutos depois chegam os dois amigos brasileiros. Conversamos um pouquinho em português. Quando me virei pra apresentá-los, percebi a zona cultural e linguística que estava naquela casa. Muito bom.

Já eram 5h e eu não tinha terminado de assar o segundo bolo quando elas chegaram. Em compensação, a mesa estava linda, toda posta, com meu lençol todo colorido no lugar da toalha de mesa, que ainda está na lista de compras. Eu tinha mandado mensagens pedindo pra elas atrasarem, mas não dava pra enrolar mais. O bolo mesmo, decorado, com brigadeiro e morangos na cobertura e no recheio, só ficou pronto duas horas depois do combinado. Mas naquele momento já tinha desencanado de tudo, da hora e de me trocar. Dessa última parte me arrependi depois, quando vi as fotos do meu cabelo todo despenteado, a blusa amarrotada, meio fora de lugar, e o olho preto do resto da maquiagem do dia anterior.

A festa, por sua vez, foi ótima. A amiga taurina chegou trazendo as três virginianas. Conversamos, bebemos, comemos muito. As três cantaram parabéns e apagaram as 26 velinhas (1 grande pra uma, 1 grande pra outra e 24 velinhas de palito bem juntinhas pra terceira, já que essa foi comprada no próprio dia e era a única opção). O fogo acumulado das 24 velinhas foi maior do que o esperado e possivelmente teria disparado o alarme de incêndio, já a nossa casa tivesse um. As últimas a chegarem foram as primeiras a ir embora. Nas horas que se seguiram até o resto pegar o último trem, representantes de Brasil, Fiji e Venezuela se alternaram mostrando na internet suas músicas e danças típicas. A menina de Fiji dando um show à parte, seja na hula, no samba, axé, forró ou funk. Pra minha amiga que adora culturas diferentes, a festa não poderia ter terminado melhor.

Tuesday, September 16, 2008

Fim de uma era

Ela se foi. Depois de tantas vezes que fiquei com medo disso acontecer, ela se foi. Já não comia, não bebia água. O cérebro não funcionava mais, não dizia que ela precisava fazer esse tipo de coisa.

Não posso dizer que fiquei chocada. Quando o telefone tocou, já esperava a notícia. Quando vim pra cá já tinham me dito que provavelmente ela não ia conseguir me esperar. Mesmo assim, foi de repente que ela piorou.

Amanhã completo dois meses fora do Brasil. Há várias formas de ver isso. Eu prefiro pensar que ela se esforçou pra me esperar ir embora e só então poder descansar.

Sunday, September 14, 2008

As pedras e o mato deles

A primeira vez que ouvi falar de Pinacles foi quando ainda estava em homestay. A outra estudante que morava comigo ia fazer uma excursão pra lá no mesmo dia em que eu me mudava. Por isso, quando eu e minha amiga vimos que a nossa escola oferecia esse passeio - a um preço bem menor do que as agências comuns - logo nos animamos. Nem mesmo o trabalho atrapalhou, já que a princípio, nenhuma das duas trabalhava naquele sábado (no fim, ela acabou trabalhando, mas à noite, só). Em compensação, trabalhamos na sexta até as 2h da manhã. Quatro horas depois já estávamos (tentando nos manter) de pé pra pegar o ônibus.

Pinacles é um dos locais turísticos mais famosos da Western Australia. A imagem típica é uma foto alaranjada de uma rocha enorme no meio do deserto. Isso era tudo o que a gente sabia. O que a gente não sabia é que o lugar fica a 280 quilômetros da cidade, o que, com a velocidade reduzida do ônibus, fez a gente andar mais de quatro horas pra chegar no lugar. Grande parte do tempo passamos conversando com o nosso guia, um decendente de polonês que trabalha no setor de estudantes internacionais da escola e cuja idade eu não tenho idéia.

Ele aparenta não ter mais do que quinze, mas sei que tem mais. É loiro, baixinho, sem barba alguma mas já terminou a faculdade. A contar pelas milhares de dicas (escritas todas em post-its) que já nos, parece ser um exímio conhecedor das baladas e pubs de Perth. De tão simpático, talvez perca o emprego. Na hora de não efetivá-lo, o pessoal da escola reclamou que ele dá atenção demais aos estudantes e que deveria ser mais burocrático. Felizmente, ele não levou o conselho a sério.

No começo da viagem, ele só conhecia nós duas e o motorista. Na volta, era praticamente amigo de todos os alunos do ônibus. Um deles ele não só conheceu como nos apresentou. Era venezuelano. Está aqui há um ano e meio e ficou com os olhinhos brilhando quando minha amiga começou a puxar assunto em espanhol. Aparentemente, os resto dos latino-americanos não gostam tanto da Austrália como os brasileiros e por isso, ele largou os amigos indianos e passou o dia conosco, matando a saudade da lengua madre. Os dois falavam espanhol, o que eu até achei divertido, já que conseguia entender perfeitamente. Já na hora de responder, me confundi toda e alternava entre o inglês e uma tentativa de espanhol - "pra não quebrar o grupo" - misturada com português e italiano. A minha cabeça ficou numa zona tão grande que por vezes saía, dentro da mesma frase, uma palavra em cada língua.

Saímos às 8h. Meio-dia e tanto, depois de uma parada pro toilet, uma pra comer e alguns poucos minutos de sono, estávamos num parque pequeninho, de 5 km e cuja única atração - como bem definiu o motorista - eram pedras.

Um monte de pedras de formatos diferentes no meio do deserto, algumas de pouco mais de dois metros, outras ainda menores, o que me faz entender porque nenhuma das fotos tinha gente do lado. Se as pessoas soubessem o real tamanho dos Pinacles, ninguém perderia seu dia pra isso.

Já que não tinha muita graça ficar olhando, tiramos fotos. Um monte delas. Mais divertido do que tirar a foto era subir nas pedras. Com o tempo, foi-se criando quase que degraus nelas. Mais fácil que subir em árvores.

Passamos assim uma hora e meia. Depois, hora de enfrentar o caminho de volta. Quando a gente pensava que o programa de índio tinha acabado, voltamos à parada do toilet. Lá, nosso guia (que no começo da viagem me perguntou se eu sabia alguma coisa sobre o lugar pra onde estávamos indo, já que tinham perguntado e ele tava com vergonha de não saber) fez questão de nos mostrar as wild bushes, ou seja, a vegetação nativa da Austrália, o que, em trocando em miúdos, significa "mato". Pura e simplesmente mato.

A vegetação australiana, pelo menos a daquela região, é muito seca. As plantas não têm a cor viva do Brasil. São baixinhas, na sua maioria, têm folhas pequenas e por vezes fininhas, pra não perder água (se estivessem num jardim, minha mãe arrancaria todas). Uma coisa realmente interessante é que tem uma planta que precisa de fogo pra florescer. A semente fica dentro de um fruto seco e meio poroso. Pra liberá-la, os aborígenes (os índios deles) colocavam fogo perto da árvore - isso quando o fogo não acontecia naturalmente. Outra coisa diferente é que os mesmos aborígenes usavam a seiva de uma planta pra fazer uma cola mega poderosa. Mas isso os nossos índios também faziam.

Me senti meio idiota tirando foto daquilo tudo. Nunca que eu ia tirar foto do mato brasileiro, então por que tirar da versão aussie? Mas o moço é todo simpático, tinha resolvido incentivar. Isso até o momento em que ele foi mostrar o cocô de canguru, daí eu desencanei - o bicho mesmo a gente não viu, mas os vestígios dele estavam lá. E teve gente que ainda tirou foto.

De todas as plantas, só duas se destacavam pela beleza. As duas que não eram da Austrália. Foram trazidas pelos europeus e os passarinhos se encarregaram de espalhar. Nativo mesmo era tudo pequenininho, fragilzinho, feinho. Atração só pra turista.

Saturday, September 13, 2008

Impotência, again

Sei que tudo tem um começo e tudo tem um fim, mas não sei se um dia vou ser suficientemente madura pra aceitar. Ao mesmo tempo que queria estar com você, sei que não adiantaria muita coisa. A cabeça já não funciona direito. Há dois meses, o rabo mal abanava quando me via. Agora, parece que está na mesma ou pior. Cada vez mais no seu próprio mundinho e menos no nosso. É triste, no mínimo.

Estar aí, com você no meu colo seria quase que como um reconhecimento por todos esses quase 15 anos que a gente tem passado juntas. Quinze anos. Mais do que muitos casamentos. Uma vida inteira, literalmente.

Dizem que depois de um tempo só vemos as coisas boas nos outros. O rosto de um bom velhinho esconde tudo o que ele já fez de ruim na vida. Bem, quando jovem você foi tudo, menos bobinha. Nem parece que essa senhora de idade, com pêlo todo branco e que anda curvadinha, batendo a cabeça nas paredes, já caçou tantos bichos, já arranjou tantas brigas (com outros bichos, somente). Em todas as vezes, por mais que soubesse que seria punida, voltava com aquele ar de missão cumprida.

É a minha menina mais velha, primeira e mais forte de todas. Cada uma tinha seu jeito especial, personalidade mesmo, e todas vão ficar pra sempre no meu coração. Uma mais quietinha, a outra mais arteira, a quarta ainda uma criança. Você é a mais parecida comigo. Orgulhosa, por vezes arrogante, mas sempre amigável, feliz.

Muitas vezes fiquei com medo de que o goodbye fosse acontecer logo, mas a gente superou juntas. Calcificação da medula, câncer de mama, diabetes. Agora, essa espécie de Alzheimer. Doença horrível que degenera aos poucos, fazendo os pacientes perderem lentamente a contato com o mundo.

Tem gente que não entende como alguém pode se apegar tanto assim a um bicho. Bem, só o que posso dizer é que toda a dedicação valeu mais do que a pena. Toda criança precisa de um animal de estimação. Com eles a gente aprende a ter responsabilidade, a dar e receber carinho, a não acumular sentimentos ruins (ou esquece ou vai lá e resolve, mesmo que resolver signifique fazer xixi no meio da sala, só pra descontar). No fundo, crescemos as duas juntas.

Dizem que você nem sabe se estou ou não do seu lado. Sei que estão te tratando muito bem. Mas queria eu estar cuidando de você. Me sinto culpada por não ter feito mais. Faltou muita coisa. Você é a minha menina. Agora, já que eu não posso estar contigo, a única coisa que peço é que você fique bem.

Sunday, September 07, 2008

Ai que raiva

Alguns sentimentos são bons. Outros, ruins. Óbvio não? O problema é quando o sentimento trafega entre os dois extremos.

A raiva, por exemplo.

Sem pensar acho que todo mundo responderia que ela é um sentimento ruim.

Será?

Sentir raiva de algo pode ser um turning point na vida do ser humano. Depois dela, reagimos, mudamos, enfrentamos o que a causou. E isso é bom!

Poucas coisas me dão tanta raiva quanto perceber que algumas coisas só acontecem comigo.

Por exemplo, o que Carrie, do Sex and The City, chama de DD (Disastrous Date, ou algo parecido). É impressionante como tudo o que dá certo em qualquer casal do universo não funciona comigo. O amor mútuo, a vontade de experimentar as coisas juntos, o desejo de estar sempre por perto, o acordar ao lado... Se uma Jones atrai idiotas, e outra atrai pessoas esquisitas, eu nem consigo definir que diabo de pessoas eu atraio. E o relacionamento então? É qualquer coisa que passe longe de um namoro. E qualquer coisa que chegue perto do niilismo. Será que posso classificar a tranqueira emocional que vivo com o glamuroso DD da Carrie?

Outra coisa que me irrita profundamente são aquelas pessoas, que NEM são suas amigas, fazendo previsões sobre a sua vida com todo conhecimento de causa do mundo. Há mais ou menos meio ano ouvi de uma delas, do alto do seu conhecimento inexistente sobre mim e sobre o que eu estava vivendo, que eu tinha de sair fora do relacionamento (que ainda levo) porque eu era muita nova, não “merecia” passar por aquilo tudo.

Antes tivesse entrado por um ouvido e saído pelo outro.

Agora, acabei por experimentar um novo tipo de raiva, ainda mais forte. Quando duas situações que já me irritavam profundamente se encontram na vida. Chegar à conclusão que a guruzinha de meia-tigela estava certa sobre o não-relacionamento que estou levando é desolador.

Não, ele não me faz bem. Não, ele não tem sido legal comigo. Não, ele não quer nada sério.

Eis que surge a grande vantagem da raiva. A vontade de dizer chega! Não quero mais nenhuma das duas coisas. Não quero ninguém cuidando da minha vida. E ninguém se aproveitando da minha boa vontade emocional.

Ta vendo, a raiva pode ser boa. Mas que todo mundo quer se livrar dela rapidinho, disso eu não tenho dúvidas.

 

Tuesday, September 02, 2008

Coleguinhas

- Você fez o trabalho?
- Sim, eu fiz!!! Fiquei até as 5h da manhã fazendo, mas tá aqui! E você fez?
- Não... eu não sabia o que escrever. Ei, M***, você fez o trabalho?
- Não, não consegui. Minha melhor amiga sumiu.
- Sumiu, como assim sumiu?

Há menos de uma semana, esse menino, desempregado, do nada quase ficou na rua depois que o primo devolveu a casa onde eles viviam e foi pra Sidney. Tudo o que faltava era a melhor amiga do coitado desaparecer.

- É, sumiu... eu fui na biblioteca e ela não tava lá. E eu fui lá tendo certeza que era só que pedir ela ia me ajudar no meu trabalho de networking. Então, não fiz.

Ele falava isso dando risada. Terminou a frase e continuou sorrindo pra mim. Não só ele como todos na roda. Eu tentava entender. Alguns segundos depois, caiu a ficha.

- Ahhh, eu sou sua melhor amiga???

Como já disse, eu tinha dormido só duas horas, depois de passar a madrugada fazendo um trabalho monstruoso que deixei pro último dia. A lerdeza de pensamento tinha desculpa.

- hahaha é, eu não tava na biblioteca. Ontem fiquei fazendo o trabalho em casa.
- Se eu soubesse onde é tua casa, teria aparecido pra você me ajudar.

E pior é que não era difícil. Como disse uma amiga, tem algumas coisas que nunca mudam. Uma delas é que eu não durmo. A outra, que atraio gente estranha.

O cara em questão é um zambiano de 21 anos, mas que parece ter 18. Apesar de estarmos no mesmo grupo, sentados lado a lado, a gente só começou a conversar depois de quase uma semana. Ele é meio arisco no começo. Evita dizer que veio de Zâmbia, já que ninguém sabe onde fica e aparentemente australiana não morre de amores por negros e/ou africanos. Como eu vim do Brasil e sabia (vagamente) onde é Zâmbia, ele meio que abaixou a guarda. Do nada, passou a vir a todo instante pedir minha ajuda com os trabalhos, com o computador e até me chamou pra sair. Era tão dependente que quase o mandei à merda várias vezes. Xaveco? ? Não. Simples indolência.

Depois de duas semanas de aula ele me ligou desesperado porque o primo com quem ele morava foi viajar. Ele precisava entregar a casa e não tinha onde ficar. "Oi, Patty? Aqui é M***. Onde você está? Uma pergunta: o quão grande é sua casa?" - como a maioria do povo que vem morar aqui, ele antes de dar oi te faz um interrogatório, O "onde você está?" é sempre a primeira pergunta e vem antes até do "tudo bem?". É quase invasivo. As pessoas que vem pra cá ficam carentes, precisam de amigos e às vezes ultrapassam os limites do aceitável. Pelo menos do brasileiramente aceitável - Ele queria ficar em casa por um tempo, pelo menos o final de semana, e eu tinha acabado de mudar com a minha amiga.

Por mais que tenha ficado com pena do menino, não deixei ele dormir lá. Um porque não acreditava que ele sairia depois Dois porque naquele final de semana já tinha marcado de sair sexta e sábado. Não ia ficar me preocupando com alguém semi-estranho em casa. Nem eu nem minha amiga queríamos ninguém lá, mas não deu muito certo. Meia hora depois uma menina de Fiji da sala dela ligou. Como sempre, "onde você está?". As duas só tinham conversado uma vez na vida, mas ela queria sair. A irmã foi viajar, ela não pretendia ficar em casa nem dormir sozinha. Eu e minha ainda brincamos que poderíamos apresentar o meu amigo pra amiga dela. Os dois resolveriam seus problemas e quem sabe até arranjavam mais um. Mas isso ficou só nos planos, já que a cara de pau não foi tanta. Lógico, ela podia sair com a gente, mas não foi suficiente. A menina queria ir naquele momento pra nossa casa e ficar por lá. Insistiu muito pra isso. De novo, fiz o papel de chata e não deixei. A gente precisava descansar, fazer compras, lavar roupa...

Nos encontramos à noite. Ela saiu conosco, perdeu o ônibus e acabou dormindo em casa, mas ninguém achou ruim. Mesmo forçando a convivência, foi divertidíssima. Dançando a la EUA, quase esfregou a bunda nos caras da balada. Pagação de mico à parte, deu pra dar muita risada.

Entre os coleguinhas, uns são mais perdidos, outros menos. Eu tenho imã pros mais. E no fundo, gosto. Engraçados ou não, eles sempre são diferentes, têm algo de especial. Durante as aulas, além de M***, normalmente estou com duas mulheres. A primeira é uma indiana de 25 anos, casada, com filho. Ela fala baixinho, baixinho e pede ajuda pra tudo, já não entende muito bem inglês e muito menos de informática (no primeiro dia de aula eu tive que mostrar como se faz pra colocar underline em um endereço de e-mail). A outra é uma filipina de provavelmente 30 e tantos anos (ela se recusou a me dizer a idade certa). Depois ter fugido de homens a vida inteira "por medo de sofrer", ela veio há dois meses pra cá pra se casar com um australiano que só tinha visto uma ou outra vez. Em comparação com a outra, essa entende um pouco menos de inglês e um pouco mais de informática, visto que já sabia como colocar o underline. A diversão foi perceber que ele desaparece quando você sublinha a frase ou e-mail. "Olha, olha! Agora você vê... agora você não vê! Percebeu? De novo...".