Friday, October 09, 2009

Hurra Fiji

ou Uma Jones no país que não fabrica chocolate

Olhos bem amarelos e com uma catarata demarcada pela pupila cinza. O senhor que rezava ajoelhado de frente para a imagem da deusa-elefante me viu sozinha, passeando pelo templo e resolveu compartilhar a história da edifício. Extremamente colorido, o prédio demorou um ano para ficar pronto, já que todo o trabalho foi feito por apenas um homem, que veio da Índia especialmente pra isso.

Tão interessante quanto o próprio lugar, era aquele senhor, cuja idade eu não sei, o nome não consegui pronunciar, mas que vou lembrar pra sempre pela forma como andava devagar e pelas palavras que recitava baixinho enquanto não falava comigo. Perguntei se a oração hindu era parecida com a do budismo e ele confirmou - vai ver viciou em evocar mantras.

Para entrar no templo hindu de Nadi (se fala Nandi), em Fiji, o visitante precisa pagar uma pequena contribuição, de FJ$ 3,50, mas não é só. Na frente de cada imagem, tem uma caixinha de doações. "Aqui se paga para rezar. Olha só, esse é igual ao ministro da economia", brincou o homem, apontando para uma das imagens de metade bicho, metade mulher, com a caixinha de madeira ao lado.

Brincadeiras à parte, não é só para rezar que se paga em Fiji. A população parece menos pobre do que em Bali, mas os problemas, típicos de país que vive só de turismo, são parecidos. Na ilha em si não tem nada para se fazer, o centro é pequeno, os artesanatos e souvenirs não surpreendem e os preços não são baratos. Para piorar, o país tem sido vítima de uma imigração constante, de indianos ´principalmente. O povo vem, trabalha muito, ao contrário dos locais, faz dinheiro e toma conta da economia. Muita gente usou o fato de ser de Fiji e não indiano para que comprasse suas peças, mas diferente de Bali, aqui não é um paraíso de compras.

A única vez que comprei alguma coisa foi num mercadinho local, onde levei a réplica de uma máscara usada como escudo na época em que os fijianos eram canibais, o que não faz mais de 200 anos. Pra meu desconforto, todo souvenir que achava bonitinho já teve uma função medonha. Um era o escudo, o outro o quebra pescoços, também tinha o martelo pra quebrar crânios, a faca pra cortar carne humana e por fim, o garfo pra comer o cérebro. Nunca me arrependi tanto de ter perguntado se um artefato tinha história, mas depois de toda a boa vontade do vendedor, não dava pra voltar atrás. Aliás, gostei tanto dele que, quando o moço citou o rugby pra mostrar que ainda existiam fijianos grandes, quase o convidei pra ir no jogo do final de semana comigo, mas a lenda que ele contou a seguir, sobre o como é importante que o homem fijiano seja mais poderoso que a mulher, me fez mudar de idéia.

O templo e a feira de artesanato, mesmo que pequena, eram duas das poucas coisas boas pra se fazer na ilha principal de Fji. Lá, pela primeira vez, percebi como um turista deve se sentir no Brasil. A cor de pele já condena à segregação e à proteção forçada. Tudo bem que as melhores paisagens estão mesmo nas ilhas menores (ao todo Fiji tem 300 ilhas), mas eles podiam ter pelo menos me dito como chegar nas praias de Nadi, onde minha amiga morava. O problema é que as praias da ilha principal, além de não serem tão bonitas, são consideradas perigosas por serem de livre acesso aos locais. De nada adiantou dizer que era do Brasil, que conhecia esses problemas. Pra ver algo de realmente interessante in Fiji não basta só pegar o ônibus. É preciso pegar o barco e o passeio de ida e volta não custa menos de FJ$ 120. A hospedagem era barata e como passar a noite dava quase no mesmo preço de ir e voltar no mesmo dia, acabei decidindo trocar temporiamente a casa da minha amiga por uma dessas ilhas.

A idéia inicial era aproveitar a boa vida de Fiji e ainda conhecer a ilha de verdade, de vilas e gente simples, mas foi um pouco mais de realidade do que gostaria. Enquanto todos do barco iam prum albergue famoso, de uma rede internacional, eu era a única do local Joanas' backpacker.

A praia de Mana Island era realmente linda, com o mar de um azul que parece de mentira, como diria minha mãe. As casas de madeira acho que também eram igual pra todo mundo, mas a qualidade das instalações era bem diferente. A eletricidade vinda de gerador era das 18h às 23h e só, o suficiente pra colocar alguma coisa pra carregar. O banho, cuja água vinha de um caninho enferrujado num quartinho imundo, era frio, e a chama da vela, que queimava torta em cima da pia, mal ajudava a ver as poças no azulejo velho - e coitada da minha blusa que caiu no chão. A comida inclusa no pacote era rala em quantidade e nutrientes, mas como não tinha outra opção, acabei me rendendo a sopa de pepino e mandioca cozida. E por fim, ao contrário do que acontecia no albergue ao lado, no Joanna's não tinha mais quase hóspedes ou atividades de recreação.

Naquela noite, pela primeira vez, acordei feliz depois de sonhar que estava de volta ao Brasil.

Voltei pra Nadi no dia seguinte e - pra compensar a experiência ruim - no sábado fui para uma outra ilha, mas dessa vez com essa minha amiga e um casal conhecido. O moço trabalhava no navio de uma das inúmeras empresas internacionais que exploram o turismo do país e por isso fomos quase de graça. Em vez de pousada pequena, um resort internacional. Foi snorkling, canoagem, vôlei de praia, banho de sol, comida(boa) e bebida à vontade acompanhados de showzinhos de dança. Tudo bem tranquilo, à vezes até demais. Pra quem não está acostumado o tal Fiji Time chega a ser irritante, já que é mil vezes pior do que o jeito baiano de ser. Ali, dizem que quem anda muito rápido leva multa - e eu perdi a conta de quantas vezes ouvi isso.

Depois de um dia perfeito, dá até pra entender porque tanta gente fala do arquipélago como um lugar paradisíaco. Minha consciência bem que tentou reclamar - afinal, por seis meses estudei o quão ruim é preferir empresas de fora a locais em países em desenvolvimento - mas foi sufocada pelo cansaço depois de um dia inteiro fazendo nada.

O único problema realmente não resolvido é que como é muito pequeno, Fiji não tem produção de quase nada. Eles têm a água mineral de Fiji e a Fiji Beer, em duas versões, por sinal, a Gold, cerveja sem carboidratos - e a Bitter, versão mais pesada. Outro produto que eles adoram é a tal da mandioca, que eu nunca fui fã. De resto, tudo importado, e daí salgadinho é caro, bolacha é caro e, principalmente, chocolate é caro! Tudo porque têm que vir da Australia ou Nova Zelândia. E eu, que tinha decidido ficar sem chocolate até sair de Melbourne, tive que aguentar mais cinco dias até chegar em Auckland.

Saturday, October 03, 2009

Fechando o quebra-cabeça

Minha saída da Austrália tinha sido repentina. Depois de negociar com meus pais a data e ver o melhor preço, comprei a passagem pro dia 18 de agosto, treze meses e um dia depois de ter deixado o país. O quebra-cabeça parecia estar fechado, mas ainda faltavam umas pecinhas no meio. Meu vôo saía de Auckland, na Nova Zelândia, mas como e quando ia chegar lá só foi decidido em cima da hora.

A única certeza é que em 13 de julho, sábado, tinha uma passagem de Townsville pra Brisbane. Lá, encontraria com as meninas de Perth. Faríamos uma viagem de dez dias pela costa leste. No dia 21 elas voltariam pra Western Australia e só então eu iria decidir o que fazer da minha vida. O mais provável é que depois de passar, sozinha, uma temporada na casa de uma amiga em Melbourne, fose pra Fiji e Nova Zelândia, só pra cansar bastante e voltar sem deixar nenhum plano pra trás.

A passagem de Sydney pra Melbourne foi de trem, o que poderia ter sido bonito se não tivesse feito durante a noite. Cheguei em Melbourne à 8h da manhã e a cidade, como havia já esperava depois da aula de planejamento urbano, é maravilhosa.

Melbourne respira cultura, que vai desde os showzinhos de contra-baixo e violoncelo que acontecem em vielas no centro - onde as pessoas, muito bem vestidas, se sentam em caixotes de feira pra almoçar - até as inúmeras galerias de arte, biblioteca, teatros, e brechós espalhados pela cidade.

O sistema de transporte funciona e a cidade é toda desenhada para incentivar o uso da bicicleta em vez do carro. O problema, como também já esperava, era o frio. Melbourne, fica numa latitude menor do que a do sul do Brasil e, pra quem estava acostumada com o calor de Townsville, manter o bom humor em temperaturas com apenas um dígito é uma coisa complicada.

Emprego, ao contrário do que esperava, estava razoavelmente difícil e daí, em vez de continuargastando em uma mesma cidade, decidi usar meu dinheirinho em um lugar diferente e de cotação mais baixa; adiantei a saída da Austrália pra ficar dez dias na Nova Zelândia e cinco em Fiji, não necessariamente nessa ordem.

Pra NZ eu fiz toda a programação antes, afinal é um país grande pra tão pouco tempo. Pra ver tudo o que queria, ia fazer 7 cidades em 9 dias. Já pra Fiji, país pequeno, na hora a gente vê. O que a gente não lembra é que prum quebra-cabeça dar certo, todas as peças, mesmo as menorzinhas, devem estar no lugar.