Thursday, April 09, 2009

Vida de estudante

Por que o peru entrou na sala de aula?
Porque a porta estava aberta
(E porque tem muitos perus na faculdade)

James Cook University não é uma das maiores faculdades do mundo. A USP, por exemplo, deve ser umas dez vezes maior. Mesmo assim, ela é importante, reconhecida internacionalmente como uma das melhores em biologia marinha e conservação ambiental.

Apesar disso, confesso que ela não era minha primeira escolha. Antes de decidir me mudar pra Townville, preenchi e paguei application forms in outras duas universidades: Griffith e University of Queensland - ambas também muito boas e baseadas em Brisbane. O problema é que é normal das instituições demorarem muito pra dar resposta e eu tinha prazo pra resolver meu visto. Então, quinze dias antes dele expirar, procurei uma última opção antes de desistir e voltar pro Brasil. Achei a JCU, em Townsville, cidade pequena, com 160 mil habitantes, e a mais de 1500 km da capital. Mesmo assim, era em Queensland, o estado mais bem conceituado em ambientalismo. Resposta foi rápida, aqui estou.

Bicho grilo assumida, sempre tive na Cidade Universitária, em São Paulo, o meu ideal de faculdade. Tudo o que eu queria era ter aquelas arvorezinhas pra ficar encostada, tomando sol, entre uma aula e outra. Por melhor que seja em jornalismo, a Cásper, naquele bloco de concreto antíquissimo no meio da movimentada, barulhenta e sensacional Av. Paulista, deixou esse vazio, agora preenchido.

Logo no primeiro dia de JCU, fiquei fascinada. Um monte de área verde e passarinhos pra tudo quanto é lado. Na primeira aula, de Gestão de Recursos Terrestriais, pensava na diferenças entre uma faculdade e outra - coincidentemente, foi nesse exato momento que o tal peru entrou na sala.

Por mais que a maioria dos jornalistas se vista informalmente, durante os quatro anos, só uma vez tinha visto um professor entrar na sala usando camisa estilo havaino, bermudas e papetes. Aqui, todos os meus professores, sem exceção, se vestem desse jeito. Nos mais velhos, a barba e o cabelo branco completam o estilo de pesquisador de Mata Atlântica. Outro deles, mais novo, simplesmente desistiu do sapato e freqüentemente dá aulas descalço. Tudo bem natural.

Nos trabalhos, a história é ainda mais interessante. Numa das viagens de campo, a diversão foi passar três dias acampados em um parque nacional, medindo circunferência de troncos, distância entre árvores e cortando grama com faca - nem sempre afiada. O objetivo? Descobrir quanto de carbono está estocado naquela área - programa de índio, mas muito chique né?

Como era de se esperar, os alunos também são diferentes (de Perth e de São Paulo). Aproveitando o fato de que TSV é muito quente, é difícil encontrar alguém usando calça comprida. Todos estão sempre de shorts ou bermudas. Vestidos e saia tem até menina que usa, mas também não é tão comum quanto era em Perth, já que o pessoal daqui é mais despojado do que o da Western Australia.

Além disso, como nunca vai estar muito frio pra sair na rua, bicicleta é um dos meios de transporte mais comuns. Mesmo quem tem carro usa bike freqüentemente, mas essa parte da história vai ficar pra depois.

Wednesday, April 01, 2009

Quando o peixe foge da água

Não tinha mistério nenhum. Depois de preencher a ficha, a moça só pediu pra voltar e fazer duas horas de teste. E de todos os trocentos bares que já trabalhei aquele era de longe o mais simples. Pra exemplificar, dizia que era como um daqueles botecos do Brasil (coisa que há muito tempo aqui não via), mas hoje achei uma comparação ainda melhor. O nome do lugar terminava como centro social esportivo e recreativo. Um grêmio, bem daqueles que meu pai adora nas cidades vizinhas a São Paulo. O público, por sinal, lembra um pouco aqueles velhos senhores, de jeito simples, sotaque forte e aparência descuidada. Fidelidade e presença diária são recompensadas pelos atendentes, que conhecem todos pelo nome e nem esperam o pedido pra pegar o copo do tamanho preferido e a bebida de sempre.

Assim que entrei, mais da metade dos 20 homens que ocupavam o bar parou pra olhar, mas isso eu já esperava. Não deve ser comum mulher desacompanhda entrar ali. O que eu não esperava é que fosse ver de novo aquele estilo de garçonete. Loira, cabelo comprido até a cintura, nada na parte de cima e só uma pequena tanga na parte de baixo. Mas, dessa vez, não era um aniversário em festa fechada, era num bar, e ela não servia bebida, vendia rifas. Pra quê? Pra carne! O sortudo que fosse sorteado levava pra casa uma bandeja com vários e diferenciados pedaços de carne! Mais ogro, só se eles comessem ali, cru, na hora.

Cheguei e fiquei meio sem graça. O ambiente era ruim, mas ninguém nunca morreu por trabalhar em lugar esquisito, então comecei a fazer o que sei de melhor (pelo menos aqui na Austrália): servir bebidas. Depois da primeira cerveja, já me senti mais em casa. No segundo pedido, entendi o cara queria, abaixei, peguei o copo, fui até a caixa de isopor (!!!) onde eles deixavam o gelo, coloquei no copo, servi a dose de rum e peguei a latinha de coca, já que nem refrigerante de máquina pra misturar com destilado eles tinham. Quando me viro, vejo uma bolinha de papel passando entre o meu quadril e a lata de lixo. Em seguida, o gerente, que nem tinha se apresentado, vem na minha direção e fala sério "fecha o teu zíper, que está aberto!"

O zíper que fica na parte de trás da minha saia estava quebrado e inteiro aberto, deixando à mostra um pedação da minha calcinha. Pra piorar, o balcão ficava no meio do bar, num ambiente mais ou menos parecido com o bar de "O Cheiro do ralo" (a semelhança também está no fato de que, assim como acontecia com a personagem do filme, chamada simplesmente de "a bunda", muitos clientes não entendiam de jeito nenhum meu nome, por mais que eu forçasse o sotaque). Naquele momento fiquei com medo de que a tal bolinha de papel não estivesse direcionada para a lata de lixo. Menos mal que não entrou, nem na lata, nem na saia.

Por mais que eu tentasse, não conseguia fechar. Depois de cinco minutos checando a cada vez que abaixava e tentando cobrir o rombo com a blusa que graça aos céus era semi-comprida, fui até o banheiro e consegui dar um jeito com um elástico de dinheiro que achei dentro do caixa.

Por mais constrangedor que fosse, não vou dizer que não combinava. O bar já tinha os clientes esquisitos, uma mesa pra apostas em corrida de cavalo, o balcão mais grudento que vi na minha vida, uma atendente feia, uma mulher de peitos de fora vendendo rifas, poças d'água dentro do freezer, um isopor pra guardar gelo, garrafas de suco e leite reutilizadas guardando a água que seria dada aos clientes e dois cachorros dormindo na porta. A outra atendente com a saia aberta era a única coisa que faltava naquela cena.

Ficou faltando. Mesmo assim, fui contratada. Por uma semana, até que fiquei amiga dos clientes e briguei com o dono. Daí, não mais.

A ameaça vem do ar (e pelo mar)

Amanheeece na cidaaaade de Toooownsville...

O sol apareceu nesse pedacinho do assim chamado Sunshine State, trazendo mais um dia de calor absurdo. Às 8h da manhã já fazia mais de 20 graus, os passarinhos cantavam e havia em média de uma lagartixa por metro quadrado, como acontece sempre.

Entretanto, nem tudo era estava tão calmo quanto parecia. A notícia divulgada na noite anterior de que Queensland estava na rota de um recém-detectado ciclone tropical deixou a população um pouco apreensiva.

Ciclones e furacões são fenômenos atmosféricos causados pela diferença de pressão em alto mar - num esquema e com algumas diferenças que eu tentei entender mais ou menos pra explicar aqui, mas não deu muito certo. Na prática, ambos são compostos por ventos circulares e chuvas muito fortes. Um ciclone tropical categoria 5 (a mais alta delas) pode ter ventos com velocidade acima de 249 km/h. O menor dos ciclones, de categoria 1, tem ventos de 118 a 152 km/h.

No Brasil, de vez em quando acontece uma tragédia ou outra, tipo as tempestades no sul, os alagamentos em São Paulo e em outras grandes cidades, mas nada assim. Foi por isso que eu arregalei o olho e comecei a dar risada de nervoso quando o moço da faculdade me falava, na maior naturalidade, que logo iam começar as novas temporadas de bush fires (os incêndios florestais, que há cerca de um mês mataram mais de 150 pessoas no sul do país) e de ciclones.

Os bush fires eu não sei, mesmo porque ainda não chegou a hora, mas duas semanas depois do moço ter me falado dos ciclones o primeiro apareceu. Por sorte, nessa época já tinha arranjado um lugar pra ficar e não estava mais em albergue. Daí fiquei mais tranqüila, já que a dona da minha casa, agora com 71 anos, já estava mais do que acostumada, depois de passar por muitos e muitos ciclones nessa vida.

Ela, assim como ele, na maior tranqüilidade do mundo, veio me explicar que os ciclones acontecem direto. Por sorte, já faz algumas décadas que Townsville não era atingida seriamente. "O que acontece são chuvas fortes, ventos, nada demais. Quer dizer, de vez em quando você vê umas telhas, umas árvores voando, sim, mas isso é porque com as chuvas a terra fica enxarcada, deixa as raízes expostas e daí fica mais fácil do vento arrancar as árvores do chão". Enquanto ela explicava eu só me imaginava andando na rua nesse mesmo momento. Com chuva ou sem chuva, se o vento era capaz de arrancar uma árvore do chão, as chances de eu sair voando feito Mary Popins sem guarda-chuva (já que os guarda-chuvas comprados em supermercado quebram em cinco minutos) eram muito grandes. Mas ela continuou e explicou que para evitar esse problema, os moradores quando vêem uma árvore já meio morta ligam pra prefeitura que faz a retirada, evitando que ela seja levada com o vento. Antes de ciclones, eles também revisam telhados e tiram as telhas velhas antes que a Natureza o faça, daquele jeito bem de mãe mesmo, que faz, a contragosto e reclama (ou cobra as conseqüências) depois.

O mocinho da faculdade também tinha me aconselhado a "seguir os locais". Enquanto o povo daqui não estivesse preocupado, eu não tinha porque me preocupar. Mesmo assim, o noticiário continuava alertando e pedindo pras pessoas começarem ou manterem os preparativos pré-ciclone. O problema é que "quais eram essas medidas" nunca estava na mesma reportagem, o que ratifica a minha versão de que, depois do tal incêndio em Victoria, quando as autoridades foram acusadas de demorar demais em dar o aviso, todo mundo entrou na onda do prevenir é melhor do que remediar e mesmo sem acreditar que o tal ciclone Hamish fosse atingir o litoral da cidade eles preferiram dizer que mandaram a população tomar providências. Mas não adiantou muito. A dona daqui foi uma das que perdeu a fé em ciclones. Por anos ela se preparou para cada um deles e nada acontecia, o que fez com que nesse ela ficasse bem displicente.

Enquanto eu tentava levar minha vida normal (já que a dona da minha casa garantiu que ninguém ia me deixar na rua sozinha em meio a um ciclone), o tal do Hamish, que começou com categoria 1, passou pra 2, 3, 4 e chegou a 5! Mas ele estava longe, indo pro sul e sempre na mesma distância da costa.

No sábado à noite, vi umas velas e um isqueiro no meu quarto. Só precaução, caso o ciclone resolvesse mudar de rota e a gente ficasse sem energia. Eu estava pronta, de micro vestido e maquiada, mas até pensei em desistir de sair. Isso até ouvir o conselho de minha experiente sharemate, segundo a qual se isso realmente acontecesse eles iriam fechar o bar e eu iria me divertir muito mais com todo mundo lá dentro do que sozinha em casa, o que fez sentido.

Mal sabíamos nós que naquela hora ele há tinha passado. Depois da garoa e dos ventos dos últimos dois dias, domingo amanheceu belo novamente. Segundo a senhora daqui de casa, Townsville é protegida por morros, o que segundo meu amigo oceonógrafo não faz sentido, já que o ciclone vem do mar. Por isso, vamos deixar as teorias de lado.

O importante é que no final, com ou sem a ajuda das meninas suuuper poderoosas, a paz voltou à cidaaaade de Towwwwnsssville. Mas, assim como acontece sempre em desenhos animados, nem todo mundo ficou 100% feliz com o final dessa história. "Um ciclone enorme passando aqui do lado, ventos de mais de 200km/h e o máximo que a gente tem essa chuvinha. Me senti deixada de fora", reclamou, dando risada, a senhora do quarto ao lado.