Tuesday, February 24, 2009

Packing again

Pra que dia você quer?
Terça ou quarta da semana que vem
Townsville, né? Quantas pessoas?
Uma!
Ida e volta ou ida?
Só ida!!!



(após um breve silêncio, com um sorriso ainda maior no rosto)
É... tô deixando tudo pra trás!

***

Agora, lembrando da cena eu posso dizer que só não esperava que esse tudo significasse tanta coisa, esquecida ou descartada mesmo.

***

O aeroporto doméstico de Perth não tem aquela sanfoninha que liga a aeronave ao prédio, então saí correndo pela pista em direção à escadinha. Não tinha dado mais do que dez passos quando levei uma bronca do comandante que vinha logo atrás de mim. Parei, me ajeitei, passei a só andar rápido, apreensiva, só esperando pra ver se levava uma segunda bronca, mas ele só ria. Afinal, foi ele mesmo quem disse que, sim, eu tava muuuuito atrasada, e ainda mais que eu já tava meio traumatizada de termos sido encaradas pelo avião inteiro quando atrasamos a volta de Bali - mas ele não sabia disso. Ele também não sabia o porque do meu atraso, senão talvez não tivesse me deixado embarcar.

No saguão, 10 minutos antes, o moço da companhia me dizia, sorrindo “você esteve muito perto de perder esse vôo”. “Você não tem idéia do quão perto eu estive de perder esse vôo”, respondi, rindo, ainda meio nervosa e tentando não pensar que talvez tivesse algum motivo pra não viajar aquele dia, ainda mais com tanta gente pedindo pra ficar um tempo a mais, ir só na semana seguinte. Eu não podia. Tinha que resolver as coisas antes de começar as aulas, mas só ficava imaginando a cara das pessoas “tá vendo, eu falei que ela devia ter ido na semana seguinte” se algo acontecesse. Será que não era um monte de sinais?

Já não tinha conseguido resolver o que queria em Perth, faltou um monte de lugar que queria visitar, meu trabalho de DP tava errado. E ainda tinha mais essa agora: depois de um dia inteiro arrumando a mala e me desfazendo de todos os itens não-fundamentais à minha existência até chegar aos 23 quilos de bagagem pra ser despachada mais 7 quilos de bolsa de mão permitidos em viagem doméstica (o que resultou num monte de presente pras minhas amigas), resolvi checar minha bolsa e bateu o desespero.

Já eram mais de 11 da noite. O vôo saía às 00h40. Tentei resolver, mas não consegui. Faltando 10 minutos pra meia-noite deixei a maior zona da história daquela casa pra minha roommate arrumar e fomos embora. Graças às mil conversões proibidas do meu amigo, chegamos no aeroporto antes do avião decolar, mas não antes do check-in ter fechado. O moço do guichê foi mega simpático, religou a maquininha e me deixou embarcar.

A indicação de que deveria ir pro portão 4 veio quase ao mesmo tempo em que a mocinha do auto-falante chamava meu nome dizendo que aquela era a minha última chance. Eu tava louca pra entrar, reclamando que ia perder o avião, mas o outro moço encanou que queria que eu o autorizasse a passar o tal do segundo raio-x. “There is no problema”, ele repetia todo feliz de saber uma palavra em português. Eu replicava que se perdesse o avião teria, sim, muito “problema”. No fundo só pensei que pra gostar de falar “problema” tinha mesmo que ser segurança; “tudo bem” é tão mais bonito...

Na pressa, me despedi correndo de todo mundo e entrei pelo tunelzinho que ia me levar à pista onde levei a tal bronca. Segundo minha amiga, cuja câmera acabou a memória de tantas fotos e vídeos que ela fez enquanto arrumava a mala e corríamos pro aeroporto, a cena foi quase poética, com a porta fechando atrás de mim. Ela tinha pedido pra mandar uma mensagem quando estivesse sentada, mas o comissário me viu com o celular e me deu outra bronca, ainda sorrindo. E eu, com o coração disparado ainda, só dava graças aos céus que tudo deu certo e ninguém nem percebeu a falta do passaporte.

Único documento oficial, como gosta de relembrar meu pai, sem ele, não se pode nem entrar em balada, como comprovou o amigo do carro, e eu consegui perder o meu no dia da viagem. Na verdade, até então eu não sabia disso, mas um dia antes, ao despachar uma mala pro Brasil, deixei meu passaporte no Post Office (correios).

Isso muito podia ser um sinal que eu não deveria viajar, que alguma coisa iria acontecer com o avião. Mas, na pressa de me despachar, o moço não pesou minha mochila ou a bagagem de mão nem muito menos olhou o papel do vôo ou qualquer identificação. Só conferiu o nome e boa viagem. Daí, depois que eu cheguei, inteira, tudo vez um pouco de sentido. Talvez minha aflição estivesse certa. Se eu tivesse chegado antes eles talvez eles tivessem sido mais rígidos. Talvez o motivo pra eu quase não viajar era pra acabar viajando.

Farewell week

No exato momento em que eu colocava a última leva de garrafas de cerveja no latão de lixo eu vi a dona da casa saindo do carro. Oito e quarenta da manhã de um domingo, quase uma sacanagem, mas a gente avisou que não ia renovar o contrato só duas semanas antes de sair e ela sempre foi tão solícita que valia um esforço pra conseguir logo alugar a tal da unit.

O problema é que a noite anterior tinha sido a minha festa de despedida e, consequentemente, despedida da casa. O povo até que se comportou, mesmo porque grande parte deles eu já tinha visto naquela semana nas minhas outras despedidas, mas mesmo assim tinha garrafinha de cerveja e cidra pra tudo quanto é lado, além de salgadinho, patê, queijo, copos com resto de caipirinha dentro e umas duas ou três garrafas de vodka vazias. Mesmo que a gente tivesse um lixo decente não caberia tudo. No balde vermelho que desde que chegamos usávamos como lixo, então, nem se fala. O povo tinha um porquê de deixar tudo espalhado.

Até a semana anterior eu não sabia que dia ia embora de Perth sentido Townsville, mas a falta de emprego pós-Bali (quando em vão resolvi ser sincera e avisar na balada que ia ficar as próximas duas semanas fora, mas que queria voltar a trabalhar mais dois finais de semana pra então ir embora de vez) me fez adiantar os planos. Comprei a passagem pra quarta de madrugada e na terça anterior ao vôo começou meio que inconscientemente a semana de despedidas.

O primeiro dia foi de salsa, em um dos bares do primeiro final de semana em Perth. No comecinho tem aula e depois o povo dança. Mas aparentemente só dança mesmo quem veio com seu par ou já é conhecido na casa. A gente ficou ali, olhando, mas australiano nenhum chamou qualquer das meninas pra dançar, o que me fez lembrar, saudosa, do Conexion em São Paulo. O nosso australiano bem que era esforçado e estava fazendo consideráveis melhorias no forró, mas salsa ainda era pedir demais. No meio da noite uma das amigas cariocas some e depois de quase uma hora volta trazendo um colombiano junto. O senhorzinho pagou bebida e dançou com quase todas as meninas, mais com o menino, pra tentar ensiná-lo a dançar com a gente.

Na quarta, a idéia era ir para o forró, mas quando ainda a gente ainda se arrumava os amigos pontuais avisaram que o negócio tinha sido cancelado por falta de quórum, atribuída ao intenso calor. Daí, foi todo mundo pra casa. Na quinta, a tradicional baladinha brasileira. Um dos meninos de Fremantle não conseguiu entrar porque tinha perdido o passaporte no Ano Novo e o documento não tinha chegado ainda. Mesmo com B.O. e sorrisinho pro segurança não teve jeito e o moço ficou pra fora. Na volta, a carona acabou levando a gente pra casa de uns amigos, onde continuamos até as quatro e tantas da manhã.

Na sexta, jantar pras poucas pessoas na casa da amiga quase-chef. Em seguida fui ganhar uma bebida de graça na balada por devolver minhas credenciais e pistola, ou seja, meu uniforme e pulseirinha de identificação.

Por fim, no sábado, depois de 9 horas de trabalho, que terminei distribuindo bebida com minha roommate em um Hotel que deve ter sido a inspiração para a música dos Eagles, começamos a tal festa oficial.

Chegamos em casa às 8h25 da noite. Tinha marcado pras pessoas chegarem às 9h, 9h30. Brasileiro, lógico, chegou às 10, 11h, meia-noite. O resto tudo chegou antes.

A nossa organização se resumiu a mudar o sofá de lado, abrir a porta de vidro e comprar frutas, copos, canudinhos e ralos salgadinhos. Duas garrafas de vodkas tinham vindo do free shop pós-Bali. Uma outra metade mofava no freezer. Os franceses trouxeram o resto de mais uma. Isso além das cervejas, vinhos e cidras pra consumo individual que o povo trouxe graças a esse bendito esquema de "bring your own booze", em que cada um se responsabiliza pela própria bebida.

Na lista de presença, um monte de brasileiros, um venezuelano, três australianos (sendo um falando português e outra, francês), uma de Fiji, uma x, uma coreana, dois franceses, um indiano, dois malasianos, uma sul-africana. A mudança de móveis deu certo e trouxe até o novo gato do novo vizinho pra dentro da sala. Algumas horas depois foi o próprio vizinho quem surgiu, tão sorrateiro quanto o bichano. Como em toda boa festa, essa terminou com muita gente chorando de bêbada, outros consolando e uma terceira parte alheia a tudo o que acontecia ao redor.

Três da manhã minha roommate foi trabalhar e a festa rapidamente acabou. Os remanescentes, incluindo essa dona da casa, foram pra outra festa, na vila brasileira, mas que já estava miada. Ali dei o tchau derradeiro e choroso pra amiga de Fiji, umas das que sei que dificilmente verei de novo - por mais que ela fale que vai casar com um brasileiro. "That is the problem of being attached to tourists", alguém me disse recentemente.

Às 6h30 da manhã estava na minha cama. Às 10h, depois de um rápido intervalo em que duas pessoas consideraram alugar a minha casinha, lá estava eu de volta. Nesse meio tempo, como não tinha dado pra arrumar tudo, a dona da unit me ajudou a limpar, recolhendo canudinhos e passando um pano molhado na mesa, toda grudenta de vodka e açúcar. Quase rolou uma vergonha, mas eu tinha avisado que ia dar um jantar de despedida na noite anterior. Só dei graças aos céus pela tampa do lixo estar virada para o outro lado, impedindo a visão de quem vinha da rua, ou meu depósito da casa já era.

Às 8h da noite do mesmo dia estava de volta à mesma vila prum churrasco na nova casa da minha antiga roommate. Lá, mais tchaus. Na segunda, só pra fechar, um cinema com as meninas. "He just not that into you" me fez lembrar Lucy, Ariel e tantas outras amigas, apesar de achar que foi alguém de outro grupinho que me disse ter lido o livro.

Pro bem ou pro mal, parece que estou me acostumando a despedidas. Por mais gay que seja dizer isso, as pessoas que realmente importam continuam contigo por mais longe que se esteja. Mas é lógico que isso não tira de forma alguma a necessidade de festas. No menor dos casos, elas são importantes pra se tirar muitas fotos, colocar pela casa inteira, publicar em Orkut, Facebook e mostrar pro povo que não teve paciência de ler esse texto todo.

Dez dias em Bali

Apesar do tempo nublado, o comandante avisou que fazia 31 graus no aeroporto de Depansar, em Bali.

Um amigo já tinha me contado que na sua ida à Tailândia ele tinha matado todas as saudades do Brasil, podendo beber na rua, vendo camelôs em tudo quanto é esquina.

Logo que a gente chegou percebeu mesmo que estava de volta à parte em desenvolvimento do mundo.

Uma fila imensa de turistas esperava pra pegar o visto, pago na hora, sem nenhum pré-requisito. Dez dólares americanos se você quiser ficar até uma semana, vinte e cinco se quiser ficar de oito dias a um mês. Em nenhuma hipótese isso pode ser renovado.

No saguão de desembarque já dava pra ver um pouco da cultura balinesa, com um monte com imagens em gesso de monstros e dragões decorando as vigas da parede.

Nesse meio tempo desmentimos a idéia de que Bali só dá australiano. Na fila, praticamente só asiático, o que pode ser explicado também pelo fato de que tinha acabado de chegar um mega avião da china, de dois andares e tudo. Com tanta gente no país até avião vira transporte coletivo.

No fim da fila, todo mundo deveria passar por dois guichês, um em seguida do outro. A gente passou por um. Daí descobriu que não tinha o tal landing ou arrival ticket. Voltamos pro saguão e fomos falar com um carinha numa mesinha de canto. O que tinha que preencher nesse ticket eu não tenho a menor idéia, já que os moços preencheram pra gente usando só as informações do nosso passaporte e onde iríamos ficar (“Eu sei que vocês vai ficar dez dias, eu quero saber onde” ele respondeu depois da gente ter entendido errado a pergunta dele, feita num inglês com tanto acent quanto o nosso)

Bali não faz a menor exigência pra entrar no país, mas se folgar a briga é seria. Um pôster enorme diz que tráfico de drogas é punido com pena de morte.

Minha amiga se perguntava se o freeshop de lá seria grande. Eu ainda não posso responder, mas não deve ser, já que a gente passou por ele e não viu.

Passadas as burocracias, na hora de entrar no país mesmo, a gente já se sentiu acuada. Vendedores de dólar cada um em seu guichê chamavam a gente pra suas lojinhas, gritando e agitando plaquinhas de “no comission” - mas a cotação era a mesma em todas. Depois de alguns minutos estáticas, tentando entender aquela cena, cada uma entrou num guichê diferente. A minha moça explicou que a taxa é a mesma, mas são cada guichê é de uma empresa. Como não tem diferença de valor, eles têm que chamar a atenção desse jeito mesmo. O negócio é que aparentemente eles se divertem com a brincadeira.

Na rua é até possível conseguir uma melhor cotação, mas é preciso tomar cuidado pra não te enganarem, disse ainda a menina que nos ensinou a primeira frase local. "Tarima Kasi". Obrigado, em indonesian. Em resposta, se diz "Sama Sama". Em balinês é diferente, mas todo mundo fala as duas línguas fluentemente. Depois, iríamos descobrir que balinês é muito mais esperto do que a gente pensava e, mesmo sabendo que precisávamos tomar cuidado, perdemos dinheiro na troca pela moeda local.

A mesma agitação das casas de câmbio se repetiu na porta do aeroporto, quando dezenas de locais esperavam cada um o seu passageiro, ostentando plaquinhas com os nomes das pessoas. Em seguida, os taxistas - ou taksistas - tentavam quase que te agarrar pelo braço. Pro nosso hotel, o primeiro ofereceu por 100, no fim fechamos por 75 e talvez ainda caro. Estava estranhando a qualidade dos carros, todos grandes e novos, mas na hora de assinar a primeira viagem descobri que a maioria é alugada. O povo da Indonésia é realmente muito humilde.

Na rua, quase se implorava pra que entrássemos nas lojas, alugássemos um carro ou fizéssemos prolongamento de cabelo ou dread. Tudo pra ganhar algum dinheiro, que pelo visto é mais escasso do que no Brasil.

O país vive de plantações de arroz, alguma exportação de produtos de decoração, mas principalmente de turismo. Porém, dois eventos afetaram muito a economia local. Um deles foi a recente queda das bolsas asiáticas. O outro, um pouco mais antigo, foi o atentado a bomba a uma das baladas mais famosas da cidade. Hoje, no lugar, tem só um monumento, com uma fonte e uma parede onde estão os nomes de todos os mortos na tragédia. Entre eles, dois brasileiros. A maioria mesmo era australiana, gente jovem, de férias.

O nosso hotel ficava na rua de trás de onde era a balada. Segundo o camareiro, um dos hóspedes que morreu ia se casar no dia seguinte no próprio hotel. A noiva, também australiana, estava dormindo na hora. Vai ver até acordou com o barulho. A explosão foi tão forte que, mesmo com a distância, quebrou algumas janelas dos quartos.

O atentado aconteceu em 2002, mas ainda hoje muita gente evita entrar de no país com medo de mais alguma tragédia. Não é à toa que quando a gente perguntou pro nosso motorista sobre o caso ele fez questão de enfatizar que isso era passado. Sem turismo o país não sobrevive.

Nas ruas, os moços que vendiam jornal passavam em cada um dos carros perguntando da onde os passageiros eram, já que eles tinham jornais de quase o mundo todo. Todos, inevitavelmente, fizeram uma cara muito frustrada ao saber que éramos do Brasil. Isso porque eles não tinham nenhum jornal pra nos oferecer.

Nas baladas, estrangeiro é tratado como rei. O povo local paga pra entrar. Overseas entra graça e às vezes ainda recebe um drink de boas-vindas. Na primeira que a gente foi, ganhamos um líquido amarelo num tubo de ensaio. A moça disse que era "o mesmo suco que vendia lá dentro", mas que ali era só uma amostra. O negócio é que a gente não tinha idéia de que suco era aquele. Enquanto uma amiga ficou meio receosa, a outra me mostrava que já tinha tomado metade. Apesar da cor do vidro, meio sujo, segui a loira e virei o tubinho.

Lá dentro, a música até tava boa, a mesma dance das baladas australianas, mas o público era quase só local, além de um ou outro indiano, xavequeiro como sempre. O negocinho que a gente bebeu não era ruim. O bartender mostrou a garrafa. Era suco de laranja com o destilado de arroz balinês.

Quinze minutos depois, fomos conhecer os outros lugares. Os clubs eram bons, música parecida com as da Austrália, povo da Austrália, mas de outras parte do país além de Perth. Muito europeu, também. No Bounty, mais famoso dos clubs, e para onde voltamos quase todas as outras noite, aproveitamos as nossas roupas aussie e o primeiro andar vazio pra tirar foto dentro da gaiola. Aliás, o que a gente mais fez foi tirar foto. Mais de 3500 fotos em 10 dias de viagem, o que incluiu de foto de templos e a gente experimentando peruca numa loja de departamentos.

Quando chegamos em Perth, minha amiga disse que achava estranho as ruas perfeitinhas demais, mas com coisa boa a gente acostuma. Nas ruas de Bali, a gente estranha com a quantidade de buracos. Eu, lógico, quase torci o tornozelo uma dúzia de vezes. Quando não virava o pé, chutava ou, sempre sem querer, pisava nas oferendas que eles colocam no chão, bem em frente às lojas – em todas elas – pra dar sorte. Junto à maior parte do comércio, por sinal, tem um monumento com alguma estátua de monstro gordinho, a maioria deles com uma cara simpática, em frente ao qual também se colocam as tais oferendas.

As roupas e coisas para decoração são baratas. Muito baratas. Mas tem que pechinchar, por mais chato que isso seja. Às vezes dá até um peso na consciência. O povo não tem dinheiro e na maioria das vezes você consegue levar o produto por um valor até três vezes menor que o inicial. Depois de alguns dias de viagem você acaba aprendendo o real preço das coisas e mais de uma vez uma de nós saiu ofendida, pisando duro após ter se sentido passada por idiota por de um vendedor tinha jogado o preço muito alto e que depois, arrependido, gritava repetitivamente “por quanto você quer então?”. Mas não tinha jeito, se jogou o preço lá em cima, pra chegar no valor que você quer demora e dizer não depois que começar a negociar é quase impossível.

A população sofre com falta de dinheiro e eles freqüentemente usam isso como arma de convencimento, pedindo pra comprar qualquer coisa porque não venderam nada o dia inteiro. Vender, no fundo, se torna quase um pedido de esmola. E mesmo assim tem gente que pede dinheiro, normalmente depois da balada, às vezes trazendo junto um bebê de colo. Também tem muita prostituta, algumas delas crianças, numa triste situação que brasileiro conhece muito bem.

Com a problemática financeira chegando a esse ponto não é difícil prever que logo Bali não vai mais ser um lugar tão seguro. A religiosidade do povo balinês é uma coisa muito forte, mas tem muita gente de fora que não tem todos esses princípios. E mesmo com aqueles que têm, dá pra se colocar no lugar e imaginar a raiva que vai crescendo dentro deles, sem dinheiro nenhum e vendo esse bando de turista que tem um monte de dólares se recusando a comprar uma coisinha que seja pra ajudar a sua família. Uma hora a raiva explode.

Por enquanto, de vez em nunca se houve falar de um roubo de carteira, mas o mais comum ainda é truque na hora de trocar dinheiro. A gente foi, se achando as safas, tendo certeza que se a gente contasse direitinho ninguém ia ser enganada. Seguimos a cotação mais alta, contamos as três o dinheiro de cada uma, separamos em bolinho. Na hora que ele encostou no montinho pra entregar de volta sumiu umas 20 notas pelo menos, totalizando 400 mil rúpias de cada uma, o que equivalente a 40 dólares americanos, uma fortuna pra eles.

A gente só percebeu quando chegou no hotel e, por decisão da minha amiga que queria só dizer que tínhamos percebido o roubo e que isso era um absurdo, fomos falar com o moço de volta. Do outro lado da rua, seis caras do mesmo grupo jogavam cartas e davam risada da gente. Menos de dois minutos de conversa o moço admitiu que tinha tirado o dinheiro porque era assim que ele conseguia sobreviver. Pediu desculpas e disse que devolveria metade do dinheiro, já que o chefe tinha passado e levado o resto. Aceitamos a metade oferecida e ainda saímos apertando a mão do cara como se ele tivesse feito um favor. Mas a verdade é que ninguém esperava ver nem metade do dinheiro de volta, então foi quase um lucro. Depois, alguém falou que se eles fossem pegos roubando perderiam uma das mãos, por isso pra ele era mais vantajoso devolver metade e fazer a gente ficar quieta. E mesmo assim ele ganhou muito. No hotel, conhecemos um casal que além de perder dinheiro foi feito de idiota, já que o moço em questão disse que era tradição fazer reverência antes de pegar o dinheiro. Então ele, com as notas entre as mãos fez a reverência - e nessa pegou um belo bolinho - e passou pro turista que reverenciou de volta o amigo mão leve.

Eis aqui outras duas marcas registradas de Bali. Número um as scooters. A maioria do pessoal que vai pra lá aluga motinho e sai pra passear sozinho. A gente, por minha causa, que não me senti segura pra andar no trânsito balinês, mil vezes mais caótico do que o de São Paulo, acabamos só com os motoristas particulares, que nem são tão caros. Segundo uma amiga acabou de me contar, provavelmente a moto sairia ainda mais cara, já que numa outra semelhança com o Brasil, os guardas adoram parar as pessoas – vulgo turistas – pra conseguir um cafezinho em vez de multá-las por qualquer coisa que eles acharem interessante.

O número dois é o Bali Belly, um espécie de rotavírus que também adora gente de fora. É tão normal pegar Bali Belly que o remédio está disponível em qualquer farmácia, não precisa nem passar pelo médico, e os sintomas, depois da pessoa ser medicada, passam em um dia. E já que não andamos de motinho, uma das meninas teve o Bali belly, só pra gente dizer que experimentou de quase tudo.

Ao contrário do que pensávamos, Bali não é feita de praia. Com raras exceções, a maioria em ilhas distantes, elas não são bonitas e são meio poluídas. Em compensação, o povo é simpático, feliz mesmo com a vida difícil, as cidades têm paisagens lindas e eles têm uma cultura muito rica, com várias lendas e tradições, coisa que não se vê num país novo como o dos cangurus.

Os templos são bonitos por causa da natureza. Muitos poucos têm algo de especial na arquitetura. Normalmente é paisagem e altares, com imagens de monstrinhos, mas têm alguns diferentes. No templo da água, chovia horrores e mesmo quem não se arriscava a entrar na piscina pública pra se purificar acabou se molhando. Esse foi o nosso caso, já que rejeitamos milhares de vezes os guarda-chuvas oferecidos pelas crianças que mal tinham corpo pra levantar o negócio. No templo do elefante o legal é uma caverninha, um outro é famoso pela enorme quantidade de macacos (que roubam de tudo, inclusive meus dois elásticos de cabelo) e no mais famoso deles, que esqueci o nome e minha amiga pode colocar via comentário, a sua simples localização no meio de uma praia já o torna fantástico.

A entrada pra todos templos eh quase de graça. Custa 7 mil rupias, o que equivale a cerca de 1 dólar, o que quase nao deve dar nem pra lavar a canga que eles emprestam e nos fazer usar em sinal de respeito.

Outra coisa ótima dos balineses é que eles têm fascinação por outros povos. Não foram poucos os indonésios (e indianos), homens e mulheres, que pediram pra tirar foto com a gente, de tão diferente que éramos em comparação à sua etnia.

Depois de dez dias, na volta pra Austrália, saímos mais tarde do que deveríamos do hotel, tivemos mais uns probleminhas com a casa de câmbio do aeroporto e perdemos tempo comprando um salgadinho (já que a tarifa da Virgin Blue quase que não inclui nem água de graça e pra comer você tem que pagar na hora). Como resultado, fomos chamadas pelo autofalante. Quando entramos na aeronave, o avião inteiro, que já tinha sido informado que só estavam esperando três passageiros pra poder decolar, olhava pra nossa cara. Entre eles, dois casais que a gente não viu mais que eles nos viram. Casais de conhecidos e que disseram ter dado risada ao ver “quem eram os passageiros atrasados”. "Tinha que ser brasileiro, né". Como sempre, com a maior cara deslavada do mundo, a gente só ficou sem graça e deu risada. A única coisa que se pode dizer é que aproveitamos até o último minuto. E meu chocolate comprado no aeroporto valeu a cara feia.

Yes, man!

A proposta era boa. Quem fosse trabalhar naquele dia trabalharia o dia todo, o que significa quase dez horas por dia. Além disso, os shows eram bons e tinha camping gratuito e exclusivo pra staff. Era um festival enorme no sul do estado que parecia durar vários dias, considerando o que você podia assinalar como disponível – de 19 de dezembro a 23 de janeiro. O único problema é que não tinha ninguém pra ir comigo. As meninas (em outra cidade) no sul e o resto tudo trabalhando em empregos fixos. Mas, entre ficar em casa sozinha e ficar numa barraca sozinha, muito melhor a barraca, cujo pacote inclui ver gente diferente, conhecer o festival e ainda ganhar dinheiro.

Preenchi a application form enquanto lembrava de Paullette-Lana Banger e seu Universo Paralelo. Pode até ser que tenha algo semelhante, mas o da Western Australia, conforme descobri depois, é menor. Tem gente boa. Pra quem gosta, Franz Ferdinand foi uma das atrações, mas de show mesmo são só dois dias. O resto era escala pra quem fosse trabalhar na estruturação dos palcos, o que – ainda, pelo menos – não é o meu caso.

O evento todo foi intenso, no sentido inconstante da coisa. Por indicação da própria empresa, tentei conseguir carona por um site x, especializado nisso, mas não deu certo. Vai ver fui a única a me cadastrar. Depois, reservei pra em seguida desistir de alugar carro. Comprei a passagem pra ir de ônibus, assim não tinha data pra volta e podia visitar as meninas. Por fim, perdi o ticket ao ganhar uma carona do namorado de uma amiga que decidiu trazê-la pra cidade no final de semana, depois dela ter se machucado. Com a segunda amiga, combinei de jantar depois que fosse liberada. O problema é que o celular não funcionava, eu trabalhava o dia todo e o show ficava longe da cidade, num descampado onde não tinha nem sombra de telefone público. Eu sabia só o nome da cidade. Era uma cidade pequena, mas mesmo assim.

Uma terceira amiga tinha me avisado em cima da hora que trabalharia no 2º dia e, pra passar as coordenadas de onde minha barraca estava, acabei aceitando dois celulares emprestados de dois caras que encontrei na rua, um com que deixei mensagem de voz e outro pelo qual mandei sms.

No dia seguinte cedo resolvi comprar a passagem de volta. Tinha desistido de visitar as meninas pra aceitar trabalhar no domingo, em Perth. Quando cheguei, descobri que estava tudo esgotado. Se fosse no Brasil as empresas colocariam ônibus extras, mas aqui eu só teria como voltar na 3ª. Pedi carona pra umas 4 pessoas que trabalhavam comigo, mas todas tinham algum problema, o que contraria totalmente a experiência que vinha tendo com caronas. No meu último intervalo, já meio desolada, satisfeita com a idéia de ficar dois dias num camping qualquer, achei uma configuração em que meu celular funcionava. Falei com minha amiga que já armava uma carona pra mim – não porque ela soubesse que não tinha ônibus, mas porque eu tava no sul, uma outra amiga nossa também estava no sul, não tinha porque eu voltar de ônibus. Na verdade, quando souberam da falta de ônibus, ela e o namorado de dispuseram a me buscar de carro, o que significaria cerca de seis horas dirigindo, contando ida e volta.

Quando cheguei no camping naquela noite, já toda feliz, vejo uma barraca no meio do caminho e um bilhete enganchado no meu zíper. A tal terceira amiga entendeu as coordenadas e conseguiu chegar. Pra melhorar, ela tinha uma carona pras nós duas no dia seguinte. Ela estava com os meninos na cidade do lado e eles estavam voltando com exatamente um lugar a mais no carro.

No tal dia seguinte ligamos e eles iam deixar a cidade, mas pruma outra praia. Voltar pra Perth só no final do dia. Depois de esperarmos por cerca de uma hora o ônibus, pedimos informação prum grupo e ganhamos uma carona com uma moça loirinha, cara de 20 aninhos, mas que tinha uma filha de 15 e que esperava a outra, de três, ser devolvida da casa do pai. Já que não tinha jeito, liguei pro trabalho, disse que não ia porque não tinha ônibus e fomos encontrar o povo pra ir pra praia.

Conheci os amigos da minha amiga – um grupo de umas 8 pessoas. Peguei o biquíni na mochila, me troquei no banheiro – já aqui todas as praias tem uma casinha com banheiro limpo e chuveiro – e passei o dia tomando sol. Já estava escuro quando cheguei finalmente em casa.

Cerca de um mês depois, na saída do cinema, minha nova amiga comenta “cara, eu acho que eu preciso começar a falar mais ‘yes’ nessa vida”. Segundo o filme, novo do Jim Carrey, se você falar “sim” pras coisas o mundo vai se abrir pra você. Durante o filme eu já tinha feito uma reflexão similar, e, com base nesse e em outros eventos, respondi: “é, já eu acho que falo yes demais, mas tá bom!”.