Tuesday, March 18, 2008

Abstinência

Substantivo feminino
1 - ato de abster-se, de privar-se do uso de alguma coisa
2 - privação de certos alimentos e bebidas em cumprimento de preceitos religiosos ou outros
3 - privação voluntária de prazeres e/ou bens materiais em busca do aprimoramento moral ou espiritual
4 - privação voluntária dos desejos sexuais, por exigências morais, espirituais ou religiosas
5 - privação, voluntária ou não, de substâncias tais como álcool, heroína ou qualquer outra droga de que se é dependente



Seja qual for o motivo ou as substâncias envolvidos, a abstinência é sempre um comportamento difícil.

Para se chegar ao ponto de prometer ficar um tempo sem determinada coisa é porque ela está nos fazendo tão mal (ou até mais) quanto está fazendo bem. Se fosse algo só ruim, ninguém precisaria se forçar a ficar sem. Eu posso ficar dois anos sem comer melancia que nem vou perceber (na verdade, acho que estou há dois anos sem comer melancia).

Ao contrário, vai me dizer que eu tenho que ficar uma semana sem comer chocolate, sair pra balada ou usar o msn, gtalk ou email no trabalho? Ô, dificuldade. Então, se a gente toma uma decisão dessas, é porque precisa. Promessas podem ser feitas para pedir, para agradecer ou simplesmente para o nosso próprio bem. Esse último é o caso de quando prometemos a nós mesmas que não vamos mais ligar pro ex, que não vamos comer besteira ou que não vamos beber. O meu recente caso de abstinência foi desse último tipo aí.

A história toda começou com um desafio pra mim mesma. Ressacas contínuas, engovs... passei mal duas vezes em uma semana. Não só por bebida, mas também por comida. Mas em todo caso, resolvi ficar até o carnaval sem beber. Até o carnaval? Não... tem feriado uma semana antes. Então ficaria até dia 25 de janeiro. "Dez dias só, lógico que eu consigo". Depois do quarto copo de cerveja lembrei que estava há três dias sem beber. "É... eu não consigo". E já que não consegui uma semana, ia ficar um mês. Aceitei o desafio, agora de um amigo, e fiquei exatamente 30 dias sem beber, contados a partir da quarta-feira de cinzas.

E pra brincadeira ficar só um pouco mais divertida, nesse meio tempo, o que mais houve foi gente atiçando. As pessoas davam risada ao ouvir que estava "há três dias e meio" sem beber. Mais ou menos como aqueles diabinhos de desenho, amigos que nunca me trouxeram uma cerveja na vida a todo momento chegavam com uma latinha na mão. Os que não bebiam, passaram a beber. E o que eu mais ouvia era "ah, pra que toda essa besteira, você não vai conseguir mesmo, melhor acabar com isso de uma vez".

De todos os amigos, o máximo de incentivo que recebi foi um "eu acho que você vai conseguir, mas porque acredito que a gente é capaz de conseguir qualquer coisa. A questão é que você não vai ganhar nada com isso. Ao contrário, só vai perder".

Assim como os que param de fumar e passam a sentir melhor os cheiros e sabores, mesmo com essas poucas semanas eu consegui ver a diferença. Por exemplo...

Em toda a minha vida, eu nunca fui tão chata quanto nesses 30 dias. Nem eu me agüentava. Fiquei ansiosa, estressada. E olha que arranjei várias formas de liberar endorfina. Comi chocolate, vivia na academia ou nos treinos de rugby, tomei sol.

Os refrigerantes perderam toda a graça, assim como os sucos. Tudo é muito doce. Por isso, passei a tomar coisas light, que antes não suportava, mas que pelo menos têm um fundinho de amargo. Mas mesmo eles são gasosos, não têm espuma, não são amarelos - é... Guaraná é, mas esse não conta.

O fato é que cerveja me faz relaxar. Eu nunca tinha reparado nisso até Lucy dizer no meio de uma conversa qualquer que não sei quem parecia comigo quando tomava uma cerveja, meio que apertava o botão de desliga. Ficava quietinha, sentadinha. E não tem coisa melhor do que passar o dia sentada, conversando, tranqüila, dando muita risada ao redor de um monte de amigos.

Na falta da loira - a bebida, não a amiga -, muito chocolate, o que dá uma sensação boa, mas me deixa ainda mais elétrica e engorda. Aliás, cerveja dá barriga, ok... mas muito mais fácil se livrar dela do que da celulite causada pelo refrigerante.

Os exercícios também não foram os mesmos. Depois de um tempo, percebi que o álcool interfere diretamente na resistência. Conseguia fazer muito mais coisas sem me cansar - e isso não é necessariamente bom. Por mais que meus músculos estejam cansados, eu ainda não. A perna - que eu achava que não tinha mais pra onde crescer - cresce, o braço cresce... não é à toa que esse monte de gente bombada não bebe. Fica ansioso e depois se mata na academia. Ah, se eles soubessem como ficam feios. Vai pro bar que é bem mais legal.

O pior de tudo é que nesse meio tempo não deixei de sair um final de semana. Daí, o melhor é água. Uma, duas. Mais do que isso o estômago não suporta. Cerveja é absorvida mais rápido, é ótima pra hidratar, cabe um monte, além do gosto ser inigualável. A garrinha long neck é perfeita pra segurar. A latinha tem todo o ritual de amassar e o copo de caipirinha tem canudinho pra ajudar a comer as frutas depois! Sem isso, a mão parece que perdeu sua função, o corpo todo perde o equilíbrio.

Essa foi a impressão dos primeiros dias. Depois, até que acostumei e à meia-noite e meia do dia 8 de março, tomei minha primeira cerveja depois de 30 dias. Meio gripada, mal senti o gosto, mas era um marco. No dia seguinte, começou meu curso de bartender, que incluiu uma degustação de destilados e compostos. Nem percebi a coincidência de datas quando marquei o curso. Parece que certas coisas estão predestinadas.

No final, não sei se concordo com aquele meu amigo, de que só perdi ficando um mês sem beber. No primeiro final de semana, a cerveja que marcou minha volta à bebida foi a única que tomei. Nos dias seguintes, nem uma balada open bar aproveitei em quantidade suficiente. Já no final de semana, fiquei bebinha e sóbria três vezes em menos de 24 horas. No fim, acho que a abstinência valeu pela análise. Percebi que não preciso da bebida. Estou com ela porque quero e só nos momentos em que quero. E, como tudo nessa vida, é bom lembrar que se pode cortar quando começa a nos fazer mal.