Thursday, July 23, 2009

Sorte que stripper não tem bolso

Santa fe e Bully's ocupam os dois primeiros andares de um pequeno prédio antigo na última esquina da Flinders street, a Vila Olimpia de Townsville. O edifício é de estilo colonial, com pé direito alto e varandinha, que foi fechada com vidro pra virar recepção da balada de cima.

A entrada do Bully's é uma porta grande no meio da rua. A do Santa Fé, uma porta pequena nessa esquina. Aqui não tem a desculpa de que 'tava na frente e resolvi entrar'. O SF é a última balada da rua. Depois só tem o aquário da cidade. Se, à noite, você andou os 20 metros depois do Bully's, só tinha um lugar onde pudesse querer ir.

Nos dois lugares, a identidade é checada pelo segurança da porta, que aproveita e já barra os mais bêbados. Austrália não é um país fácil pra encher a cara - mas a galera consegue.

Passou o segurança, a única opção é subir uma escadinha também antiga, estreita, de madeira e em formato de U. Na parede, também de madeira, um pôster de mulher de biquini com o logo "Santa Fe" dá uma idéia do que o visitante vai encontrar. Mesmo assim, tem casos de pessoas, casais, por exemplo, que, novos na cidade, receberam um flyer no meio da rua e foram conferir. Chegaram até a recepção, no alto dessa escada, ainda desavisados sobre o estilo da casa e foram embora putos ao saber que entravam numa balada de strip.

Sentadinha atrás de uma mesinha de recepção, a hostess tem como responsabilidades básicas explicar o funcionamento da casa pros mais novos, cobrar a entrada (homens pagam $12, mulheres, $10 e o pessoal que já pagou a balada de baixo, $6) e tentar vender o tal Santafe Money, um dinheiro de brinquedo, parecido com o Banco Imobiliário, mas que tem o desenho de uma mulher pelada no lugar do brasão e serve para comprar o show das meninas. O trabalho é maçante, já que por vezes não tem nada pra fazer além de ficar paradinha, esperando as pessoas chegarem. No meio tempo, deve-se limpar as marcas de dedo da porta de vidro e preencher alguma pesquisa de satisfação baseada no que os clientes dizem ao deixar a casa. Quando as pessoas chegam, geralmente é em bando e precisa ser muito metódica para pegar o dinheiro, carimbar o braço e distribuir o flyer sem esquecer de anotar o número de pessoas que entrou e quanto cada um pagou. Não precisa nem dizer que eu e esse serviço não combinávamos.

Finalmente, pagou a entrada, passou a porta de vidro, chega-se ao Santafé propriamente dito, uma decepção para quem esperava música alta, showzinhos e locutor. Segundo uma pesquisa que eu mesma fui obrigada a fazer quando estava de hostess, 90% dos frequentadores vai (ou, pelo menos, diz ir) à casa simplesmente para tomar um drink e relaxar. Lógico que muitos falam isso da boca pra fora, mas conhecendo os outros bares de Townsville, em que falta um barzinho tipicamente happy hour, nem é difícil acreditar que algum dos clientes esteja falando a verdade.

O ambiente, por sinal, ajuda nessa versão. O lugar em si é bem pequeno. Da entrada, já dá pra ver o bar, no fundo do salão. Do lado esquerdo tem um palco bem pequenininho, com duas barras verticais para as meninas dançarem. A extensão entre o palco e o bar tem uma área avançada, uma parede que delimita uma espécie de cozinha, onde fica a geladeira e o microondas para o staff. No resto da área livre ficam mesinhas, poltronas, mesas mais altas e banquihos. É aí que as pessoas ficam a maior parte do tempo. O palco a princípio permanece vazio e a música em um volume aceitável. Ao contrário de outros lugares onde trabalhei, não lembro de alguém tendo que gritar pra que eu entendesse o pedido.

Enquanto os caras bebem nas mesinhas ou no balcão, as meninas desfilam por entre as mesas, usando vestidos-micro ou lingeries transparentes. Encostam nos grupinhos ou nos caras sozinhos, sorriem, conversam, por vezes arrancam uma bebida de graça, em outras até usam a sua própria cota de drinks gratuitos pra paparicar o possível cliente. Por fim, conseguem vender o show. O preço é apenas 20 dólares, que pode ser pago tanto com Santafé Money, quanto com o "dinheiro de verdade". As notas vão pro pé, o que me fez entender o motivo de toda vez elas me pedirem alguns elásticos do caixa.

A menina, então, sobe no palquinho e tira a roupa. Tira tudo? Sim, tudo. Se a bartender consegue ver elas fazendo strip? Mais ou menos. Como o palco fica meio escondido, atrás da parede da cozinha, não dá pra ver muito não. Só quando estava vazio e ficava do lado oposto do palco, polindo copos que dava pra ver um pouco, o suficiente pra matar a curiosidade. Foi numa dessas vezes que percebi que aquela história de non-contact house não era tão sem contato assim. O cara (ou os caras, quando era um grupo que pagava) tinha que ficar ali sentadinho, na beira do palco, mas a menina, se quisesse, podia diminuir a distância. Em uma ocasião, a dançarina ficou de joelhos no palco e praticamente esfregava o tórax nu no rosto do moço. Por sorte, a meia-luz constante e o meu alto grau de astigmatismo não me deram mais detalhes do que os de quem está lendo o texto. A cena parecia tão distante que nem eu quisesse dava pra me sentir incomodada com aquilo.

A falta de efeitos de iluminação, por sinal, só não era maior do que a de preocupação com a música. Não tem dj no SF. A trilha é escolhida pelo mesmo gerente do bar e fica tocando de forma aleatória a noite toda. Se a stripper realmente quiser pode até pedir uma coisa especial, mas normalmente elas tanto dançam sob "I touch myself" (música símbolo do lugar) quanto sob "dancing in the moon light", música sem gracinha, que só meu manager e a amiga loira de Perth parecem gostar.

O cara que quiser algo mais reservado, sem todo mundo vendo o que só ele pagou, pode optar por um showzinho particular, num segundo ambiente, uns cinco degraus abaixo e à direita do salão. Lá só entra quem pagou pelo show e só fica durante o strip. O preço é um pouco mais salgado: 50 dólares. Essa é a maior fonte de renda das meninas. Foi graças a esses private shows que a hong konguiana (seja lá como se escreve ou diz isso) que conhecemos no primeiro fim de semana em Perth disse que conseguia tirar até $700 por noite - um absurdo pra quem tinha acabado de chegar ao país e estava procurando emprego.

Em Perth, a menina se gabava por que, ao contrário do que acontecia na casa concorrente, onde ela trabalhava não era obrigatório abrir as pernas durante a dança. Já em Townsville, as garotas dão duro pra conseguir os tais $50. Para cada sofazinho tinha uma mesinha. Enquanto os caras ficavam sentados no sofá, as meninas faziam strip na mesinha, o que incluía alongamentos absurdos com a perna. Outra vez, vi uma das meninas batendo altos papos com o cara. Ele sentadinho no sofá e ela, nua, deitada de bruços no chão, em cima daquele carpete provavelmente imundo. O andar de baixo ainda tem chuveiro dentro de um box transparente, mas ninguém usa. O show na ducha foi cancelado e riscado dos flyers antigos antes de eu começar a trabalhar lá.

Num ambiente tão diferente, a surpresa é que os caras respeitem tanto quem está no bar. Como hostess é diferente. Ouve-se gracinhas, perguntam que horas que vai ser a sua vez de dançar e coisas do tipo. Já como bartender, o máximo que rola são umas conversinhas bobas, um pedido de telefone, mas tudo dentro do normal, nada conectado a uma casa de stripper. E daí vem o lado bom. Se dizem que toda mulher tem a fantasia de saber como seria a vida de uma garota de programa, eu cheguei perto e trabalhei num strip club, mesmo sem nunca ter tirado uma peça de roupa. Quase um exercício de jornalismo, e ainda com ótimas gorjetas. Se as meninas ficavam com as notas, eu recebia cerca de 60 dólares por noite só em tips, a maior parte em moedas. Afinal, como diria meu gerente, "elas não têm bolso".

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