Thursday, July 10, 2008

Patty's on fire

Na escola, aprendi que a dor é uma maneira do corpo dizer que alguma coisa está errada e que, por isso, você tem que tomar alguma providência. Enquanto tá com dor é que nao tá tudo ok. A mesma coisa acontece com o choro. As lágrimas são uma forma do nosso organismo lidar com as emoções com as quais não consegue expressar. Por isso, apesar de não chorar com freqüência, acho que de vez em quando é necessário - e benéfico.

No caso da dor, se for mesmo isso, devo confessar que meu corpo é um tanto quanto prolixo, pra não dizer burro. Já faz mais de 48 horas que essa dor maldita não passa. Eu entendo que minha pele está se recuperando, mas eu já fui medicada, já estou em repouso e as pontadas continuam. É só ficar de pé - não precisa nem fazer força - que parece que minha panturrilha está sendo dilacerada de dentro pra fora. Como conseqüência, eu, que sempre me considerei a pior pessoa do mundo pra ficar doente, agora passo as tardes deitada no sofá ou na cama com as pernas pra cima. E tudo isso a uma semana da viagem.

Um pouco de bebida a mais e um pouco de juízo a menos fizeram com que um amigo colocasse fogo na minha perna enquanto tentava acender a fogueira de festa julina. Ironia ou não, em vez de apagar o facho ou o fogo no rabo pra ficar tranqüila, foi preciso que eu pegasse fogo para então sossegar.

A festa em questão tinha lista fechada. Seria minha despedida, rumo ao país dos cangurus. A princípio, reuniria amigos e família e, portanto, só chamei pessoas de quem realmente gosto muito. Amigos queridos, daqueles com quem me sinto em casa, e de quem vou sentir muita falta quando estiver longe. No fim, não poderia ter escolhido melhor.

A explosão em si foi muito rápida. Estávamos todos comendo, quando aceitei o oferecimento do meu irmão de acender a fogueira no meu lugar. Foi ele e foi um amigo. Não sei como, uma lata de tinner foi parar na mão do moleque. Ele jogava o combustível, o fogo subia e desaparecia com a mesma rapidez. Preocupada, cheguei perto pra tentar ajudar. Porém, o álcool consumido por nós durante a tarde na sueca anulou o pretenso conhecimento adquirido no Exército. Numa última esguichada, o tinner passou por cima da fogueira e levou o fogo pra mim e pro meu irmão - nele, com menos gravidade.

Na hora, só vi minha perna pegando fogo, mas nos poucos passos até a borda da piscina ele cedeu. O cheiro de cabelo queimado e os fios chamuscados só foram percebidos depois. Fiquei puta, agarrei a lata da mão do menino e saí xingando, arrancando casaco e pantufa, enquanto seguia para o quarto onde as meninas dormiam para pedir um hidratante emprestado. Acordei as garotas meio como um furacão e a partir daí parei de ser a responsável pelos meus atos.

É de conhecimento mais do que público que eu não sou a pessoa que mais aceita ajuda nesse mundo. Gosto de sustentar a fama de auto-suficiente. Mas, dessa vez, parecia uma criança sendo levada pra cima e pra baixo, obedecendo as instruções daquele grupo de amigas-irmãs.

Primeiro lavei a perna. Em seguida, fiquei sentada, tentando me acalmar enquanto as meninas me faziam compressas com toalhas molhadas. O choro que não saiu já foi suficiente pra deixar Ariel preocupada. Em algum momento que não lembro qual, tomei um banho pra tentar tirar o cheiro de queimado do cabelo, o que não funcionou.

Lucy, mal havia saído da cama, já sacou o celular e conseguiu instruções do que fazer em casos de queimaduras. Outro amigo, assim que descobriu o nome da pomada receitada, pegou a chave e correu em direção em direção ao carro, só perguntando ao léu se alguém queria ir junto. Pra mim, que só via a movimentação, ainda confusa, tudo aquilo parecia um balé ensaiado, com pessoas correndo em todas as direções, cada uma com seu papel.

Na volta, como o creme não fazia efeito, fui quase arrastada para o hospital. Os 40 quilômetros mais a confusão para chegar até o lugar me mostraram que a preocupação alheia tinha fundamento. A pele ardia tanto que foi preciso o ar frio do carro para acalmar os arrepios.

Chegando lá, enquanto andava de vestidinho vermelho e ceroulas de festa junina pelo pronto-socorro, doentes, médicos e enfermeiras olhavam com espanto para minhas pernas. Um médico sarcástico mas muito simpático começou o atendimento, que uma enfermeira extremamente cuidadosa completou, com soro e mil remédios diretamente na veia.

A mesma atenção eu recebi dois dias depois, aqui em São Paulo, na ala de queimados do HC. Enquanto conversava com o médico, a enfermeira se divertia arrancando bolhas e pele necrosada.

Apesar da insistência de Ariel e de outra amiga, essa de infância, voltamos pro sítio e não para São Paulo depois do primeiro atendimento. O clima ruim já havia tomado conta das pessoas que continuavam na casa e das que tinham acabado de chegar. A festa julina se resumiu à comida e à fogueira, acendida depois e deixada de canto, como que de castigo.

No dia seguinte, por insistência do padre fajuto que chegou trazendo Lana, fizemos o tal arraial, com casamento, damas de honra, Bíblia de viagem à Disney e tentativa de Queen para trilha nupcial. A quadrilha deixou tudo mais ameno. Até mesmo piadinhas com minha perna foram aparecendo.

Antes, pensava em fazer uma despedida para todo mundo, assim comemorava com um final de semana inteiro para os mais próximos e um tchau geral para os outros. No fim, o acaso fez com que essa fosse o veradeiro e único evento. Apesar da fama de festeira, só pude dar oportunidade para os amigos mais queridos me darem tchau. Os que aproveitaram a chance acabaram mostrando que mereciam o convite. Esse blog já fez diversas odes à amizade, mas acho que nunca é demais. Se amigos são irmãos que a gente escolhe, esse final de semana me mostrou que minha mãe social era bem da assanhada. Ainda bem.

1 comment:

Lucy Jones said...

Nem tenho comentário... é até difícil de acreditar que tudo isso aconteceu...

Acho mesmo que o segurador do tiner é que devia ter se auto inflamado!

:P