Thursday, July 24, 2008

Os trens e o francês

Nos meus últimos meses no Brasil, minha mãe disse umas três vezes "que tristeza que é pegar ônibus de domingo", toda vez que via alguém no ponto de final de semana. E eis que no meu segundo dia em Perth, domingo, primeiro dia em que acordei aqui, eu peguei um trem, um ônibus, conheci minha escola, peguei o mesmo caminho de volta e depois de 15 minutos peguei mais dois trens pra ir e dois pra voltar da cidade vizinha onde um dos meus amigos está morando (isso sem contar as caminhadas). No final do dia, já me consideravam especialista nas timetables.

Há três tipos de trem em Perth. Pelo menos, três que peguei até agora, mas no folhetinho diz que tem muito mais. Um serve a todas as estações. Os outros dois só a algumas. A diferença está na letrinha que vem junto com o destino, mais ou menos com os Lapa T e Lapa H; República 5121 e República 5154 de São Paulo. Aqui, devo fugir fugir só do Arminale C, que não pára em Queenspark.

A técnica para pagar e simples e fácil de ser burlada, mas acho que ninguém pensa nisso, então eu também procuro não pensar. Ou você usa um cartão, meio a la bilhete único, ou compra tickets na hora, numa maquininha. O problema é que nem todas aceitam notas. Se você não tiver moeda ou o cartão de ônibus, não sei o que faz. Provavelmente entra sem pagar e só torce para que entre nessa estação que separa você da próxima maquininha não haja nenhum fiscal nos vagões (nem no ônibus nem no trem há qualquer tipo de catraca, no máximo um um cara controlando a entrada nas estações maiores).

Se a confiança é grande, a multa para quem a quebra é maior ainda. São cinquenta dólares australianos só para quem compra passe com desconto sem ter a carteirinha. Pra quem não tem bilhete, não tenho idéia de quanto seja.

No domingo, depois de ter conhecido minha escola com minha host mother (ou host big sister, como ela mais se parece), encontrei com minha amiga também recém-chegada e seu companheiro francês de homestay. No meio da viagem, vi o tal guardinha, cuja existência até então eu ignorava. Como eu e minha amiga tínhamos pagado passagem normal, não havia problema. Já o menino comprou de estudante e não levava a carteirinha - ou qualquer outro documento -, só, por sorte, vestia o blusão da universidade onde ele estudava inglês. O guarda entendeu, explicou que da próxima ele deveria comprar passe normal e foi embora. No fim, o inglês ruim do francês ajudou a embasar a tese de que ele não sabia o que tava fazendo.

A nossa intenção era chegar cedo pra ver o tal market de Fremantle, mas a gente chegou, demorou dois séculos até achar meu amigo num bar de comida asiática, conversamos um pouco, depois fomos comer no Hungry Jack - versão australiana pro Burger King. Um cara explicou que há alguma coisa, talvez alguma lei, que não permite o uso de nomes da monarquia em estabelecimentos comerciais. Eu relacionei direto com a monarquia britânica, a quem a Austrália responde, e desisti de descobrir se essa é a explicação verdadeira.

Depois de matar a gigantesca fome ao lado de um monte de adolescentes EMOtivos (eu juro que nunca vi na minha vida uma quantidade tão grande de crianças com cabelos lambidos e esquisitos, tachinhas, piercings, roupas pretas e acessórios coloridos juntas em um lugar supostamente neutro), uma família e um cara gordo, fomos encontrar o tal pub. Mas eu acho que tava tão feliz de ter comido que esqueci de prestar atenção no caminho. Como os outros dois conseguem ser tão ou mais desligados que eu, só percebemos que tínhamos andado demais depois de uns 15 minutos de caminhada. Dai a gente foi pra cima e pra baixo da rua algumas vezes, até que lembrei do final da explicação. Não era só virar às esquerda, também precisava virar de novo à esquerda no farol seguinte. Juntamos isso com algumas indicações coletadas na rua, chegamos até o tal bar.

A festa era de Satã, não aquele vermelho, de cifrinho, mas um amigo do meu amigo, vindo da Arábia Saudita e que realmente tem esse nome. O moço acabou de se formar na escola e vai fazer uma faculdade na Austrália. Por isso, tava dando uma festa numa área reservada no lugar onde ele trabalha, um pub todo bonitinho com música ao vivo.

A gente chegou, passou pelo cara que tava fazendo som com voz e violão, entrou na área reservada. Lá dentro, meu amigo sambava com uma amiga. Comecei a dar risada. O dono da festa, cuja brancura já tinha sido descrita, me olhava com uma cara de quem é você? Não tive tempo de me apresentar.

Atrás de mim começava uma discussão entre o bartender e o amigo francês, que acabou de fazer 18 anos, é branquinho, sem barba, cheio de espinha na cara e que, assim como minha amiga, esqueceu o passaporte. Mas o bartender não quis saber dela ou de mim. No fim, já que a gente não ia ficar de qualquer jeito, ficamos um pouco frustradas por as pessoas nem cogitarem que a gente pudesse ser menor de idade. Acho que a gente tá mesmo ficando velha.

Por mais que tentássemos conversar, não teve jeito e fomos os três embora. Já na saída, fui apresentada rapidinho ao dono da festa e conversei na rua com meu amigo, que ficava entrando e saindo de trás de uma linha branca pintada na calçada e que delimitava a área do bar, já que tem uma lei na Austrália (sim, a Austrália é cheia de leis) que não permite que se beba nas ruas.

O menino bem que sugeriu dele ir embora sozinho, mas se a gente veio junto, a gente vai embora junto. E na volta, nova confusão.

Australiano é um povo bem simpático, agradável, mas diz a lenda que eles bebem muito. Nesse dia, descobri que não é lenda, principalmente quando tem jogo do futebol esquisito deles, um mix do nosso futebol com rugby e que eu achei chatíssimo, mas que o namorado da minha homestay, e aparentemente o país inteiro, adora.

A gente pegou o trem e sentou os três juntos. Um cara que estava ao lado do francês resolveu puxar assunto e perguntou, se matando de dar risada, o que ele fez no domingo. Ele, inocentemente, contou seu dia, começando pelo homework. O outro então começou a fazer gracinhas e piadinhas a respeito do menino novinho com duas garotas visivelmente mais velhas. Mudamos de lugar e, ao chegar na estação central, cada um tomou seu caminho.

Eu, que já me achava a mais entendida sobre os trens de Perth, perdi três saídas e o tempo de escrever esse texto inteiro (o que deve ter dado mais ou menos uma hora) pra perceber que nenhum ou quase nenhum trem que vai pra Armindale passa na minha estação e que o T que tanto aparece é de Thornile, destino alternativo da mesma linha, que sai de outra plataforma e que era a minha única opção pra chegar em casa.

2 comments:

Lucy Jones said...

Claro que vc ia se perder...

:p

Ariel Jones said...

Amiga,

nem percebi que o texto tava tão grande. Que maravilha. Que delícia de viagem atrapalhada. E que balada furada einh?!?!

Mas você já sabe como burlar né? garrafa de refrigerante com conteúdo levemente modificado... hehehe

Funcionava nos EUA, heheheeh

Bjs