Tuesday, February 24, 2009

Dez dias em Bali

Apesar do tempo nublado, o comandante avisou que fazia 31 graus no aeroporto de Depansar, em Bali.

Um amigo já tinha me contado que na sua ida à Tailândia ele tinha matado todas as saudades do Brasil, podendo beber na rua, vendo camelôs em tudo quanto é esquina.

Logo que a gente chegou percebeu mesmo que estava de volta à parte em desenvolvimento do mundo.

Uma fila imensa de turistas esperava pra pegar o visto, pago na hora, sem nenhum pré-requisito. Dez dólares americanos se você quiser ficar até uma semana, vinte e cinco se quiser ficar de oito dias a um mês. Em nenhuma hipótese isso pode ser renovado.

No saguão de desembarque já dava pra ver um pouco da cultura balinesa, com um monte com imagens em gesso de monstros e dragões decorando as vigas da parede.

Nesse meio tempo desmentimos a idéia de que Bali só dá australiano. Na fila, praticamente só asiático, o que pode ser explicado também pelo fato de que tinha acabado de chegar um mega avião da china, de dois andares e tudo. Com tanta gente no país até avião vira transporte coletivo.

No fim da fila, todo mundo deveria passar por dois guichês, um em seguida do outro. A gente passou por um. Daí descobriu que não tinha o tal landing ou arrival ticket. Voltamos pro saguão e fomos falar com um carinha numa mesinha de canto. O que tinha que preencher nesse ticket eu não tenho a menor idéia, já que os moços preencheram pra gente usando só as informações do nosso passaporte e onde iríamos ficar (“Eu sei que vocês vai ficar dez dias, eu quero saber onde” ele respondeu depois da gente ter entendido errado a pergunta dele, feita num inglês com tanto acent quanto o nosso)

Bali não faz a menor exigência pra entrar no país, mas se folgar a briga é seria. Um pôster enorme diz que tráfico de drogas é punido com pena de morte.

Minha amiga se perguntava se o freeshop de lá seria grande. Eu ainda não posso responder, mas não deve ser, já que a gente passou por ele e não viu.

Passadas as burocracias, na hora de entrar no país mesmo, a gente já se sentiu acuada. Vendedores de dólar cada um em seu guichê chamavam a gente pra suas lojinhas, gritando e agitando plaquinhas de “no comission” - mas a cotação era a mesma em todas. Depois de alguns minutos estáticas, tentando entender aquela cena, cada uma entrou num guichê diferente. A minha moça explicou que a taxa é a mesma, mas são cada guichê é de uma empresa. Como não tem diferença de valor, eles têm que chamar a atenção desse jeito mesmo. O negócio é que aparentemente eles se divertem com a brincadeira.

Na rua é até possível conseguir uma melhor cotação, mas é preciso tomar cuidado pra não te enganarem, disse ainda a menina que nos ensinou a primeira frase local. "Tarima Kasi". Obrigado, em indonesian. Em resposta, se diz "Sama Sama". Em balinês é diferente, mas todo mundo fala as duas línguas fluentemente. Depois, iríamos descobrir que balinês é muito mais esperto do que a gente pensava e, mesmo sabendo que precisávamos tomar cuidado, perdemos dinheiro na troca pela moeda local.

A mesma agitação das casas de câmbio se repetiu na porta do aeroporto, quando dezenas de locais esperavam cada um o seu passageiro, ostentando plaquinhas com os nomes das pessoas. Em seguida, os taxistas - ou taksistas - tentavam quase que te agarrar pelo braço. Pro nosso hotel, o primeiro ofereceu por 100, no fim fechamos por 75 e talvez ainda caro. Estava estranhando a qualidade dos carros, todos grandes e novos, mas na hora de assinar a primeira viagem descobri que a maioria é alugada. O povo da Indonésia é realmente muito humilde.

Na rua, quase se implorava pra que entrássemos nas lojas, alugássemos um carro ou fizéssemos prolongamento de cabelo ou dread. Tudo pra ganhar algum dinheiro, que pelo visto é mais escasso do que no Brasil.

O país vive de plantações de arroz, alguma exportação de produtos de decoração, mas principalmente de turismo. Porém, dois eventos afetaram muito a economia local. Um deles foi a recente queda das bolsas asiáticas. O outro, um pouco mais antigo, foi o atentado a bomba a uma das baladas mais famosas da cidade. Hoje, no lugar, tem só um monumento, com uma fonte e uma parede onde estão os nomes de todos os mortos na tragédia. Entre eles, dois brasileiros. A maioria mesmo era australiana, gente jovem, de férias.

O nosso hotel ficava na rua de trás de onde era a balada. Segundo o camareiro, um dos hóspedes que morreu ia se casar no dia seguinte no próprio hotel. A noiva, também australiana, estava dormindo na hora. Vai ver até acordou com o barulho. A explosão foi tão forte que, mesmo com a distância, quebrou algumas janelas dos quartos.

O atentado aconteceu em 2002, mas ainda hoje muita gente evita entrar de no país com medo de mais alguma tragédia. Não é à toa que quando a gente perguntou pro nosso motorista sobre o caso ele fez questão de enfatizar que isso era passado. Sem turismo o país não sobrevive.

Nas ruas, os moços que vendiam jornal passavam em cada um dos carros perguntando da onde os passageiros eram, já que eles tinham jornais de quase o mundo todo. Todos, inevitavelmente, fizeram uma cara muito frustrada ao saber que éramos do Brasil. Isso porque eles não tinham nenhum jornal pra nos oferecer.

Nas baladas, estrangeiro é tratado como rei. O povo local paga pra entrar. Overseas entra graça e às vezes ainda recebe um drink de boas-vindas. Na primeira que a gente foi, ganhamos um líquido amarelo num tubo de ensaio. A moça disse que era "o mesmo suco que vendia lá dentro", mas que ali era só uma amostra. O negócio é que a gente não tinha idéia de que suco era aquele. Enquanto uma amiga ficou meio receosa, a outra me mostrava que já tinha tomado metade. Apesar da cor do vidro, meio sujo, segui a loira e virei o tubinho.

Lá dentro, a música até tava boa, a mesma dance das baladas australianas, mas o público era quase só local, além de um ou outro indiano, xavequeiro como sempre. O negocinho que a gente bebeu não era ruim. O bartender mostrou a garrafa. Era suco de laranja com o destilado de arroz balinês.

Quinze minutos depois, fomos conhecer os outros lugares. Os clubs eram bons, música parecida com as da Austrália, povo da Austrália, mas de outras parte do país além de Perth. Muito europeu, também. No Bounty, mais famoso dos clubs, e para onde voltamos quase todas as outras noite, aproveitamos as nossas roupas aussie e o primeiro andar vazio pra tirar foto dentro da gaiola. Aliás, o que a gente mais fez foi tirar foto. Mais de 3500 fotos em 10 dias de viagem, o que incluiu de foto de templos e a gente experimentando peruca numa loja de departamentos.

Quando chegamos em Perth, minha amiga disse que achava estranho as ruas perfeitinhas demais, mas com coisa boa a gente acostuma. Nas ruas de Bali, a gente estranha com a quantidade de buracos. Eu, lógico, quase torci o tornozelo uma dúzia de vezes. Quando não virava o pé, chutava ou, sempre sem querer, pisava nas oferendas que eles colocam no chão, bem em frente às lojas – em todas elas – pra dar sorte. Junto à maior parte do comércio, por sinal, tem um monumento com alguma estátua de monstro gordinho, a maioria deles com uma cara simpática, em frente ao qual também se colocam as tais oferendas.

As roupas e coisas para decoração são baratas. Muito baratas. Mas tem que pechinchar, por mais chato que isso seja. Às vezes dá até um peso na consciência. O povo não tem dinheiro e na maioria das vezes você consegue levar o produto por um valor até três vezes menor que o inicial. Depois de alguns dias de viagem você acaba aprendendo o real preço das coisas e mais de uma vez uma de nós saiu ofendida, pisando duro após ter se sentido passada por idiota por de um vendedor tinha jogado o preço muito alto e que depois, arrependido, gritava repetitivamente “por quanto você quer então?”. Mas não tinha jeito, se jogou o preço lá em cima, pra chegar no valor que você quer demora e dizer não depois que começar a negociar é quase impossível.

A população sofre com falta de dinheiro e eles freqüentemente usam isso como arma de convencimento, pedindo pra comprar qualquer coisa porque não venderam nada o dia inteiro. Vender, no fundo, se torna quase um pedido de esmola. E mesmo assim tem gente que pede dinheiro, normalmente depois da balada, às vezes trazendo junto um bebê de colo. Também tem muita prostituta, algumas delas crianças, numa triste situação que brasileiro conhece muito bem.

Com a problemática financeira chegando a esse ponto não é difícil prever que logo Bali não vai mais ser um lugar tão seguro. A religiosidade do povo balinês é uma coisa muito forte, mas tem muita gente de fora que não tem todos esses princípios. E mesmo com aqueles que têm, dá pra se colocar no lugar e imaginar a raiva que vai crescendo dentro deles, sem dinheiro nenhum e vendo esse bando de turista que tem um monte de dólares se recusando a comprar uma coisinha que seja pra ajudar a sua família. Uma hora a raiva explode.

Por enquanto, de vez em nunca se houve falar de um roubo de carteira, mas o mais comum ainda é truque na hora de trocar dinheiro. A gente foi, se achando as safas, tendo certeza que se a gente contasse direitinho ninguém ia ser enganada. Seguimos a cotação mais alta, contamos as três o dinheiro de cada uma, separamos em bolinho. Na hora que ele encostou no montinho pra entregar de volta sumiu umas 20 notas pelo menos, totalizando 400 mil rúpias de cada uma, o que equivalente a 40 dólares americanos, uma fortuna pra eles.

A gente só percebeu quando chegou no hotel e, por decisão da minha amiga que queria só dizer que tínhamos percebido o roubo e que isso era um absurdo, fomos falar com o moço de volta. Do outro lado da rua, seis caras do mesmo grupo jogavam cartas e davam risada da gente. Menos de dois minutos de conversa o moço admitiu que tinha tirado o dinheiro porque era assim que ele conseguia sobreviver. Pediu desculpas e disse que devolveria metade do dinheiro, já que o chefe tinha passado e levado o resto. Aceitamos a metade oferecida e ainda saímos apertando a mão do cara como se ele tivesse feito um favor. Mas a verdade é que ninguém esperava ver nem metade do dinheiro de volta, então foi quase um lucro. Depois, alguém falou que se eles fossem pegos roubando perderiam uma das mãos, por isso pra ele era mais vantajoso devolver metade e fazer a gente ficar quieta. E mesmo assim ele ganhou muito. No hotel, conhecemos um casal que além de perder dinheiro foi feito de idiota, já que o moço em questão disse que era tradição fazer reverência antes de pegar o dinheiro. Então ele, com as notas entre as mãos fez a reverência - e nessa pegou um belo bolinho - e passou pro turista que reverenciou de volta o amigo mão leve.

Eis aqui outras duas marcas registradas de Bali. Número um as scooters. A maioria do pessoal que vai pra lá aluga motinho e sai pra passear sozinho. A gente, por minha causa, que não me senti segura pra andar no trânsito balinês, mil vezes mais caótico do que o de São Paulo, acabamos só com os motoristas particulares, que nem são tão caros. Segundo uma amiga acabou de me contar, provavelmente a moto sairia ainda mais cara, já que numa outra semelhança com o Brasil, os guardas adoram parar as pessoas – vulgo turistas – pra conseguir um cafezinho em vez de multá-las por qualquer coisa que eles acharem interessante.

O número dois é o Bali Belly, um espécie de rotavírus que também adora gente de fora. É tão normal pegar Bali Belly que o remédio está disponível em qualquer farmácia, não precisa nem passar pelo médico, e os sintomas, depois da pessoa ser medicada, passam em um dia. E já que não andamos de motinho, uma das meninas teve o Bali belly, só pra gente dizer que experimentou de quase tudo.

Ao contrário do que pensávamos, Bali não é feita de praia. Com raras exceções, a maioria em ilhas distantes, elas não são bonitas e são meio poluídas. Em compensação, o povo é simpático, feliz mesmo com a vida difícil, as cidades têm paisagens lindas e eles têm uma cultura muito rica, com várias lendas e tradições, coisa que não se vê num país novo como o dos cangurus.

Os templos são bonitos por causa da natureza. Muitos poucos têm algo de especial na arquitetura. Normalmente é paisagem e altares, com imagens de monstrinhos, mas têm alguns diferentes. No templo da água, chovia horrores e mesmo quem não se arriscava a entrar na piscina pública pra se purificar acabou se molhando. Esse foi o nosso caso, já que rejeitamos milhares de vezes os guarda-chuvas oferecidos pelas crianças que mal tinham corpo pra levantar o negócio. No templo do elefante o legal é uma caverninha, um outro é famoso pela enorme quantidade de macacos (que roubam de tudo, inclusive meus dois elásticos de cabelo) e no mais famoso deles, que esqueci o nome e minha amiga pode colocar via comentário, a sua simples localização no meio de uma praia já o torna fantástico.

A entrada pra todos templos eh quase de graça. Custa 7 mil rupias, o que equivale a cerca de 1 dólar, o que quase nao deve dar nem pra lavar a canga que eles emprestam e nos fazer usar em sinal de respeito.

Outra coisa ótima dos balineses é que eles têm fascinação por outros povos. Não foram poucos os indonésios (e indianos), homens e mulheres, que pediram pra tirar foto com a gente, de tão diferente que éramos em comparação à sua etnia.

Depois de dez dias, na volta pra Austrália, saímos mais tarde do que deveríamos do hotel, tivemos mais uns probleminhas com a casa de câmbio do aeroporto e perdemos tempo comprando um salgadinho (já que a tarifa da Virgin Blue quase que não inclui nem água de graça e pra comer você tem que pagar na hora). Como resultado, fomos chamadas pelo autofalante. Quando entramos na aeronave, o avião inteiro, que já tinha sido informado que só estavam esperando três passageiros pra poder decolar, olhava pra nossa cara. Entre eles, dois casais que a gente não viu mais que eles nos viram. Casais de conhecidos e que disseram ter dado risada ao ver “quem eram os passageiros atrasados”. "Tinha que ser brasileiro, né". Como sempre, com a maior cara deslavada do mundo, a gente só ficou sem graça e deu risada. A única coisa que se pode dizer é que aproveitamos até o último minuto. E meu chocolate comprado no aeroporto valeu a cara feia.

1 comment:

Carol said...

Gostei da parte em que as pessoas de etnia diferente pediam para tirar fotos com vcs! Muito interessante...quando estive nos EUA, vivi situações parecidas, mas nada como o que vc escreveu. Muito bom!

Em relação ao atraso (e por serem brasileiras...)...abafa!