Sunday, November 02, 2008

Slipknot

Saindo da estação de trem eu percebi que estava vestida com a minha combinação de sempre pra shows de rock: calça comprida, blusa preta, tênis. A diferença é que dessa vez eu estaria do outro lado do balcão, vendendo as cervejas em vez de comprando.

Apesar de ser a cidade mais isolada dentro do continente mais afastado, Perth recebe uma quantidade considerável de shows. Parece que só este anos já estiveram por aqui Bon Jovi, Alanis Morissete, Celine Dion, Eros Ramazoti, The Police, Alicia Keys e, o mais recente deles, Slikpnot.

Até semana passada eu não sabia da existência desse show. Fui descobrir depois de um desses acessos de 'preciso arranjar outro emprego'. Tenho uma coisa dessas mais ou menos uma vez por mês, às vezes mais freqüente. Fui até o seek, site de emprego mais famoso daqui, e fiz uma busca pelas vagas no ramo hospitaleiro (que inclui bar service) e marketing (onde também entra a parte de promoção). Fui preenchendo ofertas até chegar nas de 15 dias antes. No meio do caminho encontrei essa empresa de shows e eventos. Fiz o cadastro, consegui um login pro site deles e me ofereci pra trabalhar no show, que seria em menos de uma semana.

Três dias depois me ligam. Estava no show! Não tanto por mérito meu. Apesar de já ter uma experiência considerável em serviço de bar, aqui faltam empregados, então se você tiver o tal RSA (Responsible Service of Alcohol, um curso obrigatório pra quem lida com bebida) já é meio caminho andado.

Diferentemente do que acontece no centro de convenções do cassino, onde o bar fica do lado de fora do lugar do show (como a bilheteria e o telão do cinema), em Showgrounds o bar fica dentro do próprio pavilhão, bem na entrada, mais ou menos como acontece no Brasil. São vários guiches e todos atendem em duplas. O cliente faz o pedido pro caixa, que tem um bar runner do lado. Enquanto o caixa cobra o valor, o bar runner pega o seu drink e abre a latinha. Todas as bebidas são em latinha, com exceção da água em garrafa ou copo de plástico (a primeira é vendida, a segunda, de graça).

A Austrália tem diversas leis pra inibir o consumo excessivo de álcool. Uma delas é essa do RSA, um curso que explica o valor alcóolico de cada bebida, dá dicas de como identificar se uma pessoa está bêbada e te avisa que se você vender álcool pra alguém bêbado ou menor de idade e ele aprontar, você pode vai ser indiciado também. Mesmo que a pessoa não faça nenhuma besteira, você e o bar serão multados em no mínimo mil e no máximo 10 ou 50 mil dólares.

Outra medida que eles usam é a de dar água de graça. Pra isso, além das garrafinhas, que custam $3,50, todos os bares, mesmo esses de shows ou feiras, distribuem copinhos com água corrente pra quem pede.

No show do Slikpnot, eu fui bar runner e passei cerca de 4 horas abrindo latinhas com a ajuda de uma colher de chá - meu chefe tinha pedido pra trazer uma de casa, mas como não tinha entendido a finalidade, trouxe só um abridor de tampa de garrafa, que acabei não tirando da bolsa.

Escolhi ficar como bar runner porque achava que assim ia dar pra conversar mais com os clientes e, portanto, seria mais divertido. Não é novidade pra ninguém que adoro gente bêbada. Acontece que eu não sabia desse esquema de ter que ficar atrás de uma caixa. No final, ela é quem conversa mais com as pessoas. Eu converso também, mesmo porque com essa altura pequeninha nem que eu quisesse ia conseguir me esconder atrás da loirinha. Além disso, os bêbados também gostam de mim.

No fim, bar runner é realmente mais cool. E isso nos dois sentidos da palavra. É mais legal porque é bem mais legal ficar correndo pra pegar e abrir quatro latinhas correndo do que simplesmente apertar quatro botõezinhos, mas também é mais cool porque durante vários momentos eu praticamente parei de sentir a minha mão de tanto que enfiava ela na água extremamente gelada pra tirar as latinhas.

Mais ou menos às 9 e meia da noite, alguém lá de cima resolveu fechar o bar. A platéia já estava ficando alterada, 'causando', na melhor gíria brasileira, então fecharam todos os caixas. Fiquei um tempinho enrolando e então fui ajudar o resto do povo a entregar água pras pessoas. 90% delas reclamaram que a não estávamos mais vendendo cerveja, mas, como não tinha outra coisa, vai água mesmo. Um, dois, três copos um seguida do outro e por fim outro jogado na cabeça. Alguns ensaiaram aquela zona de jogar água uns nos outros, mas não extrapolaram muito.

A água serviu mais pra acalmar os ânimos pela falta de cerveja, mas, segundo aprendi no meu RSA, de nada adianta beber água depois de ficar bêbado. Ela é boa antes, pra ocupar o espaço que seria destinado ao álcool e te fazer beber menos. Depois, com água ou sem água o tempo pra ficar sóbrio vai ser o mesmo.

Mesmo com a latinha de Tooheys Extra Dry custando $7 e o Bourbon and Coke a $9,50, o povo bebeu bastante e ficou revoltado com o fechamento antecipado do bar. Um deles vai ficar marcado como o meu primeiro cliente problemático.

O cara é grande, gordo, careca e com barba. A fisionomia lembraria o ferreiro (ou prefeito?) das histórias do Asterix. Também pode lembrar um pilar, de rugby, mas faz tanto tempo que não jogo que me sinto até mal de usar essas referências. Ele pediu cerveja, eu disse que não tinha mais e ofereci água, ele reclamou, como todo mundo, mas não quis a água e nem foi embora. Ficou falando meio sozinho, meio com o amigo, meio com a outra menina que tava trabalhando do meu lado, também ditribuindo água. Depois de um tempo, ela chamou os seguranças que só pediram pro cara ir embora e ele ficou mais irritado, mas foi. Eu tinha quase ficado com pena dele, achando exagero dela. Depois de cinco minutos, ele volta. Me pediu cerveja. Eu disse que não tinha. Ele então pegou um copo de plástico com água que estava no balcão e bateu na mesa. "Não, não, cerveja, não!". No momento em que o copo bateu na mesa, a água saltou do copo. Eu tranqüilamente dei um passo pra trás, mas só por dar, já que não ia ficar muito mais encharcada do que já estava, de tanto mexer com gelo e água.

Na hora me veio a imagem do gigante do 'João e o pé de feijão' batendo o pé fazendo riminhas pra dizer que "mim sente cheiro de humano". O cara e o amigo magrinho dele fizeram isso mais umas três vezes até que os seguranças vieram, conversaram e acho que os fizeram irem embora vencendo pelo cansaço, já que ninguém fez a menor menção de encostar no pequeno monstro.

Um pouco antes das dez e meia, meu chefe veio com o papel e a caneta pra eu assinar o ponto e ir embora. Saí da área restrita, fiquei mais cinco minutos, ouvi a última música enquanto conversava com um dos meus clientes da água (com esses sim, consegui bater o maior papo). Acabou o show, voltei pra casa de trem, como a maioria dos fãs do Slipknot. Na estação, uma menina me perguntou se eu tinha acabado com toda a água. Achei o máximo a simpatia dela e continuei conversando. Umas três frases depois, percebi que ela não era cliente. Tinha trabalhado comigo no final da noite. Mas australiana é tudo parecida. Das cerca de 20 meninas, só 4 (eu incluída) eram morenas. E entre as loiras a maioria tem o mesmo corte de cabelo, aquele todo, mas todo repicado. A tentativa é de deixar diferente, já que todas elas tem o cabelo lisinho e fininho. Como resultado, o cabelo fica com volume e com uma cara de desarrumado - o que não podia ter mais a ver com anos 80 e com esses shows em que me enfio.

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