Wednesday, January 30, 2008

Liberdade demais enlouquece

Dizem que a melhor (ou talvez única) forma de segurar um elefante é acostumá-lo desde pequeno às correntes. Se você mostra ao filhote que não adianta, que, por mais que ele tente, não vai conseguir fugir, ele uma hora cansa. O bicho cresce, mas não percebe que já pode estourar aquilo. Por maior que ele seja, não vai ser preciso aumentar os ferros proporcionalmente.

Em muitas famílias, a menina, principalmente, se comporta como um elefante. Quando pequena pede mil vezes pra sair, voltar às 5h, 6h da manhã, dormir fora de casa. Algumas estão tão acostumadas com a rédia curta dos pais que, com o tempo, acabam evitando pedir para não criar desentendimentos. "Eu sei que eles não vão deixar, então pra que vou arranjar briga à toa?".

Mulher e ainda por cima filha, neta mais velha, ou eu acostumava ou não saía. Acho que não preciso dizer o que aconteceu. O simples tema desse blog já mostra o caminho escolhido. Estourei as correntes, mas continuava com o resto dela amarrado na perna, como se fosse uma ligação simbólica com o circo.

No começo, minhas saídas eram só shows, durante ou no final da semana. Depois, baladas - todo final de semana, já que morava ali do lado, mas só de final de semana. A fama de baladeira se espalhou e os convites se multiplicaram. Amigas que não têm com quem sair já ligavam e os grupos foram aumentando. Ao entrar na faculdade, começar a trabalhar, o mundo social aumentou e teve semanas em que saí literalmente de terça a domingo.

Mas daí chega uma hora que cansa, as baladas sempre iguais, e chegou a fase de dar as próprias festas - pequenas reuniões em casa que chegaram a ter mais de 20 pessoas num apartamento que nem de longe era grande o suficiente pra isso. Essas comemorações duraram até meus pais, preocupados com a freqüência de uma ou outra pessoa mais estranha, darem um basta na brincadeira. Sim, porque em nenhum momento a relação pais-baladas foi tranqüila. Toda saída durante a semana na minha adolescência - e pós adolescência - resultava em um sermão atrás do outro, sob os argumentos de que não iria agüentar, precisava dormir, descansar, que desse jeito ia me matar. "Você sabe que a cada dia que você passa sem dormir você perde um ano da sua vida?"

Por mais velha que ficasse, as broncas continuavam. Ao mudar de apartamento, mais longe do trabalho e do roteiro de bares do que o outro, passei menos tempo em casa, o que foi motivo para diversas chantagens emocionais. "Você não gostou dessa nova casa, né?", "Ah, eu tenho que tirar essa parede vermelha do seu quarto. Não é à toa que você não pára quieta... esse vermelho deve emitir algumas vibrações diferentes"

Pra me fazer passar em casa depois do trabalho antes de sair de novo, minha mãe resolveu que não ia mais dar comida pra minha cachorra à noite. Se não quisesse que o bichinho passasse fome, que voltasse pra casa. O clima melhora e piora dependendo talvez dos astros, quem sabe do humor dos meus pais, da cotação do dólar... não dá pra explicar, mas conforme o mês está mais fácil ou mais difícil lidar com isso, como já devem ter percebidos todos que têm pais ditos normais.

Mas acontece que, pouco a pouco, eles resolveram ter uma qualidade de vida melhor. Barzinhos no final da tarde, as viagens nos finais de semana ficaram mais freqüentes e, graças a horários cada vez mais flexíveis, começaram as viagens também durante a semana. Foi com grande surpresa que, ao voltar pra casa um dia desses, ouvi da minha mãe, brava porque já passava das duas da manhã, que ela não iria para a praia no dia seguinte, mas pro sítio e que lá ia ficar pelas próximas duas semanas, mas que era lógico que eu não sabia disso porque não parava em casa. Ela, meu pai, minha avó (que passava férias com a gente) e minha cachorra. Todos fora. Em casa, só eu, meu irmão e os peixes do aquário.

Acho que poucas vezes fiquei tão perdida na vida. Não precisava mais voltar pra casa pra nada. Pros peixes era fácil de dar comida. Eu jogava aquelas plantinhas de manhã e de madrugada, alguém à noite e, se peixe realmente não dorme, o de madrugada não precisava ser sempre no mesmo horário. Como resultado, em nenhum dia voltei direto. Já que nem eu nem meu irmão cozinhamos, jantar era uma desculpa pra ir pro bar. Depois de um tempo, não agüentava mais comer sanduíche. Já no final de semana (nos dois finais de semana) São Pedro afogou meus planos e fez chover o dia todo. Acabei saindo só à noite. Meu irmão, se, ao contrário de mim, já não tinha muitas regras ("eu não tenho medo que teu irmão saia porque ele tem medo, já você é meio louca, vai pra tudo quanto é canto") ficou ainda pior. Mal nos vimos durante esse tempo todo.

Quinta-feira, véspera de feriado, os peixes já quase mortos e dentro de um aquário imundo de tanta comida, começou a melhor das maratonas. A idéia era primeiro ver um amigo tocar, depois encontrar meu grupo de faculdade no outro lado da cidade e, por fim, decidir se ia pra praia ou não. Por causa do trabalho, não consegui ver o show. Depois de usar a internet do McDonald's, fui direto pro bar, ver um povo que não encontrava há dois anos. Era meu dia de voltar a beber, então uma caipirinha e uma cerveja em comemoração. Chegando em casa, às 4h, arrumo a mala, durmo 1h30 e sigo pra encontrar Lucy.

Dois dias na praia, com aventuras dignas de Jones, e voltamos domingo cedo. O tempo bom que estava no litoral não tinha chegado a São Paulo, mas eu só descobri isso quando faltava meia hora pra alcançar a marginal. Meio deprimida de pensar em outro dia dentro de casa, vejo uma plaquinha que praticamente brilhava "Rio de Janeiro / Taubaté". Tava cedo ainda... 10h30 da manhã. Pegar a estrada rumo ao sítio significava encarar mais uma hora e meia de estrada (exatamente o que tinha rodado até então). Olhei mais uma vez pro céu e quando vi, estava no caminho oposto, sentido interior. Se meus pais tivessem em casa, provavelmente brigariam de eu pegar a estrada de novo, enfrentar o trânsito de volta de feriado à noite, cansada, ir e voltar no mesmo dia, dirigir mais de 6 horas no total. Mas a liberdade me deu saudades. Fui pro interior só pra ouvir "ah, só você pra fazer isso... mas, que bom que veio". No fim, o circo, as correntes viciam.

2 comments:

Lucy Jones said...

O ninho faz falta, né?!

hahaha

beeejos

Fábio Félix said...

A grama do vizinho sempre é mais verde...rs
Acho que a vida é sempre assim: crianças querem ser adolescentes, adolescentes querem ser adultos, adultos querem ser crianças.
Mas, dá pra se divertir no caminho.