Sunday, February 04, 2007

À procura de um herói

Texto que já estava pronto há um bom tempo, esperando pelo post-estréia de nossa nipoJones, que também já está pronto, e em breve aparecerá nesse site

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A semana seguinte ao dia 12 de janeiro foi marcada pelo acidente conhecido como o buraco da Marginal. Enquanto equipes de 30 bombeiros cada se revezavam debaixo da terra para tentar resgatar as vítimas, dezenas de jornalistas ficavam de plantão nas escadarias da estação CPTM de trem à espera de notícias.

Por três dias eu estive entre eles. E como notícias não são só o que está acontecendo neste momento aproximadamente às 16h o pessoal da redação me liga pedindo que encontrasse um personagem em especial: o operador que estava trabalhando no alto da grua (espécie de guindaste) que quase caiu no buraco na hora do acidente. Como a direção do consórcio tinha instruído os funcionários a ter o menor contato com a imprensa, pedir ajuda ao assessor era inútil e o jeito era ver se um dos operários sabia pelo menos o nome do moço que viu todo o acidente de cima e por pouco não foi mais uma vítima.

Saí feliz do cercadinho feito para jornalistas, uma espécie de chiqueirinho para crianças delimitado por faixas da CET, e fui esperar a passagem de operários da Via Amarela, já que o lugar onde eles ficam é bem afastado, permitido somente para funcionários. O problema é que ele saíam muito pouco. A troca de turno, conforme descobri depois, tinha acontecido há cerca de duas horas. Mesmo assim consegui conversar com mais de uma dezena deles. Meio receosos, apesar de nem todos conversarem numa boa, tive alguns bons papos. O único problema é que não achei um que estivesse trabalhando no dia do acidente.

A Via Amarela possui 26 frentes de trabalho divididas em todo o trecho a ser construído do metrô. Com o acidente todas foram enviadas à estação Pinheiros, o que tornou minha busca ainda mais difícil. Não bastava só falar com os operários, tinha que ser o operário do setor certo. Como a oferta de operários era pouca, mesmo que não soubessem nada, continuava conversando com os que estavam por lá. Quase uma Maria Concreteira, se é que esse termo existe. Com um deles o papo durou mais de meia hora. O seu nome é F***.

No final do meu plantão, encontrei com ele de novo. Já cansada, pergunto brincando: "Poxa, F***, nada de descobrir o nome pra mim?" Já tinha pedido outras vezes, mas ele não sabia e nem pensava em se expor tentando descobrir. Por isso, mais uma vez, deu uma risada meio tímida e negou. Mas talvez incentivado pelo amigo que estava do lado, resolveu em segredo me ajudar.

Cinco minutos depois estava no telefone com o pessoal do trabalho quando F*** passa na minha frente sem nem olhar pro lado. Em seguida, o amigo passa e me diz entre dentes: "vai atrás dele que ele vai te dar o nome. Mas disfarça". Empolgadíssima, desliguei o telefone e saí correndo atrás de F***. Já eram quase 10h da noite, o lugar estava bem menos movimentado e muito escuro. F*** se escondeu atrás da tenda da CET onde não havia ninguém e eu fui atrás - o que depois ia me render uma bela bronca da minha mãe, que ficou toda preocupada com o que pudesse ter acontecido.

Muito sério, ele me entrega um papel dobrado sem nem olhar direito pro meu rosto e me diz baixo e muito rápido "olha, não fui eu quem te deu. Lê e queima depois". Ainda fui me justificar "ah, imagina, eu falei com tanta gente, ninguém nem vai imaginar que você", mas antes de eu terminar a frase ele já estava longe. Abro o cartão toda feliz, mas quando olho...

"Ricardo"

Só "Ricardo". Sem nome, apelido, nada. Com aquele quantidade imensa de operários o que eu ia fazer com o primeiro nome só? Quase saí correndo atrás de F***, mas ele ja estava longe, disfarçando, como se tivesse cometido o maor dos crimes. Liguei de volta para a redação e contei a super descoberta, que provocou muitos risos do outro lado da linha.

Mais de quatro horas conversando com todos os operários que vi pela frente, um super esquema de entrega de informações para ter só o primeiro nome. E se ainda fosse Wandcleison, Iarlei... até poderia ser. Mas Ricardo?

Dois dias depois saiu no Estadão uma entrevista com o moço da grua, que não chama Ricardo, mas revezava na grua com ele. Por isso a confusão. Dizem que ficou muito boa, eu ainda não li. E ao contrário do que tinham me dito (que ele estava de licença depois do susto), o operador da grua continuava trabalhando após ter descido mais de nove metros com o equipamento super inclinado, carregando não sei quantos quilos de areia nas costas. "Um verdadeiro herói" segundo quem leu a entrevista.

3 comments:

Lucy Jones said...

hahaha...
maior saga de jornalista em filme de reportagem!!! Mto bem, amiga! A primeira do grupo a ir num beco escuro pegar informações!!! Pena que a informação era tão genérica... e errada!

bjinho

Unknown said...

Ainda bem que documentaristas não passam por isso... Ou passam?

Anonymous said...

Isso dá um roteiro interessante de um curta. Estilo Noir.
Quem sabe um dia ainda não trabalhamos nisso, não, Patty?

Beijocas...