Thursday, January 11, 2007

Do dia que embarquei no jongo

Um pensamento. Minha amiga disse que faltou um pensamento. Para quem acredita que cada lugar, cada espaço tem seu dono, fazer uma viagem sem pedir licença a quem cuida das estradas já é sinal de mau agouro. Uma rezinha que seja. "Não se sai de casa sem um pensamento".

Uma voz doce canta ao fundo. Bela voz feminina entoa um samba triste, o pandeiro lhe acompanha em procissão. Aos poucos, outras vozes se unem a sua cantoria. E, num ritmado compasso de palmas ganham outra lira:

Viver e não tenha a vergonha de ser feliz Cantar (e cantar e cantar) a beleza de ser um eterno aprendiz Ah meu Deus!, eu sei, eu sei que a vida devia ser bem melhor e será mas isso não impede que eu repita é bonita, é bonita e é bonita

E, numa parte, em seguida, que nem eu conhecia, me acordam do meu sono. Entre uma curva e outra, estrategicamente realizadas pelo nosso motorista, com passos de mestre-sala ao redor do quebrado segundo ônibus da excursão que fazia às horas de porta-bandeira, os meus colegas de viagem continuavam a cantar:

O que é, o que é, meu irmão Há quem fale que a vida da gente é um nada no mundo É uma gota é um tempo que nem dá um segundo Há quem fale que é um divino mistério profundo É o sopro do criador Numa atitude repleta de amor Você diz que é luta e prazer Ele diz que a vida e viver Ela diz que melhor é morrer pois amada não é..

Era como um prenúncio do que veríamos. O 11 Encontro de Jongueiros por fim e entremeios não aconteceu inteiramente no Quilombo São José, em Valença, por causa do barranco que invadiu o único acesso a região. Claro que era possível se aventurar à pé, mas com a garoinha que fazia, desde que saímos de Conservatória, não valia a pena se arriscar naquele breu. Por sorte, assim como nós, quatro grupos de jongueiros não conseguiram subir o morro e se aportaram no tímido clube da cidadezinha de St. Isabel para se apresentar. Afinal, descobri o que era o jongo, como era a dança africana que havia nos levada a embarcar nesta viagem e aí entendi o fascínio.

Tamandaré
Guaratinguetá
Piquete
Serrinha

Aos olhos atentos da matriarca, cada um deles exibia a força de suas cores e gingado enquanto a platéia inesperada daquele pequeno clube se apertava para observá-los. Do lado de fora da roda, arrisquei alguns passos, errei outros, mas no meio da história sobre o som dos atabaques me rendi e estava numa espécie de transe que não sei bem explicar. Empresto palavras do autor moçambicano Mia Couto em O Outro Pé da sereia.

A brasileira afastou-se das outras e, conservando o mesmo ritmo, foi rodopiando pelo pátio, ao compasso das batidas no almofariz. Foi acelerando o passo, deixando-se possuir pela dança. Sambava? Os pés ligeiros desconheciam o voltear do corpo. Aos poucos ela estava penetrando no território dos sonhos.

Quando a festa acabou, fomos todos ao único boteco da região. Pedimos para o senhor abrir as portas, nos servir uma cerveja, era madrugada, mas queríamos mais zunzunzun.. Ali, ao lado da mesa de sinuca, nosso amigo de viagem puxava o samba junto com um pessoal animado daquele município perdido de St.Isabel, no Rio de Janeiro. Eu e minha amiga, entre um copo cheio dali e de cá, tentávamos ainda aprender a dançar o jongo enquanto a madrugada avançava.

4 comments:

Lucy Jones said...

Aeeee!!! Lina começando o ano em graaaande estilo!!! Amiga, cê tava empolgada ontem, hein?! hahaha

Amei o texto!!! Ah, e fiquei supercuriosa pra saber o que é o jongo! rsrsrs

bjinhos

Lina Jones said...

entonces, tentei achar uns vídeos no youtube para colocar como link, mas o site estava uma desgraça.. tenho uns amigos q gravaram alguma coisa do dia, dps qdo conseguir posso passar para vcs..

beijocas..

Patty Marie Jones said...

Ah, Lina!!!

Só hoje consegui ler direitinho o teu texto. Q máximo isso!!!

Imagino que divertido deve ter sido você tentando aprender uma dança moçambicana, tal qual os turistas europeus tentando aprender a sambar!

Depois vou caçar o jongo no youtube.

Bjinhs

Jongo de Piquete said...

12° Encontro Nacional de Jongueiros
Anualmente os grupos de jongo do Brasil fazem em seu encontro apresentações coletivas, oficinas e debates que possibilitam intercâmbios de experiências visando garantir a continuidade e a sua renovação alem do desenvolvimento de estratégias coletivas de transformação da qualidade de vida de suas populações através da arte.
O encontro de 2008 acontecerá em Piquete/SP nos dias 25 e 26 de abril com a presença de 18 grupos de jongo (Quilombo São José - Valença, Barra do Pirai, Pinheiral, Angra dos Reis, Santo Antonio de Pádua, Miracema, Serrinha, Porciúncula, Quissamã, Campos, Carangola, Guaratinguetá, Campinas e Piquete)
Prometem duas noites de festa, apresentando a dança, o canto e a rica diversidade desse ritmo, também conhecido como caxambú e reconhecido pelo governo federal como patrimônio imaterial do Brasil.
O encontro contribui para a preservação e divulgação do jongo, considerado uma das origens do samba, que atravessa séculos dando provas de vitalidade e força.

programação => gildojongo@bol.com.br