Wednesday, June 22, 2011

Alegoria de mim mesma

Era uma vez uma menina, talvez já não tão menina, que gostava de abraçar o mundo. Em casa, entrava, e, enquanto era recepcionada pelo cachorro, dava, sem olhar, um leve empurrão na porta que tinha acabado de atravessar. De propósito ou não, ela empurrava mas não fechava e a passagem para o corredor permanecia encostada até que outra pessoa da família resolvesse completar o serviço. O que isso significa? Possivelmente uma grande incapacidade de fazer escolhas.

Apesar do que diz Lucy, de que cada opção implica em uma renúncia, a menina preferia ignorar a física e só adicionava elementos à sua rotina de 48 horas diárias, se virando em mil para não abrir mão de nada. Além da amiga, seu pai também dizia “quem faz de tudo não faz nada direito”, mas a menina não ouvia.

O mundo que ela juntava com tanto gosto só crescia e pouco a pouco se tornou impossível segurá-lo, dada a circunferência e o peso da massa de objetos, pessoas e atividades reunidos.

Para não deixar nada cair, ela apertou cada vez mais seu mundarel de coisas, segurando tão forte que ele explodiu e, ao explodir, o que era um globo aumentou de tamanho e se transformou em uma grande cuba, oca, que logo foi preenchida com pequenas representações do que ela mais gostava, tal qual uma enorme piscina de bolinhas.

Eram bolas de rugby, amigos de time, colegas e livros da faculdade de Letras, amigas da faculdade de jornalismo, pessoas queridas que vieram da infância e outras que vieram do trabalho, família, um cachorro novo, mocinhos do passado e do presente, um curso de História em Quadrinhos, uma atividade de enduro a pé, um mochilão de um mês, uma bicicleta meio largada e até um treinamento para a brigada de incêndio. Tanta coisa que deixaria qualquer um tonto e, muito embora fossem só espécimes sensacionais – na maioria das vezes, pelo menos – o excesso de informação fez com que o mundo da menina ficasse descontinuado, espalhado, absorto naquele caos de coisas divertidas.

Durante a explosão, alguns objetos se perderam, como as aulas de ballet ou de windsurf (pagos, mas nunca feitos). Outros, apesar de estarem dentro da cuba, ficaram distantes.

Como se descobriu depois, as bolinhas têm o mesmo efeito de uma areia movediça. Por mais que se mexa é impossível sair do lugar. E a menina, que no começo tentou em vão dominar sua própria rotina, desistiu e se acostumou a fazer suas atividades tão queridas de vez em quando somente. "O que para der, maravilha. O que não der, bom também". Afinal, chega uma hora que nem Hiro Nakamura aguenta conciliar tudo no varal do tempo.

Isso continuou por quase seis meses, mas eis que até o caos virou rotina e ela, cansada de fazer malabarismos com uma amarra de ferro em cada braço, mergulhou fundo e quebrou a parede já trincada da enorme tigela. Era uma saída, mas talvez não uma solução.

Tal como Alice, a menina e seu mundarel de coisas foram caindo, caindo, caiiiiindo... assim como ela, que caiu no sono. Quando acordou, estava deitada no chão, em grama verde e céu azul pintado de lápis de cor. Os ícones, representando suas coisas tão queridas, jogados. Alguns pertinho - porque ela fez questão de segurar junto ao peito na descida - outros, tão longe que mal dava pra ver.

Era hora de recomeçar. Começar a catar todos os elementos e assim, como em qualquer arrumação de começo de ano, separar o que fica, o que é lixo e o que pode ser doado ou reciclado.

Alguns desses trechos, só para ajudar, ela teria de fazer a pé. O carro, representado pela carteira de motorista com excesso de pontuação, se perdeu no meio do caminho e não se tem ideia de quando volta.

No começo do percurso, que poderia muito bem ser de tijolinhos dourados, ela vê no chão um jornal, com o horóscopo do período: “ótima fase para reflexão; aproveite para decidir o que quer priorizar daqui pra frente" e pensa, "é, bem-vinda ao retorno de Saturno”.

1 comment:

Lucy Jones said...

Por mais que eu tenha falado que cada escolha implica uma renúncia, também tenho essa tendência de acumular atividade após atividade. Ano passado, eu fazia curso de inglês... e compras. Hoje, tenho faculdade, dois empregos e caço um terceiro. Isso sem falar que no tempo livre organizo festas, estudo, acompanho 15 séries, tenho uma pilha de livros pra ler, fissuro numa novela e tento acompanhar as ondas fashion... É, de repente a vida vai ficando cheia. Talvez, acredito, numa tentativa desesperada de ter sempre 21 e não deixar a vida passar só com trabalho/curso.

Amiga, não posso dizer que seja tão propensa a abraçar o mundo como você, mas já tive minha "limpeza"... deixei coisas boas e ruins pra trás... Acredito que recomeçar é difícil, mas às vezes animador... como um livro em branco, vazio mas cheio de possibilidades.

Sem falar que recomeço me lembra Everwood... e Everwood é fofo e terminou melhor do que um conto de fadas!