Sunday, June 08, 2003

Um dia com a mais vibrante

Normalmente as coisas começam assim, com um simples convite: "você quer ir?" e daí, em vez de eu me perguntar "será que eu realmente quero?" a frase que ressoa na minha cabeça é "por que não?". Se, nos mínimos instantes entre o ouvido receber o estímulo e a boca emitir um sono "ah, eu quero!", eu encontrar um motivo para recusar, ok. Mas como na maioria das vezes isso não acontece, acabei ganhando a fama de arroz de festa e virei figurinha carimbada na maioria dos eventos, dos mais tradicionais até aqueles protegidos pela Funai (principalmente nesses, por sinal). A última dessas aventuras foi o clássico Corinthians e Palmeiras, a que assisti junto com o pessoal da TUP (Torcida Uniformizada do Palmeiras).

Há algum tempo, acho que desde que fomos morar perto do Palestra Itália, que meu irmão ficou mais próximo do futebol. Passou a ir a todos os jogos, entrou na Mancha (antes Verde, agora Alvi Verde), mas não durou muito lá. Em pouco tempo, mudou pra TUP, onde, diz a fama - e todos os seus integrantes - a união é maior e as pessoas são muito menos arrogantes. Enquanto a minha confraternização era com o pessoal do rugby, a dele era com o pessoal da torcida. Conhecida como "a mais vibrante", a TUP vira e mexe faz churrascos, cervejadas, viagens (sempre com a desculpa de ver os jogos). E como tudo o que é festa interessa, ela ganhou minha simpatia. Mas só isso. Até que semana passada, meu irmão me chama pra ir ver um jogo com ele. Achei o máximo, mesmo porque homem é mais difícil de chamar pro seu mundinho. Mulher que é mais expansiva. Mas naquele final de semana era impossível. Rugby, aula de dança o dia todo e festa - esses dois últimos na companhia de Lucy. O jogo seguinte, por sua vez, era contra o principal rival, alvinegro, então estava descartado.

Passado o final de semana, meu irmão retoma o convite "você não quer ir comigo no jogo domingo?". Dessa vez, a cabeça nem teve tempo de se preocupar em pensar. A boca foi muito, mas muito rápida:

"Ah, eu quero!"

"Tá, mas é contra corinthians..."

Pronto. Ganhei o tal tempo pra pensar. Mas mesmo assim não consegui achar uma razão forte para recusar. Fiquei simplesmente gaguejando..."ah... contra Corinthians? Ah, é... bem, não sei... não é melhor ir em outro?"

No fundo, eu nunca tive uma opinião formada sobre esses jogos. As pessoas me falam que é perigoso, que não é bom mulher ir, eu acreditei. E como ninguém tinha me chamado prum clássico desses, nunca tinha pensado a respeito. Sendo assim, ele não precisou de mais de duas frases de efeito como "as torcidas não querem mais brigar porque isso só prejudica elas" e "não vai ter problema, vai um monte de meninas" pra me convencer.

A partir daí foi um vai-não vai. Tinha decidido que não ia contar pras pessoas que eu ia, porque vai que a criatura desistisse de me levar. Mas ele tava empolgado, então achei que não tinha risco. Contei pra alguns amigos e não é que no meio da semana descubro que não vou mais? "Ah, teu irmão falou que acha melhor você não ir. Vai ter muito homem, vai tar muito cheio. Melhor você ir em outro". Ok, né? Se ele, que é quem tinha me convencido a ir achou melhor não, eu não vou. O pior é que eu já tinha até me empolgado. Nem reclamei quando ele vetou minha regata e me mandou ir de calça comprida - que depois consegui trocar pruma bermuda até o joelho. "É, só não me vai com esses seus calções" (calções, pra quem nunca ouviu é o sinônimo inventado pelo pai pra palavra 'shorts').

Quando já planejava o que fazer com meu domingo recém-liberado, ele me liga pra dizer que eu podia, sim, ir. Uma das meninas mais antigas da TUP (o que é incrível já que ela não aparenta ter mais do 20 e médios anos, como diria Lucy) garantiu que não teria problemas e que elas tinham fechado um ônibus só de mulheres.

"Tá, então eu vou?"

"Ah, você quem sabe, mas não tem problema"

"Tá... então eu vou!"

O jogo começava às 16h e eu já tinha feito todo meu esquema. De manhã vou tomar sol, depois pego o cachorro da minha tia emprestado pra passear, tomo um banho e encontro com o povo lá pelas 14h. Até que soube que o pessoal ia se encontrar ao meio-dia! O passeio com o dog foi cortado dos planos.

Meio-dia e pouco meu pai me levou até o bar perto Palmeiras. O lado de fora do Palestra estava tomado por metaleiros que esperavam - alguns há dias - para ver o show do Iron Maiden. Perguntei pro meu pai o que ele preferia, a minha fase antiga (quando possivelmente estivesse naquele bolo) ou essa de agora, indo para o jogo junto com a TUP. Ao contrário do que pensei, a resposta veio fácil. "Só de você não usar mais piercing eu já fico feliz".

Encontrei com meu irmão, que me levou de carro até a quadra da torcida. Fiquei com ele, meu primo e uns amigos dos dois até a hora de entrar nos ônibus, quando fui apresentada à tal veterana - uma loirinha super simpática - e a outras meninas.

Durante todo o tempo na quadra ficamos ali, eu e os meninos, encostados no carro. Chegavam ônibus da TUP zona sul, zona leste, ABC, Baixada e por aí vai. Fomos em nove ônibus, se não me engano.

Cumprimentei mil pessoas que eu não lembro do rosto - novidade - e nem soube o nome. Em um determinado momento, comentei, apontando para uma garota "olha, tá vendo? Tem menina de shorts e regata". Ele nem se deu ao trabalho de olhar pra mim quando respondia, displicente, "ela não é minha irmã!". Em seguida, se justificou, não sei se falando em relação ao meu pai ou aos outros caras, "o pior é que se acontece alguma coisa, não é você, sou eu quem vou ter que agüentar". Eu respeitei o argumento.

E os cuidados não ficaram só no vestuário. Em todo momento que estivemos na TUP, eu parecia uma criança no shopping. Não podia ficar sozinha de jeito algum. Nos últimos dias, meu pai já tinha dito mil vezes "você, vê se você cuida da sua irmã". Meu irmão, obediente, me levou com ele pra cima e pra baixo e, no único momento em que realmente precisou sair, fez do meu primo meu guardião. "Eu vou ali na frente. Você fiiiica aqui com ela". Nessa hora, como em tantas outras, eu caí na gargalhada. É difícil exibir um "frágil" estampado na testa, ainda mais quando se tem 1,77m e joga-se rugby.

"Você, vê se cuida da minha irmã". Esse foi meu irmão, plagiando meu pai, no momento em que me passou para os cuidados da amiga loira. Quem diria que eu é que sou quase seis anos mais velha...

Íamos no ônibus só de mulheres, mas a brincadeira durou pouco, como comentou uma das garotas. Aquilo, que mais parecia uma caixa de fósforos vermelha e amarela, foi invadido pelo povo da TUP ABC, que já anunciou "aê, gente, quem quiser sair, que saia agora. Esse ônibus vai quebrar. Todo ônibus que a TUP ABC pega acaba quebrando". E olha que não era difícil. De todos os ônibus, aquele era de longe o pior. Felizmente, essa previsão, juntamente com a outra, um pouco mais terrível, de que iríamos cair de cima da ponte, não se concretizou.

Depois soube que, de fato, não há povo melhor do que o ABC para pegar ônibus que quebra e arrumar briga. "Não teve ônibus só de mulher? Bom, pelo menos vocês estavam protegidas. Uma vez sete carinhas da TUP ABC encontraram uns 40 Gaviões. Os caras do ABC se recusaram a fugir. Os caras da Gaviões falaram 'vocês apanhar!'. Os da da TUP falaram a gente vai apanhar, mas não vamos fugir de vocês. Uns foram roubados, outros apanharam, até que a polícia chegou. Mas eles não fugiram", contaria, depois, meu irmão no caminho para casa.

Problemas com ônibus e com policiais atrasaram a saída um pouco. Para subir no veículo, era preciso abrir a bolsa e - teoricamente - levantar a camisa até a altura do umbigo. Eu, assim como tantas outras, entendi que aquilo era só para os homens e só abri a bolsa. Ninguém reclamou.

Já para chegar no Morumbi, nada melhor. Policiais de motos iam escoltando os ônibus e parando o trânsito para a caravana passar. Nenhum estresse dirigindo ou procurando lugar para parar o carro. No caminho, ainda aprendi mil musiquinhas. Algumas meninas exageraram um pouco e, na falta de coisa melhor, xingavam até o poste, literalmente.

Apesar de termos saído menos de uma hora antes do jogo, chegamos ainda no comecinho. O único contato com a torcida adversária foi visual, quando cheguei na arquibancada e olhei pra frente. Vimos o jogo, toda a mulherada junta. Mesmo cheio, não estava nem de longe apertado. Deu pra ficar cada uma em cima de um, às vezes até de dois banquinhos. A bateria da TUP não parava um só segundo e o bandeirão, verde e branco, voava por causa do vento e parecia uma enorme tenda - bem diferente para quem está acostumado com o vermelho e preto casperiano dentro de uma quadra sem ventilação ou luz. E fazia tanto tempo que eu não ia a um estádio que parecia estar vendo essas coisas pela primeira vez.

Aliás, o tempo sem ver futebol também me trouxe uma impressão esquisita. Durante os primeiros minutos, assistia ao jogo mas não conseguia achar nada de super interessante. Só passes, nada mais intenso. Depois percebi o problema. Provavelmente meu inconsciente esperava algum tackle, choque ou jogada mais de contato, coisa que não iria acontecer, simplesmente por ser futebol, e não rugby. Algum tempo depois, voltei a me empolgar com o jogo. Ainda mais porque o resultado foi perfeito: Palmeiras 1 a 0.

Na volta, nada de pressa. Os corinthianos saíram mais cedo do estádio, talvez tristes com a derrota. Então, a gente que esperasse. Quanto menor o risco de uma torcida encontrar com a outra, melhor. Só lá perto das 20h é que os policiais liberaram nossa carreata. Eram cerca de 30 ônibus, juntando todas as torcidas do Palmeiras, e que acabam indo pra mesma região. Nós voltamos junto com a TUP Itaquá, que foi invadida pela torcida feminina.

Parece que a Mancha e alguns fãs do Iron brigaram antes do jogo. Um jogando pedra no outro, mas na TUP, nada. E eu já terminava meu dia achando que tinha sido tranqüilo até demais. Chegamos na quadra, me despedi das meninas. Já estava até pensando que meu post ia ficar meio sem graça. Daí, quando já estava no carro, meu irmão fala "puta, fodeu" e mandou meu primo e o amigo dele trocarem correndo a camisa, já que os dois estavam com a regata - ou farda - da TUP (descobri que nem há tanto problema em estar com a camisa dos clubes. O que pega mesmo é você estar com algo da torcida).

O povo da Gaviões zona norte tava passando na porta da quadra. Aparentemente, isso é normal, porque é o caminho deles para pegar a Marginal, mas segundo contaram toda vez é um stress. Nunca se sabe quando eles estão só passando ou quando vão querer invadir. Por isso, todo mundo foi pra porta. Quer dizer, quase todo mundo né... eu e os meninos já estávamos no carro, prontos pra sair e meu irmãozinho, suficientemente estressado por manobrar em meio àquele bando de carros e motos deixados de qualquer jeito pra pensar em descer. Quando finalmente ele conseguiu sair com o carro, os caras já tinham ido embora... e a gente voltou pra casa feliz.

3 comments:

Fábio Félix said...

Por isso que eu não me relaciono com nada do futebol...rs

Mas, adiciono: Mancha X Iron = Genial!...Hahahahaha...Queria ter visto essa.

Já pensaram em escrever um livro com esses relatos?...rs

Ariel Jones said...

Ai ai ai... Me recuso a comentar o que o Fábio falou aí em cima.

Até porque tenho certeza que o dia da Patty foi sensacional!!!

Assim como ficou o relato...

AMO MUITO ESSE ESPORTE

Bjs

Lucy Jones said...

Ok... futebol e nada pra mim... acho que nada é mais interessante! Rsrs

Mas, eu mesma já tive uma experiência bem pacífica no estádio com Ariel e Patty e posso garantir que as pessoas deveriam fazer mais isso!

O relato foi um livro... mas um livro que li rapidinho de tão gostoso!

:D

Beeejos!