Saturday, October 25, 2008

Acertando os ponteiros

Coloca a setinha no primeiro número, que é cinco. Dá três voltas no sentido horário. Agora gira no sentido anti-horário, passa uma vez pelo cinco e vai até o segundo número que é 27. Agora gira no sentido horário de novo, passa pelo 5 e vai pro terceiro número, que é 2. Por fim, é só tentar abrir.

Na verdade, o certo seria "por fim, é só abrir", mas como eu esqueci qual era o meu armário, eu repeti essa operação umas vinte vezes. Por vezes no mesmo cadeado, porque não tinha certeza se estava fazendo do jeito certo. Isso tudo às 10h30 da noite, depois passar as últimas quatro horas trabalhando no centro de convenções de Perth. Coisa fácil, só vendendo bebidas, todas em garrafinhas individuais, durante a entrada e o intervalo do show de uma cover qualquer do Abba.

Eu cheguei ali através de uma agência de trabalhos temporários. No dia anterior, aceitei dois shifs (dias de trabalho) pra semana seguinte e, já que estava tão solícita, ela perguntou se eu não queria trabalhar hoje em Burswood (onde fica o centro de convenções e o cassino). Eu aceitei, ela me passou os detalhes e depois de meia hora pediu desculpas, disse que eles diminuíram o número de funcionários e por isso eu não precisaria mais ir. Hoje, às 4 da tarde, outro funcionário me liga pedindo pra que eu fosse pro tal shift, já que alguém tinha desmarcado em cima da hora, como acontece com certa freqüência por aqui. Inicialmente, eu tinha que estar lá às 5h30, mas como isso era impossível, ficou marcado pras 6h.

Cheguei, de ônibus e trem, meio atrasada, correndo, como sempre. Peguei credencial, uniforme e cadeado, que tinha número, mas não adiantou, já meu armário estava sendo usado. Im, a menina que conheci no outro shift, me viu e veio falar comigo, toda feliz. Eu não lembrava dela, mas, graças àqueles meus momentos de "cuidado pra não ser grossa", preferi omitir esse fato. Ela me mostrou outro armário vazio, eu joguei as coisas lá dentro, aprendi a abrir o cadeado, fechei, fui encontrar com a supervisora.

Na volta, não lembrava o número. No máximo, sabia mais ou menos a posição dele em meio às dezenas de caixinhas prateadas. Várias pessoas vieram me ajudar, me mostraram como abrir os seus respectivos cadeados, mas todas com muita pressa pra ficar por lá. Im, por sua vez, é muito, mas muito baixinha e a única certeza que eu tinha é que minhas coisas estavam na fileira mais alta. Por isso, torcer era o maior apoio que ela podia me dar.

Fiz umas dez tentativas. Nada. De repente, força um pouquinho, abriu! Quando olhei dentro, simplesmente não era o meu. Analisei umas três vezes. mas nem era meu estilo de bolsa ou casaco. Fiquei o cadeado depressa antes que alguém percebesse que a delicada aqui tinha arrombado o armário dos outros. Tentei de novo os outros. Pior que nem abrir à força, como tinha feito com aquele, eu consegui. Tentei alguns mais pra frente.

Tinha tantos outros armários ainda, não ia dar certo esperar todo mundo sair pra ver qual sobrava. Me senti em São Paulo de novo, quando esquecia onde tinha deixado o carro. O problema é que dessa vez em nem sabia reconhecer meu carro. Uma outra menina veio me ajudar. Ligou pro meu celular, mas por mais que a gente encostasse o ouvido na portinha de metal, não deu pra escutar o celular dentro da bolsa, dentro do armário. As pessoas que passavam olhavam, estranhavam. Ela foi embora, ficamos só eu e Im. Resolvi tentar todos os cadeados, sem exceção ou esperança. Poucas vezes detestei tanto uma coisa quanto detestei esses cadeados. Se fosse chave, tudo seria mil vezes mais simples.

Algumas tentativas. Novo de repente, o cadeado abriu. Olhei pra Im com uma cara de "será?". Puxei a port do armário e lá estavam meu casaco e minha bolsa. Num acesso de felicidade que definitivamente não é minha cara, abracei a tailandesa de 1,50m que também pulava de emoção. A coitada estava morrendo de fome e tinha prometido me dar carona, já que às 11h da noite não tem mais ônibus pro trem e a primeira menina que ia me levar já deveria estar deitada há muito tempo.

Jantamos de graça no restaurante de funcionários e ela me deixou na estação de trem. Quinze minutos depois estava em casa. Ainda no carro, porém, soube que minha saga girando botoezinhos pra direita e pra esquerda não tinha acabado. Nesse mesmo dia, começou o horário de verão na Austrália. O relógio de patinho, porém, continua errado.

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