Um pensamento. Minha amiga disse que faltou um pensamento. Para quem acredita que cada lugar, cada espaço tem seu dono, fazer uma viagem sem pedir licença a quem cuida das estradas já é sinal de mau agouro. Uma rezinha que seja. "Não se sai de casa sem um pensamento".
Uma voz doce canta ao fundo. Bela voz feminina entoa um samba triste, o pandeiro lhe acompanha em procissão. Aos poucos, outras vozes se unem a sua cantoria. E, num ritmado compasso de palmas ganham outra lira:
Viver e não tenha a vergonha de ser feliz Cantar (e cantar e cantar) a beleza de ser um eterno aprendiz Ah meu Deus!, eu sei, eu sei que a vida devia ser bem melhor e será mas isso não impede que eu repita é bonita, é bonita e é bonita
E, numa parte, em seguida, que nem eu conhecia, me acordam do meu sono. Entre uma curva e outra, estrategicamente realizadas pelo nosso motorista, com passos de mestre-sala ao redor do quebrado segundo ônibus da excursão que fazia às horas de porta-bandeira, os meus colegas de viagem continuavam a cantar:
O que é, o que é, meu irmão Há quem fale que a vida da gente é um nada no mundo É uma gota é um tempo que nem dá um segundo Há quem fale que é um divino mistério profundo É o sopro do criador Numa atitude repleta de amor Você diz que é luta e prazer Ele diz que a vida e viver Ela diz que melhor é morrer pois amada não é..
Era como um prenúncio do que veríamos. O 11 Encontro de Jongueiros por fim e entremeios não aconteceu inteiramente no Quilombo São José, em Valença, por causa do barranco que invadiu o único acesso a região. Claro que era possível se aventurar à pé, mas com a garoinha que fazia, desde que saímos de Conservatória, não valia a pena se arriscar naquele breu. Por sorte, assim como nós, quatro grupos de jongueiros não conseguiram subir o morro e se aportaram no tímido clube da cidadezinha de St. Isabel para se apresentar. Afinal, descobri o que era o jongo, como era a dança africana que havia nos levada a embarcar nesta viagem e aí entendi o fascínio.
Tamandaré
Guaratinguetá
Piquete
Serrinha
Aos olhos atentos da matriarca, cada um deles exibia a força de suas cores e gingado enquanto a platéia inesperada daquele pequeno clube se apertava para observá-los. Do lado de fora da roda, arrisquei alguns passos, errei outros, mas no meio da história sobre o som dos atabaques me rendi e estava numa espécie de transe que não sei bem explicar. Empresto palavras do autor moçambicano Mia Couto em O Outro Pé da sereia.
A brasileira afastou-se das outras e, conservando o mesmo ritmo, foi rodopiando pelo pátio, ao compasso das batidas no almofariz. Foi acelerando o passo, deixando-se possuir pela dança. Sambava? Os pés ligeiros desconheciam o voltear do corpo. Aos poucos ela estava penetrando no território dos sonhos.
Quando a festa acabou, fomos todos ao único boteco da região. Pedimos para o senhor abrir as portas, nos servir uma cerveja, era madrugada, mas queríamos mais zunzunzun.. Ali, ao lado da mesa de sinuca, nosso amigo de viagem puxava o samba junto com um pessoal animado daquele município perdido de St.Isabel, no Rio de Janeiro. Eu e minha amiga, entre um copo cheio dali e de cá, tentávamos ainda aprender a dançar o jongo enquanto a madrugada avançava.
4 comments:
Aeeee!!! Lina começando o ano em graaaande estilo!!! Amiga, cê tava empolgada ontem, hein?! hahaha
Amei o texto!!! Ah, e fiquei supercuriosa pra saber o que é o jongo! rsrsrs
bjinhos
entonces, tentei achar uns vídeos no youtube para colocar como link, mas o site estava uma desgraça.. tenho uns amigos q gravaram alguma coisa do dia, dps qdo conseguir posso passar para vcs..
beijocas..
Ah, Lina!!!
Só hoje consegui ler direitinho o teu texto. Q máximo isso!!!
Imagino que divertido deve ter sido você tentando aprender uma dança moçambicana, tal qual os turistas europeus tentando aprender a sambar!
Depois vou caçar o jongo no youtube.
Bjinhs
12° Encontro Nacional de Jongueiros
Anualmente os grupos de jongo do Brasil fazem em seu encontro apresentações coletivas, oficinas e debates que possibilitam intercâmbios de experiências visando garantir a continuidade e a sua renovação alem do desenvolvimento de estratégias coletivas de transformação da qualidade de vida de suas populações através da arte.
O encontro de 2008 acontecerá em Piquete/SP nos dias 25 e 26 de abril com a presença de 18 grupos de jongo (Quilombo São José - Valença, Barra do Pirai, Pinheiral, Angra dos Reis, Santo Antonio de Pádua, Miracema, Serrinha, Porciúncula, Quissamã, Campos, Carangola, Guaratinguetá, Campinas e Piquete)
Prometem duas noites de festa, apresentando a dança, o canto e a rica diversidade desse ritmo, também conhecido como caxambú e reconhecido pelo governo federal como patrimônio imaterial do Brasil.
O encontro contribui para a preservação e divulgação do jongo, considerado uma das origens do samba, que atravessa séculos dando provas de vitalidade e força.
programação => gildojongo@bol.com.br
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